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José Reinaldo Carvalho (Jornalista, editor internacional do Brasil 247 e da página Resistência: http://www.resistencia.cc)
Um quadro dantesco de genocídio: mortes, destruição, fome e deslocamento maciço em Gaza desde 7 de outubro de 2023, configurando o holocausto do século 21
07 de outubro de 2025, 03:47 h
247 - Dois anos após 7 de outubro de 2023, data em que combatentes do Hamas romperam as defesas israelenses na operação chamada “Dilúvio de Al Aqsa”, o Estado de Israel segue promovendo violência maciça e sistemática em Gaza, com consequências devastadoras: mortes, fome, destruição de infraestrutura e deslocamento em massa. A denúncia dessa tragédia vem dos dados de organismos internacionais.
É preciso acrescentar a cumplicidade escancarada do imperialismo estadunidense, tanto no governo Biden quanto neste segundo mandato de Donald Trump.
A ação palestina contra o brutal cerco, bloqueio e inomináveis atos de violência israelense contra a população de Gaza foi respondida militarmente por Israel sob a forma de um inaudito genocídio.
Naquele 7 de outubro, o sistema de defesa de Israel foi superado pela ofensiva dos combatentes de Gaza, que proclamaram a luita heroica contra o “tempo de devastação e assassinato”.
Conforme dados oficiais palestinos e de agências da ONU, o estado sionista desencadeou uma ofensiva que já matou mais de 66 mil pessoas em Gaza e danificou ou destruiu cerca de 78% das construções da Faixa, incluindo centenas de milhares de casas. Reescrevo agora este panorama sob um viés mais aprofundado e com ênfase na responsabilidade dos EUA.
Mortes, feridos e destruição em números
Reportagerm da Telesur compilou dados reveladores do genocídio. Segundo o Ministério da Saúde palestino, até agora mais de 66 mil pessoas foram mortas em Gaza e 156.758 ficaram feridas. Levantamentos do UNOSAT/UNITAR apontam danos maciços: 102.067 estruturas “destruídas”, 17.421 severamente danificadas, 41.895 moderadamente danificadas e 31.429 possivelmente danificadas, somando 192.812 estruturas afetadas — cerca de 78% do total edificado — incluindo cerca de 282.904 casas danificadas.
Nos dois últimos anos, Israel despejou sobre Gaza uma violência militar sem paralelo: cerca de 300 toneladas de explosivos foram lançados por quilômetro quadrado desde outubro de 2023 — vinte vezes mais do que os EUA utilizaram no Vietnã. Nada disso, porém, quebrou a determinação de um povo que luta para existir.
Em paralelo, a geografia da Faixa de Gaza foi redesenhada por corredores militares e sucessivas ordens de deslocamento.
Colapso do sistema de saúde
Relatório da Organização Mundial da Saúde (10 de setembro) afirma que 94% dos hospitais de Gaza foram destruídos ou estão fora de operação, empurrando os poucos serviços ativos para a superlotação crítica. Em maio, 19 dos 36 hospitais ainda operavam, muitos de forma parcial. O Health Cluster registrou que os hospitais Al‑Shifa e Al‑Ahli, na Cidade de Gaza, “estão operando com quase 300% da capacidade”.
Educação, água e saneamento sob escombros
De acordo com a UNRWA (Agência das Nações Unidas de Assistência aos Refugiados da Palestina no Oriente Médio), 90% das escolas foram destruídas ou severamente danificadas e aproximadamente 660 mil crianças estão sem aulas. Por sua vez, a Oxfam estima a destruição de 1.640 km de redes de água e esgoto; em áreas do norte, o acesso da população não chega a 7% dos níveis pré‑conflito, elevando o risco de doenças hídricas.
Na agricultura, a perda de terras férteis aumentou de 5,36% (outubro de 2023) para 33,13% (fevereiro de 2024), o que corresponde a 120 km² de áreas essenciais para a produção local de alimentos, segundo a comissão da ONU citada.
Patrimônio cultural devastado
Entre 7 de outubro de 2023 e 18 de agosto de 2025, a UNESCO contabilizou danos em pelo menos 110 bens culturais em Gaza, incluindo 13 locais religiosos, 77 edifícios históricos, nove monumentos, um museu e sete sítios arqueológicos. Entre as perdas, estão o cemitério romano no norte da Faixa e a Grande Mesquita de Al‑Omari, quase totalmente destruída. A organização PEN America relata a destruição de universidades, 11 bibliotecas — entre elas a Biblioteca Pública de Gaza — e editoras e livrarias, como a Samir Mansur.
