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Antonina, Litoral do Paraná, Palestine
Petroleiro aposentado e petista no exílio, usuário dos óculos de pangloss, da gloriosa pomada belladona, da emulsão scott e das pílulas do doutor ross, considero o suflê de chuchu apenas vã tentativa de assar o ar e, erguido em retumbante sucesso físico, descobri que uma batata distraída não passa de um tubérculo desatento. Entre sinos bimbalhantes, pássaros pipilantes, vereadores esotéricos, profetas do passado e áulicos feitos na china, persigo o consenso alegórico e meus dias escorrem em relativo sossego. Comendo minhas goiabinhas regulamentares, busco a tranqüilidade siamesa e quero ser presidente por um dia para assim entender as aflições das camadas menos favorecidas pelas propinas democráticas.

quarta-feira, 28 de fevereiro de 2024

GAZA (OU ELES NÃO PODEM CONTINUAR NASCENDO)

Copiei da página do MST 


São Paulo, 27 de Fevereiro de 2024

Estimados amigos e amigas,

Compartilhamos com vocês o poema de PEDRO TIERRA, em solidariedade ao Povo Palestino, diante do genocídio em Gaza.

Saudações,

João Pedro

XXX---XXX

GAZA (OU ELES NÃO PODEM CONTINUAR NASCENDO)

Hamilton Pereira (Pedro Tierra)


30 mil mortos.

Essa informação cabe num verso?

Metade dos mortos nessa guerra são crianças.

Com que material será escrita a poesia 

desse tempo?

Gaza: 70% dos corpos identificados são mulheres.

Contando as grávidas.

Move-se uma guerra contra o ventre das mulheres palestinas.

Elas não podem continuar nascendo...

Elas não podem continuar nascendo...

Elas não podem continuar nascendo em Gaza.

Elas não podem continuar nascendo em Ramallah.

Eles (os palestinos) não podem 

continuar nascendo.

Oitenta e quatro anos depois de Auschwitz,

move-se diante dos meus olhos de espanto

uma guerra de extermínio contra 

mulheres e crianças.

Move-se diante dos meus olhos gastos

pela contemplação dolorosa da saga

em busca da ressurreição possível

uma guerra contra mulheres e crianças

sobre as areias de Gaza.

?Em Ramá se ouviu uma voz,

muito choro e gemido.

É Raquel que chora

os filhos assassinados

e não quer ser consolada

porque os perdeu para sempre? (Mt.12,18)

(Não serei a voz,

desde o conforto da sombra

que me abriga, nesse ocaso da vida,

que direi aos escravos enfurecidos

como sacudir dos ombros 

a opressão que os esmaga.)

Acender a memória

da explosão do Hotel King David,

22 de julho de 1946 às 12:37.

Jerusalém foi sacudida:

91 mortos. 45 feridos.

Que nome dar a esse ato?

Perguntem a Menachen Beguin.

Hoje, é preciso desenterrar

os deslocados para lugar nenhum.

Os que já não podem retornar

dos escombros, das areias,

das cinzas, do vento que sopra

sobre a memória de Gaza.

Por onde andará Islam Hamed?

É preciso reacender sobre sua ausência

a luz do sol bombardeada

na tarde de ontem.

E perguntar ao coração das bombas:

que destino aguarda um milhão e meio

de palestinos acantonados em Rafah?

Escombros nas ruas.

Escombros de corpos.

Escombros nas almas.

?Ficou muito irado e mandou massacrar,

em Belém e nos seus arredores,

todos os meninos de dois anos para baixo,

conforme o tempo exato

que havia indagado aos Magos. (Mt,12-16)

Não há luz no Hospital Al-Shifa

que permita fazer uma sutura

nos corpos destroçados

pelos bombardeios.

Uma sutura no corpo da Palestina:

haverá uma geração de mutilados

condenados a mirar sem ternura

na dor aguda dessa perna que falta,

na pele que já não protege

a carne exposta,

as digitais de Benjamin Netanyahu.

