Católicas pelo Direito de
Decidir em Defesa da Vida
(em resposta ao texto “Apelo a todos os
Brasileiros e Brasileiras” sobre como votar nas eleições 2010)
No final de agosto último, a Comissão em Defesa
da Vida do Regional Sul 1, da Conferência Nacional dos Bispos do Brasil,
elaborou um texto com o propósito de orientar seus e suas fiéis sobre como
votar bem nas próximas eleições. A Presidência e a Comissão
Representativa dos Bispos do Regional Sul 1 da CNBB, por sua vez, divulgaram
nota em que afirmam acolher e recomendar a divulgação dessas orientações.
Católicas pelo Direito de Decidir, após tomar
conhecimento do teor desses documentos, vem a público manifestar seu
estranhamento e repúdio às afirmações falaciosas presentes no referido texto, o
que de forma nenhuma condiz com o que esperamos de líderes religiosos que
deveriam ser exemplo de ética e correção, especialmente ao assumir tarefa que
não é própria do âmbito religioso, ou seja, interferir nas eleições,
dirigindo-se inclusive a não católicos/as.
Como católicas, estranhamos que Igreja
católica no Brasil, que há 30 anos orientou cristãos e cristãs a participarem
da política sem assumir posições partidárias, venha agora a público fazer uma
campanha tão declaradamente contrária à candidata do atual governo, distorcendo
informações e faltando com a verdade. Se não, vejamos:
1. Não é verdade que o projeto apresentado
pela Comissão Tripartite em 2005 propunha a descriminalização do aborto até o
nono mês de gravidez. Cópia fiel do texto do projeto começa com a
seguinte frase: “O Congresso Nacional decreta: Art. 1º – É livre a
interrupção da gravidez, até a décima segunda semana de gestação, nos termos
desta lei.” No texto “Apelo a todos os Brasileiros e Brasileiras”, portanto, há
uma evidente distorção dos fatos, haja vista que existe uma regulamentação
explícita no Projeto de Lei 1135/91 (e que é detalhada nos artigos
seguintes) que não permitiria a interrupção de gravidez a qualquer momento da gestação.
Para mais informações, veja em: Comissão de Seguridade Social e Família –
Substituto da relatora ao projeto de lei n.1135, de 1991.
2. Não é verdade que o plano de governo do
segundo e atual mandato do Presidente da República, de setembro de 2006,
reafirme o compromisso de legalizar o aborto. Reiterada e publicamente o
presidente vem afirmando que o aborto é uma questão de saúde pública e deve ser
discutido no Congresso Nacional.
3. Ao afirmar a suposta existência de um
Imperialismo demográfico que está implantando o controle demográfico mundial
como moderna estratégia do capitalismo internacional, o texto da comissão da
CNBB utiliza um argumento antigo, falso e inconsistente, sobretudo em tempos em
que esse controle significaria uma estratégia obsoleta e desnecessária, pois é
sabido que há tempos o Brasil é um país cuja população envelhece mais do que
cresce. Além disso, o que ganharia o capitalismo em produzir menos
consumidores? E o que o texto ganha, em termos pastorais, ao insinuar uma
espécie de teoria da conspiração absolutamente fantasiosa?
4. Perguntamo-nos ainda por que os nossos
eminentes Bispos silenciam princípios doutrinais católicos que legitimam o
direito de uma mulher optar pelo aborto, como o recurso à própria
consciência e a escolha do mal menor? Seria por um autoritarismo misógino? Ou
seria por “mero” abuso de poder?
Como católicas comprometidas com a defesa da
vida e da dignidade das mulheres, repudiamos a irresponsabilidade de
integrantes da hierarquia católica que vêm insistentemente a publico para
condenar o aborto – reforçando o estigma e o sofrimento de milhares de pessoas
-, mas silenciam em conivência com as múltiplas formas de violência que as
mulheres sofrem cotidianamente no Brasil apenas por serem mulheres. Lembramos que
casos como os assassinatos de Eliza Samúdio e Mércia Nakashima não são exceção,
mas regra corrente em nosso país misógino e machista.
Como católicas comprometidas com a justiça
social, lamentamos profundamente que a CNBB não faça notas públicas para orientar
a população católica a votar em candidatos reconhecidamente favoráveis às
lutas sociais, à erradicação da miséria e da violência e à implementação
de políticas públicas no Brasil que resolvam a injusta distribuição de renda de
nosso país.
A Igreja católica na qual fomos formadas foi,
em tempos de ditadura militar, no Brasil a voz daqueles que não têm voz, mas
hoje cala-se vergonhosamente frente aos problemas mais graves do país,
insistindo apenas na condenação dos direitos humanos das mulheres e de pessoas
homossexuais, bissexuais, de travestis e transexuais. É sabido, entretanto, que
há inúmeros/as católicos/as que, à revelia das posições oficiais da CNBB,
continuam dando sua vida em prol daqueles que sofrem discriminações de todo o
tipo. Parte significativa de padres, freiras e leigos/as não expressam sua
discordância da oficialidade católica, porque temem ser punidos com expulsão
das pastorais e das dioceses, imposição do silêncio e até mesmo afastados do
serviço sacerdotal. Para nós, no entanto, são essas as pessoas que mantém vivo
o espírito do evangelho!
A oficialidade católica necessita ouvir essas
vozes e trabalhar por uma igreja coerente com os valores cristãos, com menos
escândalos sexuais e voltada para aqueles/as que mais sofrem. Não é tarefa da
Igreja assumir posições partidárias no processo político eleitoral, muito menos
atentar contra a laicidade do Estado.
Como Católicas pelo Direito de Decidir, somos
favoráveis à democracia, não queremos que o Estado se deixe pressionar por
interferências indevidas de setores religiosos fundamentalistas. Defendemos o
respeito merecido por todo/a o cidadão/ã brasileiro/a na hora de votar.
Como Católicas pelo Direito de Decidir,
queremos fazer pública uma das vozes dissonantes dos diversos movimentos católicos
que não concordam com o autoritarismo da hierarquia eclesiástica.
Manifestamos nossa imparcialidade no processo eleitoral, repudiando o uso
político das religiões para alcançar votos, bem como o uso que a oficialidade
católica vem fazendo da política para impor questões supostamente doutrinais.
CATÓLICAS PELO DIREITO DE DECIDIR
São Paulo, 10 de setembro de 2010
São Paulo, 10 de setembro de 2010
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