Ocupação e corredores militares
Relatos de uma comissão independente da ONU indicam que as operações do exército israelense cobriram 278 km² — cerca de 75% do território de Gaza —, com o OCHA (Escritório de Coordenação de Assuntos Humanitários das Nações Unidas) apontando presença operacional e ordens de evacuação em 87,8% da Faixa (julho de 2025). A ONU reconhece cinco e cita quatro corredores que atravessam o território da Faixa de Gaza: Filadélfia, Netzarim, Magen‑Oz e Morag. Este último, anunciado em abril de 2025, recebeu o nome de um assentamento evacuado no plano de retirada de 2005.
A fome como arma de guerra, segundo especialistas da ONU
Em finais de setembro, eram 640 mil pessoas em situação catastrófica de fome, 1,14 milhão em emergência e 396 mil em crise alimentar. A Telesur cita em reportagem o alerta do relator especial da ONU para o direito à alimentação, Michael Fakhri: “Israel está matando Gaza de fome. É genocídio. É um crime contra a humanidade . É um crime de guerra”.
A privação deliberada de alimentos a civis é considerada crime de guerra em diversos ordenamentos e no direito internacional, amparada nas Convenções de Genebra, na Resolução 2417 do Conselho de Segurança (2018) e na emenda de 2019 ao Estatuto de Roma que tipifica a fome também em conflitos não internacionais.
Cumplicidade sob Biden
No governo Biden, os EUA não atuaram como moderador: mantiveram e até aceleraram o fluxo de armas e recursos que alimentam o massacre em Gaza. O governo Biden aprovou pacotes de ajuda militar e suplementares, muitas vezes utilizando mecanismos urgentes para atropelar trâmites normais de revisão no Congresso.
Em 2024, por exemplo, o Congresso aprovou um pacote de US$ 95 bilhões em auxílio militar e “humanitário” a Israel. Também durante o governo Biden, os EUA remeteram bilhões em garantias de empréstimos e venda de armamentos avançados a Israel. Relatórios advindos de Think Tanks e da imprensa mostraram que o governo Biden usou ordens executivas e “renúncias rápidas” para acelerar entregas de armas (inclusive já compradas) mesmo diante de alertas sobre possíveis violações de direitos humanos no uso dessas armas.
Mesmo quando membros da comunidade diplomática ou do Departamento de Estado identificavam violações graves ou riscos de genocídio, não houve recuo significativo. O manto diplomático dos EUA agiu como escudo no âmbito internacional: vetos sistemáticos a resoluções das Nações Unidas que condenavam o cerco ou exigiam cessar-fogo, bloqueios de investigações independentes e veto a ações do Conselho de Segurança. Em suma: Biden manteve a engrenagem de guerra, ainda que em tese com “apelos humanitários” pontuais.
A escalada com Trump: descaramento e intensificação
No retorno de Donald Trump como presidente, a cumplicidade dos EUA com o regime de Netanyahu não foi apenas continuidade: tornou-se impulso explícito ao massacre. Trump, enviou novos volumes de armas e retirou até condicionantes previamente impostos — aquilo que se apresentava como “tempero diplomático” sob Biden, com ressalvas e obstruções pontuais, sob Trump é escancarado.
Poucos meses após assumir, a administração Trump notificou o Congresso de vendas de armas à Israel que ultrapassam US$ 7,4 bilhões em munições e kits de orientação, além de reverter memorandos do governo anterior que impunham condicionamentos ao apoio militar israelense. Em março deste ano, Trump aprovou um pacote de quase US$ 3 bilhões em bombas e veículos de combate, incluindo bombas Mk-84 e kits de orientação JDAM — todo o tipo de artefato usado com brutalidade nos ataques sobre Gaza.
Em um movimento mais forte, o governo acelerou a entrega de US$ 4 bilhões em ajuda militar prometida a Israel. Ainda, enquanto muitos governos europeus impunham embargos ou suspendiam licenças de armas, o governo Trump revogou restrições que Biden havia introduzido em nome de respeito a direitos humanos. Trump também apresentou plano audacioso: em fevereiro de 2025, anunciou que os EUA “tomariam conta” da administração da Faixa de Gaza, deslocariam sua população e a reconstruiriam sob a tutela americana, numa proposta que beira o etnocídio e a limpeza étnica expressa.