Recolho o espanto e me afasto

enquanto ouço a voz rouca

que emerge do sul e parte em pedaços

os espelhos cegos da indiferença do mundo...


Brasília, dez. 2023/ fev. 2024.


Pedro Tierra (Hamilton Pereira) é poeta. Ex-presidente da Fundação Perseu Abramo


domingo, 25 de fevereiro de 2024

Pronunciamento do Secretário-Geral de Médicos Sem Fronteiras, Christopher Lockyear, ao Conselho de Segurança da ONU

Copiei de Médicos Sem Fronteiras (MSF)

22 de fevereiro de 2024

Senhora presidente, excelências, colegas,

No momento em que pronuncio estas palavras, mais de 1,5 milhão de pessoas estão encurraladas em Rafah. Pessoas que foram violentamente forçadas a irem para esta faixa de terra no sul de Gaza estão arcando com as consequências da campanha militar de Israel.

Vivemos sob o medo de uma invasão terrestre.

Nossos temores são baseados na nossa própria experiência. Há apenas 48 horas, quando uma família estava ao redor de uma mesa de cozinha em uma casa que abrigava funcionários de MSF e suas famílias em Khan Younis, um projétil de 120mm disparado por um tanque rompeu as paredes do local e explodiu, iniciando um incêndio, matando duas pessoas e deixando outras seis com queimaduras severas. Cinco dos seis feridos são mulheres e crianças.

Havíamos tomado todas as precauções possíveis para proteger os 64 trabalhadores humanitários e membros de suas famílias de um ataque desse tipo, notificando as partes em conflito sobre a localização e marcando claramente o edifício com uma bandeira de MSF. Apesar das nossas precauções, nosso prédio foi atingido não apenas por um disparo de tanque, mas por tiros intensos. Algumas pessoas ficaram presas no prédio em chamas enquanto os disparos contínuos atrasavam a chegada de ambulâncias ao local. Hoje pela manhã, olho para fotos que mostram a extensão catastrófica dos danos e vejo vídeos de equipes de resgate retirando corpos carbonizados dos escombros.

Isto tudo é extremamente familiar – forças israelenses atacaram nossos comboios, detiveram nossos funcionários e destruíram nossos veículos com tratores, e hospitais foram bombardeados e invadidos. Agora, pela segunda vez, um dos abrigos onde estavam nossos funcionários foi atingido. Ou este padrão de ataques é intencional ou é um indicativo de incompetência negligente.

Nossos colegas em Gaza têm medo de que, conforme eu pronuncio hoje essas palavras, eles sejam punidos amanhã.

Senhora Presidente, todos os dias nós testemunhamos o horror inimaginável.

Nós, assim como tantos outros, ficamos horrorizados pelo massacre praticado pelo Hamas em Israel em 7 de outubro, e ficamos horrorizados pela reação de Israel. Sentimos a angústia das famílias cujos entes queridos foram feitos reféns em 7 de outubro. Sentimos a angústia das famílias daqueles detidos arbitrariamente de Gaza e da Cisjordânia.

Como humanitários, ficamos perplexos com a violência contra civis.

Estas mortes, destruição e deslocamentos forçados são o resultado de escolhas políticas e militares que desrespeitam flagrantemente as vidas de civis.

Estas escolhas poderiam ter sido feitas, e ainda podem ser feitas, de maneira muito diferente.

Por 138 dias, testemunhamos o sofrimento inimaginável da população de Gaza.

Por 138 dias, temos feito tudo que é possível para efetuar uma resposta humanitária relevante.

Por 138 dias, temos assistido à destruição sistemática de um sistema de saúde que apoiamos há décadas. Temos assistido aos nossos colegas e pacientes serem mortos e mutilados.

Esta situação é o ponto culminante de uma guerra travada por Israel contra toda a população da Faixa de Gaza— uma guerra de punição coletiva, uma guerra sem regras, uma guerra a qualquer preço.

As leis e os princípios dos quais dependemos coletivamente para permitir a assistência humanitária estão agora corroídos ao ponto de perderem seu significado.

