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Antonina, Litoral do Paraná, Palestine
Petroleiro aposentado e petista no exílio, usuário dos óculos de pangloss, da gloriosa pomada belladona, da emulsão scott e das pílulas do doutor ross, considero o suflê de chuchu apenas vã tentativa de assar o ar e, erguido em retumbante sucesso físico, descobri que uma batata distraída não passa de um tubérculo desatento. Entre sinos bimbalhantes, pássaros pipilantes, vereadores esotéricos, profetas do passado e áulicos feitos na china, persigo o consenso alegórico e meus dias escorrem em relativo sossego. Comendo minhas goiabinhas regulamentares, busco a tranqüilidade siamesa e quero ser presidente por um dia para assim entender as aflições das camadas menos favorecidas pelas propinas democráticas.

terça-feira, 24 de outubro de 2023

Ter coragem para evitar o pior: Somente a devolução dos territórios palestinos trará compromisso com a paz

Copiei do indispensável BRASIL 247

24/10/2023 - 18:26 

Por Arlene Clemesha, Marilena Chauí, Leda Paulani, Carlos Augusto Calil, Paulo Sérgio Pinheiro e Vladimir Safatle*, na Folha de S. Paulo

Enquanto assistimos horrorizados à intolerável perda de milhares de vidas e ao enorme sofrimento do povo palestino, vemos com grande preocupação o assédio e a tentativa de silenciamento das opiniões divergentes que fazem parte do debate público.

Associar a defesa da causa palestina — o direito inalienável deste povo de viver em seu próprio território, respeitando todas as resoluções da ONU — ao antissemitismo e apoio ao terrorismo é operação sumamente desonesta e afronta aos direitos humanos.

Não é aceitável, sob nenhum argumento, a existência de um povo apátrida, vivendo segregado e em condições de um apartheid.

Menos aceitável é a ausência de indignação internacional e de pressão institucional contra o governo israelense para que respeite a norma internacional, cumprindo as exigências da ONU sem subterfúgios.

Qualquer análise honesta de como chegamos a esse ponto de violência extremada deve começar lembrando que os palestinos que optaram por uma saída diplomática para o conflito com Israel foram traídos.

A narrativa que não parta das razões do fracasso histórico dos acordos de Oslo e da total inação da comunidade internacional é falsa e enviesada. A falta de respeito a acordos internacionais de paz sempre produziu as piores consequências.

A tolerância da comunidade internacional com o desrespeito por Israel dos compromissos assumidos permitiu que ali se consolidasse um regime de apartheid contra os palestinos com o intuito de manter a dominação de um único grupo étnico e nacional.

Não obstante 20% da população de Israel ser formada por palestinos, em 2018 foi aprovada a Lei Básica do Estado-Nação, afirmando que “o direito ao exercício da autodeterminação nacional no Estado de Israel é exclusivo ao povo judeu”.

Consolidava-se, assim, um sistema de segregação e desigualdade institucionalizada por leis e políticas em toda a Palestina histórica.

Neste momento, é incontornável enfrentar corajosamente o problema que afeta o mundo inteiro: a paz no Oriente Médio depende do fim da ocupação ilegal dos territórios palestinos e do apartheid.

A circulação de discursos sobre a “enorme complexidade” da situação é falaciosa e tem como objetivo ocultar a continuidade da limpeza étnica do povo palestino.

A única resposta à tal dissimulação da realidade é a exigência de que finalmente os direitos inalienáveis do povo palestino sejam respeitados por Israel com a devolução dos territórios da Cisjordânia, de Jerusalém Oriental, da Faixa de Gaza e das colinas de Golã.

O sistema de segregação e discriminação contra o povo palestino, na sua própria terra, precisa dar lugar a um regime de respeito universal a todos que ali vivem.

Somente o compromisso com a paz real, com soluções duradouras ancoradas no direito internacional e com o respeito à liberdade de expressão, pode produzir a consciência mundial capaz de eliminar as supremas injustiças a que os palestinos continuam submetidos.

Caso contrário, como disse José Saramago, Prêmio Nobel de Literatura: “Um dia se fará a história do sofrimento do povo palestino e ela será um monumento à indignidade e covardia dos povos”.

Arlene Clemesha, professora de história árabe (USP)

Marilena Chauí, professora emérita de filosofia (FFLCH-USP)

Leda Paulani, professora titular da Faculdade de Economia e Administração da USP

Carlos Augusto Calil, professor da Escola de Comunicação e Artes da USP

Paulo Sérgio Pinheiro, professor de ciência política (FFLCH-USP) e ex-ministro de Direitos Humanos (governo FHC)

Vladimir Safatle, professor de filosofia (FFLCH-USP)

* Os autores escrevem em nome de um grupo maior de docentes da Universidade de São Paulo

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O Ornitorrinco Palestino reafirma seu apoio à luta heróica do povo palestino que, desde 1948, sofre o sistemático genocídio praticado pelo estado nazi-sionista de Israel.
By the way, seus merdas, não sou e nunca fui antisemita. 

domingo, 22 de outubro de 2023

Ser judeu no Brasil

Copiei do indispensável A TERRA É REDONDA

19/10/2023

Por PETER PÁL PELBART*

As elites brancas desse país têm a maior dificuldade em reconhecer a “branquitude” sobre a qual repousam seus privilégios. O mesmo vale para os judeus

Sou judeu, húngaro, amante da filosofia, dos loucos, dos indígenas, simpatizante doas zapatistas, das feministas, dos movimentos sociais e suas ocupações, dos dissidentes de toda ordem, e ferrenhamente antifascista. Por sorte não vivo na Hungria nem em Israel, embora já tenha obtido – e renunciado – ao passaporte de ambos, países cuja escalada xenófoba e fundamentalista (cristã ou judaica) é para mim motivo de madrugadas de perturbação e insônia – assim como a recente virada política no Brasil é motivo de cotidiano alívio e regozijo.

Nada me parece mais abjeto do que o fascismo, em suas formas diversas, históricas ou atuais. No passado, dele foram vítimas judias e judeus, ciganas e ciganos, homossexuais, esquerdistas, loucas e loucos, artistas, cientistas, intelectuais, desviantes. Pensávamos, nós do campo da esquerda, que era um capítulo já sepultado de nossa história, e qual não foi nossa surpresa ao vê-lo reaparecer sob novas formas em pleno século XXI.

Houve um tempo em que ser judia ou judeu era, em parte, uma condição existencial minoritária. Ao lado das perseguições, pipocavam os sonhos revolucionários. Diante da violência seletiva, a salvação do mundo. Pertencer à comunidade significava ir além da comunidade, abarcar o mundo. Algum messianismo transparecia em utopias nada religiosas. Mesmo quando não era este o caso, uma imensa generosidade ética caracterizava essa constelação: Espinosa, Marx, Freud, Rosa Luxemburgo, Kafka, Benjamin, Hannah Arendt, Paul Celan, Gertrude Stein, Lévi-Strauss, e mais recentemente Judith Butler e tantos outros.

É célebre a imagem do judeu errante. A conotação dessa figura é majoritariamente negativa. Para o antissemita, o judeu errante é o eterno estrangeiro, infiltrado, parasita, traidor, cujo objetivo é corromper a cultura e degenerar a raça. Sempre é suspeito de um complô, ora como agente do comunismo internacional, ora maquinando os destinos do mundo, já que é parte da plutocracia financeira.

