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Texto publicado em Carta Maior
Hugh O’Shaughnessy, The Independent
Texto publicado em Carta Maior
Hugh O’Shaughnessy, The Independent
A mulher mais poderosa do
mundo começará a andar com as próprias pernas no próximo fim de semana. Forte e
vigorosa aos 63 anos, essa ex-líder da resistência a uma ditadura militar (que
a torturou) se prepara para conquistar o seu lugar como Presidente do Brasil.
Como chefe de estado, a
Presidente Dilma Rousseff seria mais poderosa que a Chanceler da Alemanha,
Angela Merkel e que a Secretária de Estado dos EUA, Hillary Clinton: seu país
enorme de 200 milhões de pessoas está comemorando seu novo tesouro petrolífero.
A taxa de crescimento do Brasil, rivalizando com a China, é algo que a Europa e
Washington podem apenas invejar.
Sua ampla vitória prevista
para a próxima eleição presidencial será comemorada com encantamento por
milhões. Marca a demolição final do “estado de segurança nacional”, um arranjo
que os governos conservadores, nos EUA e na Europa já tomaram como seu melhor
artifício para limitar a democracia e a reforma. Ele sustenta um status quo
corrompido que mantém a imensa maioria na pobreza na América Latina, enquanto
favorece seus amigos ricos.
A senhora Rousseff, filha
de um imigrante búlgaro no Brasil e de sua esposa, professora primária, foi
beneficiada por ser, de fato, a primeira ministra do imensamente popular
Presidente Luiz Inácio Lula da Silva, ex-líder sindical. Mas com uma história
de determinação e sucesso (que inclui ter se curado de um câncer linfático),
essa companheira, mãe e avó será mulher por si mesma. As pesquisas mostram que
ela construiu uma posição inexpugnável – de mais de 50%, comparado com menos de
30% – sobre o seu rival mais próximo, homem enfadonho de centro, chamado José
Serra. Há pouca dúvida de que ela estará instalada no Palácio Presidencial
Alvorada de Brasília, em janeiro.
Assim como o Presidente
Jose Mujica do Uruguai, vizinho do Brasil, a senhora Rousseff não se constrange
com um passado numa guerrilha urbana, que incluiu o combate a generais e um
tempo na cadeia como prisioneira política.
Quando menina, na
provinciana cidade de Belo Horizonte, ela diz que sonhava respectivamente em se
tornar bailarina, bombeira e uma artista de trapézio. As freiras de sua escola
levavam suas turmas para as áreas pobres para mostrá-las a grande desigualdade
entre a minoria de classe média e a vasta maioria de pobres. Ela lembra que
quando um menino pobre de olhos tristes chegou à porta da casa de sua família
ela rasgou uma nota de dinheiro pela metade e dividiu com ele, sem saber que
metade de uma nota não tinha valor.
Seu pai, Pedro, morreu
quando ela tinha 14 anos, mas a essas alturas ele já tinha apresentado a Dilma
os romances de Zola e Dostoiévski. Depois disso, ela e seus irmãos tiveram de
batalhar duro com sua mãe para alcançar seus objetivos. Aos 16 anos ela estava
na POLOP (Política Operária), um grupo organizado por fora do tradicional
Partido Comunista Brasileiro que buscava trazer o socialismo para quem pouco
sabia a seu respeito.
Os generais tomaram o
poder em 1964 e instauraram um reino de terror para defender o que chamavam
“segurança nacional”. Ela se juntou aos grupos radicais secretos que não viam
nada de errado em pegar em armas para combater um regime militar ilegítimo.
Além de agradarem aos ricos e esmagar sindicatos e classes baixas, os generais
censuraram a imprensa, proibindo editores de deixarem espaços vazios nos
jornais para mostrar onde as notícias tinham sido suprimidas.
