O Ornitorrinco, vivendo fase caprina, pede licença e proclama: bééééééé´!!!!!!! |
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O STF e os bodes expiatórios
Levar carneiros e cabritos ao fogo, a fim de expiar os próprios pecados,
era uma astúcia dos tempos bíblicos, na negociação com a
transcendência. Talvez em razão da banalização do recurso, o Senhor
tenha pedido a Abraão que levasse ao holocausto o próprio filho Isaque
e, na hora fatal, tenha tolhido a mão que brandia o cutelo. Não houve o
sacrifício humano, segundo o relato bíblico, e o próprio Senhor
providenciou um cordeiro, a fim de que a pira fosse aproveitada, e a
metáfora é ainda válida. Há sempre o recurso de descarregar em alguns os
próprios pecados, para que os purguem. Quando se trata do poder, o
expediente é rotineiro. Basta lembrar o caso dos alemães com os judeus e
do Estado de Israel com os palestinos.
O publicitário foi mais do que um lobista comum, porque, ao que se vê, é
dotado de invulgar inteligência e grandeusadia. Na Ação 470 – e há
outro processo em que se envolveu – seu objetivo frustrado, de acordo
com os autos, era obter um negócio excepcional para o Banco Rural,
tendo como objeto o Banco Mercantil de Pernambuco. Eram todos, no fundo,
amadores, até mesmo Valério, não obstante sua audácia. A movimentação
de recursos, quase à luz do sol, chega a sugerir ato deliberado de
auto-sacrifício, uma espécie de suicídio político coletivo, aos moldes
de Jim Jones, na Guiana.
Tudo bem. O que não se compreende é que Valério seja o bode expiatório
da velha corrupção política nacional, logo ele que não se encontrava
entre os corruptores, nem entre os corrompidos, e, sim, no meio da ação –
como dezenas ou centenas de outros lobistas, menores e maiores, que
operam entre as empresas e o poder público no país. Não se pune com pena
maior o adultério: recolhe-se o sofá ao guarda-móveis. Um fato é fora
de dúvida: os maiores corruptores são os banqueiros, muitos dos quais
começam a conhecer a cadeia, como é o caso de Madoff, nos Estados
Unidos. Sem eles não haveria intermediários como Valério, como não
haveria lavagem de dinheiro nem remessas para o Exterior, como as
realizadas pelo Banestado, sob a confessada cobertura do Banco Central.
Quarenta anos de prisão, conforme a soma das penas a ele cominadas, é
notório exagero. Valério, segundo se sabe, esteve preso e foi espancado
pelos outros prisioneiros. Se for colocado em uma prisão comum, como
determina a lei, sua sobrevivência estará ameaçada. Ainda que a pena
possa ser reduzida, como prevê a legislação, a sua condenação será muito
mais dura do que a simples prisão.
Há os que exultam com os resultados do julgamento. Talvez lhes conviesse
colocar as barbas no molho da cautela. Não poderá o STF julgar os
outros casos de corrupção em andamento, e outros que fatalmente lhe
chegarão, com menos rigor do que o endereçado aos réus da Ação 470. Os
que pedem a cabeça dos envolvidos no denominado mensalão, provavelmente
ficarão estarrecidos quando conhecerem os detalhes do processo de
privatização das empresas estatais brasileiras, a partir do governo
Collor – sob o comando do Sr. Eduardo Modiano – até o ato final de
entrega, na administração de Fernando Henrique Cardoso.
Depois de penas tão duras contra os réus da Ação 470, será um
estapafúrdio se a Justiça não reabrir o caso da Operação Satiagraha, que
o STJ, em decisão escandalosa, decidiu trancar. Afinal, Marcos Valério é
apenas um menino de recados, diante de quem obteve seguidos e
estranhos hábeas-corpus, do próprio STF, e sempre foi amigo e comensal
das mais altas autoridades da República, em tempos recentes – o
banqueiro Daniel Dantas.
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