Onipresente e insidioso, o judeu representa o perigo maior para a civilização ocidental, desde os Protocolos dos Sábios de Sião até Mein Kampf. No polo oposto está a imagem do judeu como um nômade, que não carece de uma terra, já que faz do deslocamento incessante sua própria morada. Por definição, ele vive nas margens do Império, no deserto, na dispersão, no exílio, exposto a todos os ventos e acontecimentos. Alheio ao Estado e seus poderes, é um trânsfuga, subverte os códigos, embaralha as pertinências, traça uma linha transversal ou de fuga. Daí a ideia de um “pensamento nômade”, como o designou Giles Deleuze, que transpõe fronteiras, que faz do movimento seu território existencial – Nietzsche ou Kafka seriam disso exemplos expressivos.

Nesse último sentido, uma definição possível de judeu seria: aquele capaz de devir-outra-coisa-que-não-judeu. Não é Zelig, de Woody Allen, que apenas imita. Nem o judeu não-judeu, de Isaac Deutscher, com sua vida dupla. Trata-se de algo mais sutil: certa potência de metamorfose, de reinvenção de si na vizinhança com a alteridade. No estupendo Nossa Música, de Jean-Luc Godard, uma jornalista israelense entrevista o poeta palestino Darwish, que, privado de sua terra, fez das palavras a sua pátria. E ela comenta: “você começa a soar como judeu!” O devir-judeu do palestino, o devir-palestino do judeu.

Mas voltemos ao Brasil. Sabemos que nossa história foi marcada pela presença judaica desde o seu início, com os cristãos novos e todo o jogo de esconde-esconde frente às perseguições da Inquisição. Curiosamente, a primeira sinagoga das Américas foi construída no Recife durante a ocupação holandesa (1630-1654), por iniciativa dos judeus sefaraditas de origem portuguesa refugiados nos Países Baixos. Quem fuçar um pouco acaba encontrando um tataravô descendente de algum criptojudeu.

Mas é no século XX que se forma uma grande comunidade judaica, com as levas maciças de imigrantes do Leste europeu fugidos dos pogroms primeiro, do nazismo depois. No geral encontraram aqui acolhida favorável. Afora o alinhamento passageiro do Estado Novo com os países do Eixo, e a consequente subordinação relativa a alguns ditames discriminatórios, como a restrição temporária à imigração judaica e a infame deportação de Olga Benário, não se tem registro de um antissemitismo sistemático por parte do Estado ou da população em geral – salvo aquele cultivado pelo integralismo – diferentemente do caso argentino.

O fato é que a comunidade judaica gozou no Brasil, em geral, de oportunidades econômicas, sociais, acadêmicas, culturais extraordinárias – além da absoluta liberdade de culto, associativa, comunitária. Um judeu não pode se queixar de um país que lhe franqueou tanto. Mas a história prega peças. Tome-se o exemplo do bairro do Bom Retiro, em São Paulo. Já foi o centro da vida judaica brasileira, ou ao menos paulista: sinagogas, centros culturais, entidades assistenciais, comércio ambulante, centralidade da confecção, filhos na universidade, escolas com visão aberta (Scholem Aleichem), movimentos juvenis ligados a correntes diversas de pensamento, ora mais comunistas, ora mais sionistas, ora mais tradicionais. Além disso, era ativo o Teatro de Arte Israelita Brasileiro (Taib), a imprensa em ídish, o Instituto Cultural Israelita Brasileiro (Icib – atual Casa do Povo), sem falar da Ezra, da Ofidas, da Policlínica, da Cooperativa de Crédito do Bom Retiro, da Chevra Kadisha, e das entidades em outros bairros, como o Lar dos Velhos, a Federação Israelita, a Confederação Israelita do Brasil.

Com a ascensão social de seus membros, a maioria da comunidade se deslocou para Higienópolis, Jardins ou arredores. A nova geração, majoritariamente composta de profissionais liberais, médicos, engenheiros, professores, psicólogos, jornalistas, editores, ou pessoas ligadas aos ramos do comércio ou das finanças, quando não empresários ou banqueiros, deixou de viver a vida de shteitl que ainda vigorava no Bom Retiro. Ainda assim, foram preservadas as redes de apoio, como o Lar das Crianças, fundado pelos judeus alemães, ou a Unibes, desde muito dedicada à assistência a pessoas em estado de vulnerabilidade, ou os clubes (Hebraica, Macabi).

No entanto, afora alguns núcleos mais religiosos, com suas sinagogas por vezes escandalosamente ostensivas e protegidas por muralhas fortificadas ou rodeadas de seguranças, no geral os laços comunitários tenderam a se afrouxar. Em contrapartida se fortaleceu a identificação com o Estado judeu. Entende-se tal atitude vinda dos sobreviventes da Shoá espalhados pelo mundo no imediato pós-guerra, que ansiavam por uma referência protetora.

Mas com o paulatino aburguesamento da comunidade podemos arriscar a hipótese de que o Estado de Israel – e não mais uma terra prometida de paz e justiça – acabou ganhando prevalência na vida judaica. Em vez do horizonte espiritual, a adaptação à concretude geopolítica. Ora, como desde 1977, com a eleição de Menachem Beguin, a política israelense sofreu uma guinada direitista, a diáspora não poderia ficar indiferente a tal inflexão.

Quão longe estamos hoje do perfil que desenhávamos sobre o judeu errante ou nômade. A fundação do Estado de Israel como o Lar nacional dos judeus, ao lhes oferecer um território, também os reterritorializou subjetivamente. O israelense devia ser duro, forte, vencedor, e se descolar ao máximo da imagem do judeu diaspórico, frágil, vulnerável, apátrida. Não faltaram intelectuais israelenses para colocar em questão tal imagem arrogante: os escritores Amós Oz e David Grossman, a poeta Léa Goldberg, o cineasta Amós Gitai, o filósofo e biólogo religioso Yeshayau Leibovics (que, ao se referir à ocupação da Cisjordânia, cunhou a expressão intolerável para um israelense: o nazi-sionismo!), o ativista e jornalista Uri Avenry – são alguns de uma lista imensa.

Não obstante, a Guerra dos Seis Dias, a conquista de territórios palestinos, os mecanismos cada vez mais perversos na gestão da população submetida, a crescente veneração do Estado, a supremacia do Exército, a miragem de uma Terra Santa, e do direito bíblico do “povo eleito” a ela, assim como o alinhamento incondicional com os Estados Unidos desembocaram no que vemos hoje – a mais sinistra aliança entre a extrema direita nacionalista e colonialista e o fundamentalismo religioso.

O pior, se arriscássemos uma reflexão mais ampla, é que o Estado de Israel reivindica o direito exclusivo de representar o judaísmo mundial e herdar o seu legado. Dita-lhe, assim, a forma nacional e a coloração política. É um sequestro da multiplicidade que antes compunha a memória histórica da diáspora.

Sabe-se que um importante conselheiro de marketing político americano, Arthur Finkelstein, convidado por Bibi Nethanyau para auxiliar em uma campanha especialmente difícil, após o assassinato de Rabin, teve uma leitura aguda do cenário israelense e uma sugestão diabólica. Seu diagnóstico era que a direita se identificava mais como “judia”, a esquerda mais como “israelense”. Para infletir a direção política do país era preciso contaminar o ambiente com um discurso “judaico” – estranho paradoxo para uma nação que quis desfazer-se de sua imagem diaspórica.

Foi o que aconteceu. Dispensável lembrar que este mesmo consultor, também judeu, foi quem sugeriu ao primeiro ministro Victor Orbán fazer do megainvestidor milionário judeu e húngaro, residente no Reino Unido, George Soros, fundador da Open Society, o inimigo público número um do país, ampliando a força da direita húngara e sua dimensão antissemita!