Esse projeto mostra, sem disfarces, que o alinhamento entre Trump e Netanyahu não é apenas militar, mas ideológico: ambos almejam reformatar o Oriente Médio sob a égide do expansionismo israelense, com os Estados Unidos operando como braço executor e patrocinador inconteste.
Trump e Netanyahu : diplomacia do genocídio
Não pode haver neutralidade diante deste horror e é preciso gritar que a cumplicidade estadunidense não é “apoio”: é corresponsabilidade. Por que as mortes seguem crescendo? Porque enquanto Israel despeja bombas, os EUA enviam armas. Enquanto Gaza é reduzida a escombros, os EUA vetam resoluções na ONU e barram investigações. Esse mecanismo garantiu impunidade total ao regime genocida de Netanyahu.
A funcionalidade dessa parceria é clara: os Estados Unidos mantêm Israel como satélite estratégico no Oriente Médio, contrapondo-se ao Irã e aos movimentos de resistência. Assim, o massacre em Gaza é parte de uma guerra mais ampla de dominação regional.
A venda constante de armamentos aos israelenses garante rentabilidade à indústria bélica norte-americana, ao passo que legitima o discurso de “defesa” e “segurança” que serve como álibi moral para a dominação.]
A blindagem diplomática dos EUA permite a Israel agir com virtual impunidade perante instâncias internacionais, como a Corte Penal Internacional ou o Conselho de Direitos Humanos, enquanto acusações graves de crimes de guerra e genocídio são engavetadas.
Em plena vigência do segundo mandato de Donald Trump, diante da carnificina contínua em Gaza, celebra-se o cinismo político de um sistema que vende morte como estratégia de hegemonia. O silêncio de potências que se diziam defensoras dos direitos humanos já não é mera omissão: virou ato de colaboração com o assassinato em escala industrial.
A tragédia de Gaza, que atravessa dois anos completos, expõe o caráter estrutural e predatório do sistema imperial: enquanto o povo palestino é bombardeado, empobrecido e privado de condições mínimas para sobreviver, os EUA arcam com a pecha de executor e protecionista de um regime genocida — e falham irrevogavelmente como ator humanitário no palco global.
Netanyahu e o projeto de poder que redesenha o Oriente Médio
Dois anos depois da operação “Dilúvio de Al Aqsa”, Gaza segue como um território devastado e o epicentro de uma estratégia que ultrapassa a retaliação militar. A resposta de Israel, segundo as declarações do genocida-mor do século 21, Benjamin Netanyahu, só terminaria “com o extermínio do Hamas e a modificação completa do mapa político regional”.
Essa ameaça deu forma a uma política de guerra expandida, que hoje envolve o Líbano, o Irã e o próprio equilíbrio geopolítico do Oriente Médio.
Logo após o início da atual etapa do genocídio em outubro de 2023, Israel intensificou as operações no sul do Líbano, mirando posições do Hezbollah e assassinando alguns de seus principais líderes. A ofensiva visando a golpear o eixo de resistência regional, provocou a escalada mais grave entre os dois países desde 2006.
Mas Netanyahu foi além. Em 2024, ordenou bombardeios maciços no Líbano e, no ano seguinte, conduziu uma guerra de 12 dias contra o Irã, marcada por ataques aéreos de alta intensidade, revelando por meio dessas ações agressivas, até onde o estado expansionista de Israel quer chegar. Ao projetar uma guerra permanente.
A ofensiva israelense, que contou com todo o respaldo od imperialismo estadunidense, prossegue como parte de um projeto de reconfiguração geopolítica. Netanyahu já não fala apenas de segurança, mas de hegemonia regional, de contenção do Irã e de um novo desenho territorial. A guerra contra o Hamas foi o ponto de partida; o alvo real é o “novo Oriente Médio”.
E o custo é pago pelas populações civis — palestina, libanesa e iraniana — que vivem sob o ruído incessante dos drones e a sombra da fome. O silêncio ou a neutralidade dos países que se dizem defensores dos direitos humanos já não é diplomacia: é cumplicidade.
Gaza tornou-se não apenas o epicentro de uma tragédia humanitária, mas também o espelho em que se reflete a crise do sistema imperialista nas primeiras décadas do século 21.
Netanyahu ameaça mudar o mapa político do Oriente Médio. Para alcançar o objetivo, não se detém diante dos mais abomináveis crimes, o principal deles a limpeza étnica na Palestina, levando a um nível mais devastador a saga criminosa dos seus antecessores que fizeram a Nakba nos finais dos anos 1940.
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