A senhora Rousseff
terminou na clandestina VAR-Palmares (Vanguarda Armada Revolucionária
Palmares). Nos anos 60 e 70, os membros dessas organizações sequestravam
diplomatas estrangeiros para resgatar prisioneiros: um embaixador dos EUA foi
trocado por uma dúzia de prisioneiros políticos; um embaixador alemão foi
trocado por 40 militantes; um representante suíço, trocado por 70. Eles também
balearam torturadores especialistas estrangeiros enviados para treinar os
esquadrões da morte dos generais. Embora diga que nunca usou armas, ela chegou
a ser capturada e torturada pela polícia secreta na equivalente brasileira de
Abu Ghraib, o presídio Tiradentes, em São Paulo. Ela recebeu uma sentença de 25
meses por “subversão” e foi libertada depois de três anos. Hoje ela confessa
abertamente ter “querido mudar o mundo”.
Em 1973 ela se mudou para
o próspero estado do sul, o Rio Grande do Sul, onde seu segundo marido, um
advogado, estava terminando de cumprir sua pena como prisioneiro político (seu
primeiro casamento com um jovem militante de esquerda, Claudio Galeno, não
sobreviveu às tensões de duas pessoas na correria, em cidades diferentes). Ela
voltou à universidade, começou a trabalhar para o governo do estado em 1975, e
teve uma filha, Paula.
Em 1986 ela foi nomeada
secretária de finanças da cidade de Porto Alegre, a capital do estado, onde
seus talentos políticos começaram a florescer. Os anos 1990 foram anos de bons
ventos para ela. Em 1993 ela foi nomeada secretária de minas e energia do
estado, e impulsionou amplamente o aumento da produção de energia, assegurando
que o estado enfrentasse o racionamento de energia de que o resto do país
padeceu.
Ela fez mil quilômetros de
novas linhas de energia elétrica, novas barragens e estações de energia térmica
construídas, enquanto persuadia os cidadãos a desligarem as luzes sempre que
pudessem. Sua estrela política começou a brilhar muito. Mas em 1994, depois de
24 anos juntos, ela se separou do Senhor Araújo, aparentemente de maneira
amigável. Ao mesmo tempo ela se voltou à vida acadêmica e política, mas sua
tentativa de concluir o doutorado em ciências sociais fracassou em 1998.
Em 2000 ela adquiriu seu
espaço com Lula e seu Partido dos Trabalhadores, que se volta sucessivamente
para a combinação de crescimento econômico com o ataque à pobreza. Os dois se
deram bem imediatamente e ela se tornou sua primeira ministra de energia em
2003. Dois anos depois ele a tornou chefe da casa civil e desde então passou a
apostar nela para a sua sucessão. Ela estava ao lado de Lula quando o Brasil
encontrou uma vasta camada de petróleo, ajudando o líder que muitos da mídia
européia e estadunidense denunciaram uma década atrás como um militante da
extrema esquerda a retirar 24 milhões de brasileiros da pobreza. Lula estava
com ela em abril do ano passado quando foi diagnosticada com um câncer
linfático, uma condição declarada sob controle há um ano. Denúncias recentes de
irregularidades financeiras entre membros de sua equipe quando estava no
governo não parecem ter abalado a popularidade da candidata.
A Senhora Rousseff
provavelmente convidará o Presidente Mujica do Uruguai para sua posse no Ano
Novo. O Presidente Evo Morales, da Bolívia, o Presidente Hugo Chávez, da
Venezuela e o Presidente Lugo, do Paraguai – outros líderes bem sucedidos da
América do Sul que, como ela, têm sofrido ataques de campanhas impiedosas de
degradação na mídia ocidental – certamente também estarão lá. Será uma
celebração da decência política – e do feminismo.
O Ornitorrinco pede a
palavra para dizer, feliz e satisfeito, que no próximo sábado o Brasil que vem
mudando tanto nos últimos 8 anos, estará sob a presidência de uma mulher pela
primeira vez. Não tenho a menor idéia se este governo dará conta de todos os
problemas que ainda temos que enfrentar e resolver, mas, no que me diz
respeito, especialmente depois da patifaria da campanha tucana, ver Dilma
assumindo e nos governando já é uma vitória e nosso esforço e militância terão
valido a pena. Agora, é cobrar e manter o povo mobilizado.
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