Não é pequeno o preço que um país paga por 55 anos de dominação sobre milhões de palestinos. Falamos dos israelenses mortos em combate para perpetuar a ocupação, mas sobretudo da insensibilidade que acompanha a inversão histórica de lugares. O atual governo que se considera herdeiro das vítimas do nazismo não enxerga a que ponto exerce, hoje, o papel de carrasco.

Uma blindagem sensorial no discurso e na prática, na mídia e na gestão da população, fez com que a violência micropolítica e macropolítica se naturalizassem. Estado de exceção, diz Giorgio Agamben, necropolítica, diz Mbembe. A ameaça iraniana, que é real, só encobre e reforça a denegação da ocupação dos territórios – tema tabu, sempre relegado a segundo plano, embora ocupe os noticiários diariamente. É a lei do mais forte redesenhando a geopolítica e suas prioridades.

E qual o efeito disso entre os judeus brasileiros? Foi o que vimos: a aproximação de parte da comunidade com o candidato à presidência que jamais escondeu suas simpatias para com regimes autoritários. Seu governo ressuscitou o que parecia superado: laivos de suprematismo branco, desprezo pelas populações originárias ou precarizadas, propaganda inspirada em Goebbels, a valorização da força militar ou miliciana, o belicismo assumido, o ataque sistemático às instituições e à cultura, o genocídio.

Em suma, uma agenda de extrema direita alinhada com o que de mais regressivo se possa imaginar. Ademais, a adesão irrestrita da extrema direita brasileira à política israelense era visível: a bandeira de Israel passou a fazer parte da campanha bolsonarista, e apareceu até na invasão golpista dos palácios na Praça dos Três Poderes no dia 8 de janeiro de 2023! Ou seja, para muitos judeus não havia contradição alguma entre posturas fascistas ou protonazistas e o alinhamento incondicional a Israel. Tudo se encaixava.

O bolsonarismo conseguiu a adesão de parte dos judeus brasileiros não apesar de sua faceta fascista, porém justamente devido a ela. Por conseguinte, é preciso se perguntar o que ocorreu com parte dessa comunidade, do ponto de vista ético ou político, que de minoria perseguida ou refugiada passou a ocupar um estamento de classe média alta e aderiu a ideologias totalitárias.

O riso e aplausos que o humor racista de Jair Bolsonaro extraiu do público durante palestra na Hebraica do Rio de Janeiro, durante sua campanha presidencial de 2018, foi disso apenas um dos indícios. A participação de um Weintraub no Ministério da Educação foi outro – eis onde fomos parar: um iletrado que cita com orgulho o célebre escritor judeu de nome Kafta.

É difícil não colocar na balança esses aspectos quando se questiona qual deve ou pode ser o grau de pertinência, de participação, de implicação de um judeu ou uma judia no contexto brasileiro. É óbvia a repugnância que provocou em muita gente a cumplicidade ativa de parte da comunidade com uma pauta que décadas antes fora, para os judeus europeus, a causa de sua desgraça. Que o alvo agora sejam negros ou indígenas, gays ou pobres, encarcerados e indefesos de toda sorte, apenas testemunha a profunda mudança de inclinação e sensibilidade de parte da comunidade judaica, dada sua recomposição de classe, sua identificação com as elites de um país tão desigual, com o consequente conformismo diante do racismo atávico (estrutural) do qual, aliás, também ela, como parte da parcela branca da população, se locupletou.

As elites brancas desse país têm a maior dificuldade em reconhecer a “branquitude” sobre a qual repousam seus privilégios. O mesmo vale para os judeus, por mais que se escudem no histórico de perseguições de que foram vítimas. A falta de empatia com descendentes de tragédias horrendas como a dos afrodescendentes ou dos povos indígenas levanta perguntas cáusticas sobre a dialética da dominação, a identificação com o agressor, a denegação, a dificuldade na elaboração do trauma, a repetição histórica.

Ora, como mudar isto? Não há, a meu ver, solução rápida, assim como não o há para o fascismo. A luta é a mesma, o desafio é o mesmo. Ainda que iniciativas específicas pudessem ser levadas a cabo nos espaços da comunidade, cada vez mais escassos, não creio que tenham qualquer eficácia caso se mantenham desvinculadas do entorno mais amplo.

A Casa do Povo, mencionada acima, é um bom exemplo nessa direção, com sua linha de atuação ao mesmo tempo local e global, singular e universal, histórica e atual. Abrigo de perseguidos durante a ditadura militar, hoje convivem lado a lado o coral ídiche, festejos judaicos, ensaios e apresentações de grupos artísticos guaranis, bolivianos, transexuais, discussões sobre Junho de 2013, ensaios da Cia Teatral Ueinzz. É nessa confluência entre diferentes mundos que se vislumbra alguma saída.

Uma outra via que me ocorre, nessa mesma toada, é a dos livros. Jacó Guinsburg nos ensinou o que pode uma editora em um país como o Brasil. Ao lado de Scholem, Buber, Agnon e os maiores nomes da literatura judaica mundial, o mais arrojado catálogo do pensamento universal, de Platão a Nietzsche, das obras completas de Espinosa a Hannah Arendt, sem falar nos ensaios clássicos e modernos de estética, de teatro, de semiótica – a lista é infinita. O que deve o Brasil a esse projeto editorial ainda está por ser escrito.

A pequena editora que fundamos há dez anos atrás vem no rastro de um tal espírito. Títulos como Crítica da razão negra (Mbembe), Corpos que importam (Butler), Metafísicas canibais (Viveiros de Castro), Cosmopolítica dos animais (J. Fausto), Manifesto contrassexual (Preciado), O reino e o jardim (Agamben), O enigma da revolta (Foucault) são uma pequena amostragem dos vários mundos convocados pela n-1 edições. Esparsas, livro de memórias de família de Georges Didi-Huberman sobre o Levante do Gueto de Varsóvia, a ser lançado na semana de celebração da efeméride na Casa do Povo, faz a ponte mais diretamente com o universo judaico.

Mas é preciso dizer uma última palavra sobre expoentes da cultura de origem judaica que se entregaram de corpo e alma ao contexto brasileiro. Clarice Lispector, Paulo Rónai, Maurício Tragtemberg, Mira Schendel, Vladimir Herzog, Jorge Mautner, Boris Schnaiderman, também aqui a lista é imensa.

Contudo, eu ressaltaria uma das figuras mais tocantes do ponto de vista do encontro com a alteridade. Claudia Andujar nasceu na Suíça e passou a infância na Transilvânia, na época sob dominação húngara. Com a invasão nazista, toda sua família paterna foi deportada para Auschwitz. Já adulta, veio parar no Brasil, onde exerceu o ofício de fotógrafa e se interessou especialmente pelos Yanomami.

Toda sua obra artística, que é a vida, foi dedicada à defesa dessa etnia. Em 1977 fundou a Comissão Pró-Yanomami (CCPY). Aliada ao xamã Davi Kopenawa e ao missionário Carlo Zacquini, empreendeu campanha internacional de grande envergadura em favor da demarcação, cujo resultado foi a homologação, em 1992, da Terra Indígena Yanomami. Recentemente, em meio à revelação do genocídio naquela área, que coincidiu com uma grande exposição de suas obras em Nova York, Claudia reiterou em rede de comunicação nacional a conexão entre as duas pontas de sua vida: tendo perdido a família no Holocausto, abraçou a causa yanomami como sua, evitando que também eles fossem exterminados. Haveria exemplo mais digno de encontro e entrelaçamento de mundos diferentes? Não há algo de profundamente judaico nessa ética da aliança e da solidariedade?

