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Antonina, Litoral do Paraná, Palestine
Petroleiro aposentado e petista no exílio, usuário dos óculos de pangloss, da gloriosa pomada belladona, da emulsão scott e das pílulas do doutor ross, considero o suflê de chuchu apenas vã tentativa de assar o ar e, erguido em retumbante sucesso físico, descobri que uma batata distraída não passa de um tubérculo desatento. Entre sinos bimbalhantes, pássaros pipilantes, vereadores esotéricos, profetas do passado e áulicos feitos na china, persigo o consenso alegórico e meus dias escorrem em relativo sossego. Comendo minhas goiabinhas regulamentares, busco a tranqüilidade siamesa e quero ser presidente por um dia para assim entender as aflições das camadas menos favorecidas pelas propinas democráticas.

sábado, 17 de outubro de 2015

O sapo de três cabeças, o escorpião e o tucano: uma adaptação contemporânea


Copiei do Pautando Minas


Pedro Munhoz 

Diz uma antiga fábula que, em um certo país governado por um grande e inerte sapo de três cabeças, um escorpião, muito peçonhento e esperto, sobre quem recaíam sérias denúncias de recebimento de propinas, contas ilegais no exterior e intimidação de testemunhas, foi informado por seu advogado de que, para livrar a própria carcaça, precisaria atravessar um caudaloso e lamacento rio. Do outro lado do rio, disse o advogado, o escorpião encontraria, além do esquecimento dos crimes cometidos por ele, um saboroso plantel de pequenos mamíferos indefesos e atordoados para que ele se alimentasse até a saciedade e, também, variadas e novas oportunidades de novos ganhos financeiros, que fariam do escorpião um animal peçonhento ainda mais rico, bem nutrido, poderoso e influente.

O escorpião, no entanto, sabedor de que seria incapaz de atravessar o rio sozinho, firmou uma série de acordos com um bando de ratos que faziam parte da corte do sapo de três cabeças mas que, na verdade, nunca haviam sido lá muito simpáticos ao velho batráquio-rei. Os ratos, por conta da terra-arrasada que havia se tornado uma inegável realidade do lado de cá do rio, também desejavam atravessar para a outra margem, onde, dizia-se, existiam, além de tudo, as maiores e melhores pizzarias do reino.

O objetivo do consórcio entre o escorpião e os ratos era, por meio de uma série de chantagens e ameaças, fazer com que o sapo transportasse a todos, em segurança, nas suas costas, para o outro lado do rio. Afinal, sapos sabem ou deveriam saber atravessar rios e aquele sapo em especial, que governava um país, tinha as costas largas o bastante para transportar para outra margem todos os animaizinhos rebeldes, tanto o escorpião, quanto sua legião de ratos.

Porém, o escorpião sabia que o sapo já não era tão grande e forte como já fora um dia e, apenas para garantir, foi conversar com o ressentido tucano das montanhas, que há muito tempo, pretendia depor o sapo e passar a governar o país. Afinal, o tucano, por, em tese, saber voar, também seria capaz de transportar o escorpião em suas costas para a outra margem do rio, onde jorrava leite, mel e petróleo do pré-sal, mas não existia Ministério Público.

O escorpião encontrou-se com o tucano no fabuloso balneário de Leblônia, onde a ave se refugiara após perder a última batalha pelo trono para o sapo, para tentarem um acordo, mas o que o animal peçonhento acabou encontrado não lhe deixou lá muito seguro. O pássaro estava com o grande e imponente bico inchado e torto, a asa esquerda estava quebrada; a direita, hipertrofiada. Além disso, o outrora vistoso pássaro tropical parecia obcecado, paranóico, vacilante e havia se rodeado por um barulhento exército de galinhas verdes bastante ariscas, que começavam a bicar panelas de alumínio cada vez que o nome do sapo de três cabeças era mencionado, ou que viam suas fotos nos jornais ou sua imagem nas redes de televisão do reino.

O tucano ficou feliz com a conversa e muito contente de saber que o escorpião havia reunido um exército de ratos para achacar e pressionar o sapo a atravessar o rio e fez uma proposta ao animal peçonhento: se o lacrau conseguisse afogar o batráquio no rio, sem deixá-lo chegar à outra margem, o tucano se encarregaria de transportar o escorpião para onde quisesse. O escorpião não disse nem que sim que não, sorriu, brindou com o combalido tucano e voltou para sua toca para pensar nas possibilidades que tinha diante de si.