Talvez é o que mais nos falte, no Brasil, entre as ditas minorias – que seja feito o que no universo indígena é incumbência do xamã – a negociação entre mundos. Um xamã se oferece como um diplomata “cosmopolítico”, entre vivos e mortos, animais e humanos, passado e presente. Guardadas todas as proporções, na imensa diversidade que compõe este país, talvez o mais importante seja favorecer a coexistência entre a pluralidade de mundos, sem que nenhum deles pretenda à exclusividade – diferentemente do que tentou o governo anterior, com seu projeto de refundação do Brasil em bases evangélicas e suprematistas.

Uma coexistência não significa cada um fechado no seu gueto, cultivando sua identidade essencialista, num raso multiculturalismo. É preciso que tais mundos possam afetar-se uns aos outros, contagiarem-se, sensibilizarem-se mutuamente. Por vezes, disso até podem nascer novos povos e outros modos de povoar o planeta.

Mas como estar à altura de um tal desafio? Não poderíamos sonhar com uma “internacional cosmopolítica”? Será tal aspiração uma alternativa ao messianismo judaico eurocêntrico, outrora tão pregnante e frutífero, porém cada vez mais esmaecido e inoperante?


*Peter Pál Pelbart é professor titular de filosofia na PUC-SP. Autor, entre outros livros, de O avesso do niilismo: cartografias do esgotamento (N-1 Edições). [https://amzn.to/406v2tU]

Publicado originalmente nos Cadernos Conib, agosto de 2023. 

terça-feira, 17 de outubro de 2023

Ângela Carrato: Genocídio midiático dos palestinos

Copiei do indispensável VIOMUNDO

16/10/2023 - 17:48 

Arte: Carlos Latuff (@LatuffCartoons)

Por Ângela Carrato*


Os palestinos enfrentam simultaneamente dois genocídios.

O primeiro teve início em 1948, quando a ONU criou o estado de Israel e deixou para depois o estado palestino. Um depois que, até agora, transcorridos 75 anos, não aconteceu.

O segundo, tão terrível quanto privar um povo de espaço para viver, é tentar transformá-lo em “inimigo”, “sanguinário”, “terrorista” e “perigo para a humanidade”, como tem sido feito pela mídia corporativa internacional e brasileira desde então, com o clímax sendo alcançado na última semana, após os ataques do Hamas a Israel.

Há milênios, Sêneca, o filósofo grego, já dizia que “na guerra, a primeira vítima é a verdade”.

Não há, no século XX e nas primeiras décadas do atual século, nenhuma guerra que tenha começado sem ser antecedida por provocações e mentiras da mídia.

No caso em questão, o certo teria sido a criação de dois estados – Israel e Palestina.

Os vitoriosos na Segunda Guerra Mundial, no entanto, se empenharam em resolver só o problema dos judeus que viviam em diáspora pelo mundo e milhões deles acabavam de ser barbaramente perseguidos e mortos pelos nazistas.

Ao criar o estado de Israel, para resolver o genocídio que a própria Europa havia deixado acontecer com os judeus, não foi levado em conta que os palestinos eram os históricos e verdadeiros donos da região.

Os judeus apenas miticamente tinham relação com aquele território.

A ONU autorizou a criação de Israel e milhares de judeus em todo o mundo começaram a se mudar para lá. Desde então, os palestinos passaram a ser perseguidos e expulsos de sua própria terra.

A situação a que foram relegados deixa evidente o racismo por trás das ações dos vitoriosos na Segunda Guerra Mundial, a começar pelo próprio nome com que a região era designada: Oriente Médio.

Geograficamente, não existe Oriente Médio. Trata-se de invenção de países imperialistas como a Inglaterra, para justificar suas antigas colônias na região.

O território que se estende desde o Leste do mar Mediterrâneo até o Golfo Pérsico é uma sub-região da Afro-Eurásia, sobretudo da Ásia, e retirá-lo desta condição foi uma bem sucedida operação semântica para legitimar o neoimperialismo.

Dito de outra forma, o “Ocidente” não estaria interferindo no Oriente (África e Ásia), mas atuando numa região intermediária.

Some-se a isso que por serem árabes e, não ocidentais brancos, com o agravante, aos olhos imperialistas, de praticarem a religião islâmica, os palestinos poderiam ser alvo de todas as atrocidades. E foram.

Há décadas que sofrem privações básicas, mas nada tão grave quanto negar-lhes até a própria condição humana. Como disse há seis dias o ministro da Defesa de Israel, Yoav Gallant, “estamos combatendo contra animais”.

Um absurdo que foi naturalizado pela maior parte da mídia internacional e nacional.

Tudo isso vem sendo ignorado por esta mesma mídia ao tratar o grupo Hamas, que em tradução livre significa Movimento de Resistência Islâmica, como terrorista pelo atentado a Israel, no sábado (7/10), como se os conflitos tivessem começado ali.

Toda violência merece repúdio, mas não se pode negar a um povo o direito de lutar pela sua libertação.

Essa é a razão pela qual a ONU não considera o Hamas um grupo terrorista, ao contrário do que tem sido repetido à exaustão pela mídia brasileira e internacional. Mídia que tem coberto apenas um lado deste conflito, negando aos palestinos o direito básico de serem ouvidos e exporem suas razões.

A voz que se ouve na mídia Ocidental quando o assunto diz respeito a Israel e palestinos é a de Israel, que tem como aliados, desde sempre, Inglaterra e Estados Unidos.

Foi assim na chamada 1ª Guerra Árabe-Israelense (1948), na crise do canal de Suez (1956), na Guerra dos Seis Dias (1967), na 1ª Intifada (rebelião popular palestina), em 1987, e na 2ª Intifada (2000), além das seguidas ofensivas entre Israel e Hamas em 2008, 2009, 2012, 2014, 2018, 2019 e 2021.

Em todos estes conflitos, Israel contou com o apoio político e bélico dos Estados Unidos.

Apoio político ao negar, através da condição de um dos cinco membros do Conselho de Segurança da ONU com direito a veto, conter a fúria de Israel ou envidar efetivos esforços para a criação do estado palestino.

Apoio bélico ao contribuir decisivamente para Israel ter um dos mais bem armados exércitos do mundo, além de um serviço de espionagem, o Mossad, mais eficiente do que a CIA ou o NSA, seus congêneres estadunidenses.

Diante da disparidade de condições reinantes entre Israel e palestinos, não há nem mesmo como falar em guerra.

Como 2,1 milhões de palestinos, que não dispõem sequer de exército, confinados por Israel na faixa de Gaza, meros 365 quilômetros quadrados (equivalente a um quarto do território da cidade de São Paulo) conseguiriam enfrentar um dos exércitos mais bem equipados do planeta?

Israel priva-os de tudo. Entradas e saídas de pessoas na Faixa de Gaza são controladas, o mesmo podendo ser dito de alimentos, medicamentos e combustíveis, muito antes do atentado do Hamas.

Se as tensões entre Israel e palestinos não são de agora, existem fatos recentes que estão na raiz do aumento explosivo da violência na região.

O principal deles é a crescente impopularidade do primeiro-ministro de Israel, Benjamin Netanyahu.

No poder, mesmo que de forma intermitente, há mais de 20 anos, ele, um extremista de direita que enfrenta uma série de processos por corrupção, conseguiu que fosse aprovado pelo Congresso projeto que limita os poderes da Suprema Corte de lá.

A medida vinha provocando críticas dos mais diversos setores e intensas manifestações contra ele.

Possivelmente visando fortalecer-se e conter as críticas, Netanyahu estaria, segundo palestinos, preparando uma espécie de ofensiva final contra a Faixa de Gaza.

É a velha tática de criar o perigo externo para conseguir coesão interna. O Hamas teria ficado sabendo e se antecipou.

Se essa versão é verdadeira, não há como afirmar. Mas não deixa de ser curioso observar que mesmo contando com o Mossad, Israel não tenha conseguido prever o ataque do Hamas.

Vale lembrar que na última semana veio à tona, por setores da própria mídia israelense, que o governo do Egito avisou ao israelense, com três dias de antecedência, sobre esses ataques.

Por que Israel não agiu? Essa é a pergunta que os israelenses não se cansam de fazer e explica por que quatro entre cinco deles reprovam o governo de Netanyahu.

É importante destacar que essa reprovação não ocorre por critérios ideólogos ou humanitários, mas pelo fato de que o governo os decepcionou no quesito que mais prezam: a segurança.

Nada disso aparece na mídia Ocidental e, menos ainda, na brasileira.

Aqui, os fatos foram substituídos por achismos, desinformação, preconceitos da pior espécie e alinhamento automático aos interesses do sionismo internacional.

Emissoras de televisão como a Globo, Globo News e CNN Brasil se transformaram em propagadoras de fake news.

Um dos exemplos mais escandalosos foi a divulgação da mentirosa decapitação de 40 bebês israelenses pelo Hamas.

A mentira foi divulgada inicialmente por um canal de TV de Israel, ligado a Netanyahu. Em instantes, passou a ser reproduzida pelas agências de notícias internacionais, sem qualquer verificação.

Aliado incondicional de Israel, o presidente dos Estados Unidos, Joe Biden, chegou a mencionar este suposto episódio em pronunciamento, ao dizer que teria visto imagens de bebês mortos e carbonizados.

Como a própria imprensa de Israel se incumbiu de desmascarar a farsa, Biden voltou atrás, mas o estrago estava feito.

A mentira alastrou-se pelo mundo e no Brasil chegou até comunidades mais distantes, turbinada por igrejas neopentecostais, cujos pastores bolsonaristas fazem de Israel, sem qualquer justificativa concreta, uma espécie de referência única de terra e povo abençoados.

Não por acaso, os primeiros brasileiros resgatados em Israel, por determinação do presidente Lula, eram fieis da Igreja Batista da Lagoinha, cuja sede se localiza em Belo Horizonte (MG). Isso que explica que nenhum deles tenha mencionado o nome de Lula em seus agradecimentos.

A ligação dessas igrejas com o bolsonarismo vem de longe. Basta lembrar que as únicas bandeiras presentes nas manifestações antidemocráticas no país junto com a brasileira nos últimos quatro anos foram as dos Estados Unidos e de Israel.

O Brasil foi o primeiro país a retirar com segurança e rapidez seus nacionais de Israel. A Inglaterra, que se arvora em pátria da liberdade, está cobrando uma fortuna pela passagem de quem quiser voltar para casa.

Também na mídia impressa – em especial em jornais como O Globo, Folha de S. Paulo e Estado de S. Paulo -, a versão que interessa a Israel tem sido a única divulgada.

Para tornar a situação mais grave, até supostos blogs progressistas entraram na linha de frente da condenação aos palestinos e na tentativa de censurar jornalistas e publicações que buscam esclarecer a opinião pública sobre o que realmente acontece e está em jogo.

É o caso do jornalista Breno Altman, diretor do portal e da pós-TV Opera Mundi. Judeu, Altman é um profundo conhecedor da situação palestina e tem se dedicado, há anos, a mostrar os horrores que Israel vem infringindo ao povo palestino.

Em represália às suas análises, foi informado que o YouTube desmonetizou parte do seu canal na web.

A atitude das big techs em relação aos canais que se colocam em posição contrária ao genocídio do povo palestino mereceu nota de repúdio da Associação Brasileira de Imprensa (ABI).

Por meio da Comissão de Defesa da Liberdade de Imprensa e Direitos Humanos, a entidade declarou seu apoio a Altman, que “foi vítima de tentativa de censura por parte da plataforma You Tube, e, lamentavelmente, até mesmo por outro jornalista, por suas posições em defesa do povo palestino”.

A declaração da ABI remete ao posicionamento do jornalista Samuel Pancher, do site Metrópoles, que defendeu que Altman fosse censurado também nas redes sociais.

Ao contrário de ter cessado, tais ameaças ampliaram-se no último fim de semana.

Circula no Whatsapp, por exemplo, lista contendo relação de jornalistas considerados inimigos de Israel e o próprio Altman passou a ser alvo de ataques, com sionistas defendendo que seus dentes sejam quebrados e seus dedos cortados.

O próprio governo brasileiro vem sendo vítima de ataques por parte de sionistas locais e internacionais ao exigirem que condene o Hamas como terrorista.

Ataques que levaram o ministro das Relações Exteriores, Mauro Vieira, reiterar que, sobre esse assunto, acompanha a classificação da ONU, na qual o grupo de resistência palestino nunca figurou como terrorista.

Na última quinta-feira, integrantes da oposição na Câmara dos Deputados (bolsonaristas e ligados às igrejas neopentecostais) protocolaram pedido para que o governo adotasse o termo ao se referir à organização.

A solicitação foi assinada por mais de 60 deputados, o que indica como o lobby pró-Israel está articulado no país.

A pressão interna e externa sobre o governo brasileiro visa, também, inibir as suas ações no plano internacional, uma vez que o Brasil está, ao longo deste mês, no comando do Conselho de Segurança da ONU.

A presidência é rotativa. Além dos cinco membros permanentes, existem os 10 itinerantes.

Até agora aconteceram duas reuniões solicitadas pelo Brasil, na segunda e sexta-feira passadas.

Em ambas, os Estados Unidos nada fizeram para impedir que Israel cumpra o que prometeu: um ataque jamais visto contra a Faixa de Gaza sem poupar civis, mulheres ou crianças.

O apoio a Israel começou com o Tio Sam esvaziando ambas as reuniões, ao enviar representantes de terceiro escalão para eventos de tamanha importância. Representantes de terceiro escalão não deliberam.

Mesmo convalescendo de uma cirurgia, o presidente Lula passou os últimos dias mobilizando os meios diplomáticos para estas reuniões e defendendo que seja feito o debate sobre questões humanitárias na Faixa de Gaza e a criação de um corredor ligando a região ao Egito, para facilitar a saída de pessoas e a entrada de alimentos, água e remédios para os palestinos.

A proposta de Lula agradou ao secretário-geral da ONU, Antônio Guterres. Mas, como sempre, desagradou aos Estados Unidos e ao lobby sionista, de olho numa solução final contra os palestinos.

A canalhice da mídia corporativa brasileira é tamanha, que não foram poucos os jornalistas a minimizar os esforços do presidente Lula, com uns chegando a rotulá-los como “ineficazes” ou “desnecessários”.

É importante destacar que nos últimos dias, apesar de proibições a manifestações pró-Palestina por governos europeus e nos Estados Unidos, milhares de manifestantes foram às ruas em Nova York, Londres, Berlim, Amsterdã, Oslo e Paris.

Também a Arábia Saudita, através de seu governo, deixou claro para autoridades diplomáticas dos Estados Unidos, que se a Faixa de Gaza por atacada, todo o mundo árabe se unirá aos palestinos.

Incansável, Lula, junto com diplomatas brasileiros, passou o fim de semana articulando para a nova reunião do Conselho de Segurança da ONU, que acontecerá na noite desta segunda-feira. Em pauta deve estar o cessar-fogo imediato.

Por prudência, o Brasil não irá propor, neste momento, a criação do estado palestino, como defendem a Rússia, a China e a grande maioria do chamado Sul Global, evitando assim o veto dos Estados Unidos.