A ave, por sua vez, após se despedir do escorpião, sorveu, rapidamente, uma dose generosa de whisky cowboy e pensou: "Eu jamais vou colocar esse animal venenoso por sobre a minha plumagem macia para transportá-lo para onde quer que seja. Ele pode me aferroar, está em sua natureza. Vou deixar que ele afogue o sapo de três cabeças, meu inimigo,e depois vou deixá-lo entregue à própria sorte."
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O sapo que governava aquele país, como já foi dito, tinha três cabeças. A do centro, ostentava o rosto de uma mulher e parecia pensar de forma mais burocrática, endurecida e seca. No seu papel de cabeça central, caberia a ela colocar, em condições normais, as duas cabeças periféricas em seus devidos lugares e, por alguns anos, claramente, foi a cabeça predominante. A cabeça da esquerda era a de um homem barbudo, que fumava um charuto e usava uma boina vermelha. Gritava constantemente palavras de ordem e era boa para discursar para a população mais pobre do país, sendo, também, bastante combativa em batalhas, como aquela que derrotou o tucano das montanhas. Não parecia gostar muito de sua nêmese, a cabeça mais à direita que, por sua vez, tinha o rosto de um homem imberbe, com gravata borboleta e óculos de aros metálicos, redondos. Esta cabeça só falava em números, soltava um risinho cínico todas as vezes que a cabeça da esquerda abria a boca e vivia reclamando, dizendo que o corpo do sapo estava grande demais, que era necessário diminuir o tamanho do sapo e que o povo daquele país precisava de fazer sacrifícios junto com o sapo, para que ambos ficassem cada vez menores, mais fracos, porém mais leves e esguios. Quando falava demais, a cabeça à destra, obcecada com silhueta, arrumação e números, acabava emitindo trinados exatamente iguais ao do tucano das montanhas, levantando suspeitas em todos de que aquela porção do sapo tinha, na verdade, origem ornitológica.

O rei só era capaz de decidir algo e de se movimentar em alguma direção quando havia alguma concordância entre as três cabeças ou, pelo menos, quando uma delas apenas era vencida e se resignava. Para tanto, a cabeça do centro exercia um papel primordial, de juíza do que diziam as demais. Desde a última batalha contra o tucano, porém, a cabeça do centro parecia distante, um pouco perdida, dormindo demais. Para tornar a situação ainda mais complexa, na última guerra, o sapo havia se cercado de uma corte nada confiável de ratos, alguns dos quais, como já se disse, haviam se aliado ao escorpião. Com a cabeça do centro reduzida a um estado de torpor e à batráquia função de, vez ou outra, comer moscas (comer moscas, nunca se esqueçam, é algo próprio da natureza dos sapos); os ratos ganharam força e decidiriam que, sozinhos, governariam o país; a cabeça da esquerda passou a tentar enxergar no torpor e no degustar insetos da cabeça central, sua líder, alguma insondável, incompreensível, porém genial estratégia revolucionária que a levaria, guiada pela cabeça central, a derrotar a antipática cabeça da direita e a sepultar, definitivamente, o maligno tucano das montanhas; a cabeça da direita, por sua vez, passou, sozinha, a elaborar escorchantes e absurdos decretos para reger o país, falando sempre em nome da cabeça central, que não manifestava nenhum tipo de oposição às cada vez mais impopulares medidas.

Não bastasse esse confuso estado de coisas, o tucano vencido na última batalha e seu exército de galinhas verdes, inconformados com a derrota, tramavam, às vistas de todos, afogar o sapo no rio para assumir o poder. Como o sapo não reagisse e, com a maligna cabeça da direita ditando as regras, boa parte do povo do país, que lutara a favor do sapo na última batalha, começou a pensar que ver o sapo se afogando no rio talvez não fosse assim uma idéia tão má. Afinal, apenas a cabeça da direita estava governando de fato e, ultimamente, dizia-se, estava tão parecida com o tucano da montanha que tinha até desenvolvido, no lugar do nariz, um pequeno bico que, no entanto, crescia um pouco a cada dia.

Foi esse sapo adoentado, mero reflexo de sua antiga grandeza, que, dizem por aí, acabou topando se encontrar com o escorpião para tentar um acordo. O influente animal peçonhento, que, repetidas vezes, havia ameaçado o sapo de afogamento e sempre exibia para o batráquio seu imenso e venenoso ferrão de forma ameaçadora, teria dito, com sua voz macia, que, caso o sapo concordasse em transportar a ele e a alguns ratos em suas costas para a margem segura do rio, poderia, muito bem, apontar o seu ferrão contra o tucano da montanha e suas galinhas no decorrer da travessia, garantindo, assim, que o sapo chegaria, também, do outro lado em segurança.

Como as três cabeças do sapo não andam funcionando muito bem, talvez elas tenham se esquecido do fato de que o tucano, ferido e também doente, provavelmente não tem, hoje, muita autonomia de vôo, além de não saber nadar. Que suas galinhas verdes, apesar de barulhentas e de ciscarem o alumínio com maestria ímpar, nunca souberam voar (e caso resolvam andar com os patos ou sapos, morrerão afogadas, pois também, de águas e correntezas, não entendem nada).

Talvez as três cabeças do sapo tenham se esquecido que o ferrão do escorpião só trabalha por ele e de que está na natureza desse animal, infelizmente, inocular veneno. Que qualquer travessia, com um escorpião venenoso e traiçoeiro nas costas, talvez seja longa e perigosa demais. Talvez.

Se o sapo tem dúvidas, poderá sempre perguntar às algumas poucas vítimas do perigoso lacrau que, inoculadas com o veneno do escorpião, sobreviveram para contar a história. Sabe-se, ao menos, da triste história de um garotinho, que confiando no animal, com quem gostava de passear, o alimentou e dele cuidou por anos, até tomar uma ferroada. Mas com nenhuma das três cabeças do sapo funcionando em harmonia, talvez seja pedir demais esperar que elas procurem saber disso.

Resta-nos esperar pelo fim desta triste quase-fábula que, ao que parece, não vai terminar com um construtivo provérbio, mas com alguma ou algumas frases lapidares.

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