Se a resolução for aprovada, Israel ficará obrigado a imediatamente cessar fogo, sob pena de incorrer em crime de guerra.

Vale observar ainda que Israel e Estados Unidos podem estar utilizando o ataque do Hamas para desviar o foco do fracasso do “Ocidente” na Guerra na Ucrânia.

Você observou como a Ucrânia e Zelensky sumiram da mídia?

Esse desaparecimento pode ter relação com a impossibilidade de os Estados Unidos e a OTAN derrotarem a Rússia.

Para não admitirem a derrota, nada melhor do que outro conflito para tirar a Ucrânia do foco. O próprio Zelensky está cobrando dos aliados e da mídia este abandono.

Ao posicionar-se ao lado de Israel e disseminar todo tipo de preconceito contra os palestinos, a mídia também se transforma em arma letal.

Uma arma que está chancelando a eliminação física de 2,1 milhões de pessoas, ao jogar ao lado das potências imperialistas em suas ameaças à segurança e à paz mundial.

Ao esconder os fatos, manipulá-los e distorcê-los, a mídia brasileira, também se torna responsável pelo que está acontecendo e pelo que vier acontecer com o povo palestino.

O genocídio também é midiático.

*Ângela Carrato é jornalista e professora do Departamento de Comunicação Social da UFMG. Integra o Conselho Deliberativo da ABI, bem como as Comissões de Ética dos Meios de Comunicação e Relações Internacionais desta instituição.

sexta-feira, 13 de outubro de 2023

Uma breve história dos 75 anos de sofrimento de Gaza

Copiei do indispensável BRASIL 247

Enclave cercado habitado por mais de 2 milhões de palestinos está sob intenso ataque de Israel

12 de outubro de 2023, 21:11 h



 Palestinos (Foto: Reuters )

(Reuters) - Gaza é uma faixa costeira de terra situada em antigas rotas comerciais e marítimas ao longo da costa do Mediterrâneo. Mantida pelo Império Otomano até 1917, passou do domínio militar britânico para o egípcio e para o israelense ao longo do século passado e é agora um enclave cercado habitado por mais de 2 milhões de palestinos.

Aqui estão alguns dos principais marcos de sua história recente.

1948: Fim do domínio britânico

Quando o domínio colonial britânico chegou ao fim na Palestina no final da década de 1940, a violência intensificou-se entre judeus e árabes, culminando na guerra entre o recém-criado Estado de Israel e os seus vizinhos árabes em Maio de 1948.

Dezenas de milhares de palestinianos refugiaram-se em Gaza depois de fugirem ou de serem expulsos das suas casas. O exército invasor egípcio conquistou uma estreita faixa costeira de 40 km de comprimento, que ia do Sinai até o sul de Ashkelon. O afluxo de refugiados fez com que a população de Gaza triplicasse para cerca de 200.000.

Décadas de 1950 e 1960: regime militar egípcio

O Egito manteve a Faixa de Gaza durante duas décadas sob um governador militar, permitindo aos palestinianos trabalhar e estudar no Egipto. “Fedayeen” palestinos armados, muitos deles refugiados, organizaram ataques contra Israel, provocando represálias.

As Nações Unidas criaram uma agência para os refugiados, a UNRWA, que presta actualmente serviços a 1,6 milhões de refugiados palestinianos registados em Gaza, bem como a palestinianos na Jordânia, no Líbano, na Síria e na Cisjordânia.

1967: Guerra e ocupação militar israelense

Israel capturou a Faixa de Gaza na guerra de 1967 no Médio Oriente. Um censo israelense naquele ano estimou a população de Gaza em 394 mil, dos quais pelo menos 60% eram refugiados.

Com a saída dos Egípcios, muitos trabalhadores de Gaza conseguiram empregos nas indústrias agrícola, de construção e de serviços dentro de Israel, aos quais podiam ter acesso fácil naquela altura. As tropas israelenses permaneceram para administrar o território e proteger os assentamentos que Israel construiu nas décadas seguintes. Estas tornaram-se uma fonte de crescente ressentimento palestino.

1987: Primeira revolta palestina. Hamas formado

Vinte anos após a guerra de 1967, os palestinos lançaram a sua primeira intifada, ou revolta. Tudo começou em Dezembro de 1987, após um acidente de trânsito em que um camião israelita colidiu com um veículo que transportava trabalhadores palestinianos no campo de refugiados de Jabalya, em Gaza, matando quatro pessoas. Seguiram-se protestos com lançamento de pedras, greves e paralisações.

Aproveitando o clima de raiva, a Irmandade Muçulmana, sediada no Egipto, criou um ramo armado palestiniano, o Hamas, com base de poder em Gaza. O Hamas, dedicado à destruição de Israel e à restauração do domínio islâmico no que considerava como a Palestina ocupada, tornou-se um rival do partido secular Fatah de Yasser Arafat, que liderava a Organização para a Libertação da Palestina.

1993: Os Acordos de Oslo e a semiautonomia palestina

Israel e os palestinos assinaram um acordo de paz histórico em 1993 que levou à criação da Autoridade Palestina. Ao abrigo do acordo provisório, os palestinianos receberam inicialmente controlo limitado em Gaza e em Jericó, na Cisjordânia. Arafat regressou a Gaza depois de décadas no exílio.

O processo de Oslo deu à recém-criada Autoridade Palestiniana alguma autonomia e previu a criação de um Estado após cinco anos. Mas isso nunca aconteceu. Israel acusou os palestinos de renegarem os acordos de segurança, e os palestinos ficaram irritados com a contínua construção de assentamentos israelenses.

O Hamas e a Jihad Islâmica realizaram bombardeamentos para tentar inviabilizar o processo de paz, levando Israel a impor mais restrições à circulação de palestinianos para fora de Gaza. O Hamas também se apercebeu das crescentes críticas palestinianas à corrupção, ao nepotismo e à má gestão económica por parte do círculo íntimo de Arafat.

2000: Segunda Intifada Palestina

Em 2000, as relações israelo-palestinianas atingiram um novo nível com a eclosão da segunda intifada palestiniana. Inaugurou um período de atentados suicidas e ataques a tiros por parte de palestinos, e ataques aéreos israelenses, demolições, zonas proibidas e toques de recolher.

Uma vítima foi o Aeroporto Internacional de Gaza, um símbolo das esperanças palestinianas frustradas de independência económica e a única ligação directa dos palestinianos ao mundo exterior que não era controlada por Israel ou pelo Egipto. Inaugurado em 1998, Israel considerou-o uma ameaça à segurança e destruiu a antena do radar e a pista alguns meses após os ataques de 11 de setembro de 2001 nos Estados Unidos.

Outra vítima foi a indústria pesqueira de Gaza, uma fonte de rendimento para dezenas de milhares de pessoas. A zona de pesca de Gaza foi reduzida por Israel, uma restrição que disse ser necessária para impedir o contrabando de armas.

2005: Israel evacua os seus assentamentos em Gaza

Em Agosto de 2005, Israel evacuou todas as suas tropas e colonos de Gaza, que estava então completamente isolada do mundo exterior por Israel.

Os palestinos demoliram os edifícios abandonados e a infraestrutura para sucata. A remoção dos colonatos levou a uma maior liberdade de circulação dentro de Gaza, e uma “economia de túnel” cresceu à medida que grupos armados, contrabandistas e empresários rapidamente cavaram dezenas de túneis no Egipto.

Mas a retirada também removeu fábricas, estufas e oficinas dos colonatos que empregavam alguns habitantes de Gaza.

2006: Isolamento sob o Hamas

Em 2006, o Hamas obteve uma vitória surpreendente nas eleições parlamentares palestinianas e depois assumiu o controlo total de Gaza, derrubando forças leais ao sucessor de Arafat, o Presidente Mahmoud Abbas.

Grande parte da comunidade internacional cortou a ajuda aos palestinianos nas áreas controladas pelo Hamas porque consideravam o Hamas uma organização terrorista.

Israel impediu a entrada de dezenas de milhares de trabalhadores palestinos no país, cortando uma importante fonte de rendimento. Os ataques aéreos israelitas paralisaram a única central eléctrica de Gaza, causando apagões generalizados. Citando preocupações de segurança, Israel e Egipto também impuseram restrições mais rigorosas à circulação de pessoas e mercadorias através das passagens de Gaza.

Os ambiciosos planos do Hamas para reorientar a economia de Gaza para o leste, longe de Israel, fracassaram antes mesmo de começarem.

Vendo o Hamas como uma ameaça, o líder egípcio Abdel Fattah al-Sisi, apoiado pelos militares, que assumiu o poder em 2014, fechou a fronteira com Gaza e explodiu a maior parte dos túneis. Mais uma vez isolada, a economia de Gaza inverteu-se.

Ciclo de conflito

A economia de Gaza tem sofrido repetidamente no ciclo de conflito, ataque e retaliação entre Israel e grupos militantes palestinianos.

Antes de 2023, alguns dos piores combates ocorreram em 2014, quando o Hamas e outros grupos lançaram foguetes contra cidades centrais de Israel. Israel realizou ataques aéreos e bombardeios de artilharia que devastaram bairros de Gaza. Mais de 2.100 palestinos foram mortos, a maioria civis. Israel estimou o número de mortos em 67 soldados e seis civis.

2023: Ataque surpresa

Enquanto Israel era levado a acreditar que estava a conter um Hamas cansado da guerra, ao fornecer incentivos económicos aos trabalhadores de Gaza, os combatentes do grupo eram treinados e treinados em segredo.

Em 7 de Outubro, homens armados do Hamas lançaram um ataque surpresa contra Israel, devastando cidades, matando centenas de pessoas e levando dezenas de reféns de volta para Gaza. Israel vingou-se , atacando Gaza com ataques aéreos e arrasando distritos inteiros, num dos piores derramamentos de sangue nos 75 anos de conflito.

quarta-feira, 11 de outubro de 2023

Tariq Ali: Levante na Palestina

Copiei do indispensável BRASIL 247

Os palestinos têm o direito de resistir à agressão ininterrupta a que estão sujeitos. Não há equivalência moral, política ou militar nos dois lados

9 de outubro de 2023, 15:39 h

(Publicado no site A Terra é Redonda)

Em dezembro de 1987, uma nova intifada irrompeu na Palestina, abalando Israel e as elites do mundo árabe. Algumas semanas depois, o grande poeta sírio Nizar Qabbani escreveu “A trilogia das crianças das pedras”, em que denunciava a geração mais velha de líderes palestinos – hoje representada pela corrupta e colaboracionista (Não-) Autoridade Palestina. Ela foi cantada e recitada em muitos cafés palestinos:


As crianças das pedras

disseminaram nossos papéis

verteram tinta em nossas roupas

zombaram da banalidade de textos antigos…

Ó crianças de Gaza

Não se importem com nossas transmissões

Não nos ouçam

Somos povo de frio cálculo

De adição, de subtração

Travem suas guerras e nos deixem em paz

Estamos mortos e sem túmulos

Órfãos sem olhos.

Crianças de Gaza

Não se refiram a nossos escritos

Não sejam como nós.

Somos seus ídolos

Não nos adorem.

Ó povo louco de Gaza,

Mil saudações aos loucos

A era da razão política já se foi há muito tempo

Então nos ensine a loucura…


Desde então, o povo palestino tem tentado todos os métodos para conseguir alguma forma de autodeterminação significativa. “Renunciem à violência”, disseram-lhes. E foi o que fizeram, com exceção da retaliação singular após uma atrocidade israelense. Entre os palestinos do país e da diáspora, houve apoio em massa ao Boicote, Desinvestimento e Sanções (BDS): um movimento pacífico por excelência, que começou a ganhar força em todo o mundo entre artistas, acadêmicos, sindicatos e, eventualmente, governos.

Os EUA e sua família da OTAN reagiram tentando criminalizar o BDS na Europa e na América do Norte, alegando, com a ajuda de grupos de lobby sionistas, que boicotar Israel era “antissemita”. Isso se mostrou bastante eficaz. Na Grã-Bretanha, o Partido Trabalhista de Keir Starmer proibiu qualquer menção ao “apartheid israelense” em sua próxima conferência nacional. A esquerda trabalhista, com medo de ser banida, ficou em silêncio sobre essa questão. Uma situação lamentável.

Enquanto isso, a maioria dos Estados árabes se juntou à Turquia e ao Egito para capitular diante de Washington. A Arábia Saudita está atualmente em negociações, mediadas pela Casa Branca, para reconhecer oficialmente Israel. O isolamento internacional do povo palestino parece destinado a aumentar. A resistência pacífica não levou a lugar algum.

Durante todo esse tempo, as Forças de Defesa de Israel atacaram e mataram palestinos à vontade, enquanto sucessivos governos israelenses trabalharam para sabotar qualquer esperança de criação de um Estado. Recentemente, alguns generais da reserva das Forças de Defesa de Israel e agentes do Mossad admitiram que o que está sendo feito na Palestina equivale a “crimes de guerra”. Mas eles só tiveram coragem de dizer isso depois de já terem se aposentado.

Enquanto ainda serviam, eles apoiaram totalmente os colonos fascistas nos territórios ocupados, permanecendo parados enquanto queimavam casas, destruíam plantações de oliveiras, despejavam cimento em poços, atacavam palestinos e os expulsavam de suas casas enquanto cantavam “Morte aos árabes”. O mesmo aconteceu com os líderes ocidentais, que permitiram que tudo isso acontecesse sem qualquer murmúrio. A era da razão política já se foi há muito tempo, como diria Nizar Qabbani.

Então, um dia, a liderança eleita em Gaza começa a revidar. Eles saem de sua prisão a céu aberto e atravessam a fronteira sul de Israel, atacando alvos militares e populações de colonos. De repente, os palestinos estão no topo das manchetes internacionais. Os jornalistas ocidentais estão chocados e horrorizados com o fato de eles estarem realmente resistindo. Mas por que não deveriam? Eles sabem melhor do que ninguém que o governo de extrema-direita de Israel retaliará violentamente, apoiado pelos EUA e pela União Europeia de boca fechada.

Mas, mesmo assim, não estão dispostos a ficar sentados enquanto Benyamin Netanyahu e os criminosos de seu gabinete expulsam ou matam gradualmente a maioria de seu povo. Eles sabem que os elementos fascistas do Estado israelense não hesitariam em sancionar o assassinato em massa de árabes. E eles sabem que é preciso resistir a isso por todos os meios necessários. No início deste ano, os palestinos assistiram às manifestações em Tel Aviv e entenderam que aqueles que marchavam para “defender os direitos civis” não se importavam com os direitos de seus vizinhos ocupados. Eles decidiram resolver o problema com suas próprias mãos.

Os palestinos têm o direito de resistir à agressão ininterrupta a que estão sujeitos? Com certeza. Não há equivalência moral, política ou militar no que diz respeito aos dois lados. Israel é um estado nuclear, armado até os dentes pelos EUA. Sua existência não está ameaçada. São os palestinos, suas terras, suas vidas, que estão. A civilização ocidental parece estar disposta a ficar parada enquanto eles são exterminados. Eles, por outro lado, estão se levantando contra os colonizadores.

*Tariq Ali é jornalista, historiador e escritor. Autor, entre outros livros, de Confronto de fundamentalismos (Record). [https://amzn.to/3Q8qwYg

segunda-feira, 9 de outubro de 2023

Palestina: Apartheid sionista e o colonialismo de Israel são as causas da conflito

Copiei do indispensával BRASIL 247


A ação militar do Hamas é uma resposta aos assassinatos, desmandos e humilhações de homens, mulheres e crianças nos territórios ocupados por Israel

Neste fim de semana Israel foi sacudido por uma ofensiva militar do Hamas, surpreendente e inédita, que lançou mais de 2000 mísseis, impactando fortemente na população israelense que habita nas margens próximas aos territórios palestinos.

A operação batizada de "Tempestade Al-Aqsa" conduzida pelo Hamas demonstrou ampla capacidade de combate, levando o conflito para diversas cidades e aldeias ocupadas por colonos israelenses. Trata-se de um ataque que revelou as fragilidades do Exército e dos serviços de inteligência de Israel.

A reação de israelense foi declarar “estado de guerra”, com um ataque bombardeando o densamente povoado território da Faixa de Gaza, região sob controle do Hamas.

A ação militar do Hamas é uma resposta aos assassinatos, desmandos e humilhações de homens, mulheres e crianças nos territórios ocupados por Israel, com as incursões constantes do Exército israelense.

A questão de fundo da atual escalada do conflito, é o desrespeito aos acordos estabelecidos sobre a criação de um estado nacional palestino soberano, com fronteiras definidas e viabilidade econômica. Vale lembrar que os Acordos de Oslo – que completaram 30 anos de sua assinatura no mês de setembro – não só foram violados, como Israel intensificou o processo de ocupação de territórios na Cisjordânia.

Até mesmo a fórmula política do estabelecimento de “dois Estados” – israelense e palestino – hoje é praticamente inviável. Nos últimos anos, os sucessivos governos israelenses abandonaram qualquer perspectiva de negociação com os palestinos sobre temas como o fim da criação de novos assentamentos, o respeito aos acordos acerca da questão das fronteiras de 1967 e da reivindicação histórica da capital do futuro Estado Palestino ser sediada em Jerusalém Oriental.

As milhares de vítimas – mortas, feridas e mutiladas – são o resultado direto da política terrorista do governo de Bibi Netanyahu, apoiado política e militarmente pelo imperialismo norte-americano. É o terrorismo do estado sionista, o principal responsável pela escalada do conflito. Os palestinos são as vítimas e reagem com as armas do oprimido.

É uma questão de princípio reconhecer o direito de rebelião ao povo palestino. Em artigo publicado, neste sábado(7), na New Left Review, o escritor e ativista político Tariq Ali escreveu: “Israel é um Estado nuclear, armado até aos dentes pelos EUA. A sua existência não está ameaçada. São os palestinos, as suas terras, as suas vidas que são. A civilização ocidental parece disposta a ficar de braços cruzados enquanto são exterminados. Eles, por outro lado, levantam-se contra os colonizadores”.

A ação militar do Hamas recolocou na agenda mundial a “Questão Palestina”, o que demanda dos organismos internacionais e das articulações multilaterais dos países árabes uma solução política para deter a escalada de genocídio praticado pelos sionistas e medidas imediatas no sentido de garantir a existência do estado nacional palestino.

Israel conta novamente com os Estados Unidos e as decadentes potências europeias para continuar a criminosa ofensiva contra os direitos nacionais do povo palestino. O conflito é mais um embate em curso que desgasta a política dos Estados Unidos na região, e isola mais ainda o Estado de Israel.

Portanto, cabe também a esquerda partidária e social no Brasil a urgente tarefa de organizar um efetivo e potente movimento de solidariedade aos palestinos — contra a guerra de extermínio e o apartheid sionista.

Jornalista e escritor. Atua também na imprensa sindical. Militante do Partido dos Trabalhadores (PT), em Curitiba. Autor dos livros ‘Brasil Sem Máscara – o governo Bolsonaro e a destruição do país’ (Kotter, 2022) e de ‘Lava Jato, uma conspiração contra o Brasil’ (Kotter, 2021).


segunda-feira, 2 de outubro de 2023

PMs de SP cantam em treino que vão usar gás para fazer ‘vagabundo’ desmaiar. Por Leonardo Sakamoto

 Publicado por Diário do Centro do Mundo 

Atualizado em 1 de outubro de 2023 às 9:00

“Para dispersar a multidão, eu vou jogar gás lacrimogênio. No vagabundo, eu vou jogar. E vai faltar oxigênio. E o vagabundo vai desmaiar”, diz o vídeo. Não há registro de quando ele foi gravado.

Questionada pela coluna, a Polícia Militar informou, em nota, que foi instaurado um procedimento disciplinar para apurar os fatos. Mas que “o coro entoado no vídeo não faz parte das canções e/ou hinos da instituição”.

As imagens vêm a público após o Ministério da Justiça e da Segurança Pública demitir três policiais rodoviários federais que causaram a morte de Genivaldo de Jesus Santos por asfixia em maio do ano passado.

Nesse caso de tortura, que gerou comoção internacional, um homem negro de 38 anos foi parado por estar sem capacete em uma moto na BR-101 em Umbaúba (SE). Foi trancado no porta-malas de uma viatura e obrigado a inalar gás lacrimogênio de uma bomba acionada pelos agentes.

Sediada no bairro de Pirituba, na capital paulista, a Escola Superior de Soldados se apresenta como a maior instituição de formação de policiais do país, ministrando um curso de dois anos de duração para os que passaram no concurso. Ao UOL, a PM-SP afirmou que “percebe-se nas palavras [da cantoria] um total equívoco técnico, quanto ao citado gás” e, “portanto, não guarda relação com treinamento ou qualificação policial militar”.

Em seu site, a escola diz que incute responsabilidade no futuro profissional, pois ele será muitas vezes “a única autoridade pública visível para amparar as pessoas em situação de maior vulnerabilidade, sendo seu dever servir e proteger as pessoas, respeitando e difundindo na sociedade a supremacia dos direitos humanos”.

Tortura contra um civil

Na avaliação da diretora-executiva do Fórum Brasileiro de Segurança Pública, Samira Bueno, o comportamento exposto no vídeo é grave e revelador de práticas organizacionais enraizadas numa corporação que historicamente usou e abusou da força.

“Infelizmente, essas músicas, esses ritos de socialização, são muito comuns na polícia. Depois do caso Genivaldo, contudo, causa no mínimo espanto que ninguém pensou que isso seria uma péssima ideia. No limite, eles estão cantando algo que trata de tortura contra um civil”, afirma.

No posicionamento enviado ao UOL, a PM afirmou que nas Escolas de Formação da Polícia Militar, “além da disciplina de direitos humanos fazer parte extensamente da grade curricular, valores como o respeito à dignidade humana, à vida e à integridade física são reforçados diariamente”.

Para Samira Bueno, o grande desafio da formação policial é ir além da grade curricular. “De que adianta esse policial ter tido aula de direitos humanos e discutido racismo se, quando chega no pátio, na atividade em grupo, reproduzem cânticos que falam em torturar um suspeito com gás lacrimogênio até que ele pare de respirar?”

(Originalmente publicado em UOL)

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Como diria meu primo Jaulo Boberto Tequinel, jurista desocupado e bocudo, do qual mantenho prudente distanciamento, "as PMs, meninos e meninas, JAMAIS cometem excessos. Ao contrário, são criteriosa e diligentemente treinadas e condicionadas para serem intrinsicamente violentas".