Senhora Presidente, a resposta humanitária em Gaza é uma ilusão —uma ilusão conveniente que perpetua a narrativa de que esta guerra está sendo travada em linha com leis internacionais.

Apelos por mais assistência humanitária ecoaram nesta sala.

Ainda assim, em Gaza temos cada vez menos a cada dia—menos espaço, menos medicamentos, menos comida, menos água, menos segurança.

Já não falamos mais de intensificar a ação humanitária; falamos de sobreviver mesmo sem o mínimo necessário.

Hoje, em Gaza, os esforços para prover assistência são irregulares, episódicos e totalmente inadequados.

Como podemos oferecer ajuda que salva vidas em um ambiente onde a diferença entre combatentes e civis não é levada em conta?

Como podemos manter qualquer tipo de resposta quando trabalhadores médicos são alvejados, atacados e demonizados por atender aos feridos?

Senhora Presidente, ataques a serviços de saúde são ataques à humanidade

Não restou nada que possa ser chamado de um sistema de saúde em Gaza. Os militares de Israel desmantelaram hospitais, um após o outro. O que restou é tão pouco diante de tamanha carnificina que é simplesmente absurdo.

A desculpa dada é a de que as instalações médicas foram usadas para fins militares, embora não tenhamos visto qualquer prova verificada de maneira independente de que isso tenha ocorrido.

Em circunstâncias excepcionais nas quais um hospital perde seu status de local protegido, qualquer ataque deve atender aos pricípios de proporcionalidade e cautela.

Ao invés da aderência à lei internacional, vemos a inutilização sistemática de hospitais. Isto tem deixado inviáveis as operações de todo o sistema médico.

Desde 7 de outubro, fomos forçados a evacuar nove instalações de saúde distintas.

Há uma semana, o hospital Nasser foi invadido. O pessoal médico foi forçado a sair apesar de ter recebido garantias reiteradas de que poderia ficar para continuar atendendo aos pacientes.

Estes ataques indiscriminados, assim como os tipos de armas e munições utilizadas em áreas densamente povoadas, mataram dezenas de milhares de pessoas e mutilaram outros milhares.

Nossos pacientes têm ferimentos catastróficos, amputações, membros esmagados e queimaduras graves. Eles precisam de atendimento especializado. Precisam de reabilitação longa e intensiva.

Médicos não podem tratar estes ferimentos em um campo de batalha ou nas cinzas de hospitais destruídos.

Não há leitos, medicamentos e suprimentos suficientes.

Cirurgiões não tiveram escolha a não ser realizar amputações sem anestesia em crianças.

Nossos cirurgiões estão ficando até sem gaze para impedir que seus pacientes sangrem. Eles usam uma vez, espremem o sangue, lavam, esterilizam e reutilizam para o próximo paciente.

A crise humanitária em Gaza deixou grávidas sem cuidados médicos por meses. Mulheres em trabalho de parto não podem aceder a salas de parto. Estão dando à luz em barracas de plástico ou edifícios públicos.

Equipes médicas agregaram um novo acrônimo ao seu vocabulário: WCNSF — sigla em inglês para criança ferida sem familiar sobrevivente.

As crianças que sobreviverem a esta guerra não vão carregar apenas os ferimentos visíveis das lesões traumáticas, mas também os invisíveis—aqueles causados pelos reiterados deslocamentos, medo constante e por testemunhar membros da família serem literalmente despedaçados diante de seus olhos. Essas feridas psicológicas têm levado crianças tão pequenas como de 5 anos nos dizer que preferiam estar mortas.

Os riscos para o pessoal médico são enormes. Todos os dias, temos feito a escolha de prosseguir com o nosso trabalho diante do perigo cada vez maior.

Estamos apavorados. Nossas equipes estão mais do que exaustas.

Senhora Presidente, isso tem de parar.

Nós, junto com o resto do mundo, temos acompanhado de perto o modo como este Conselho e seus membros têm abordado o conflito em Gaza.

Reunião após reunião, resolução após resolução, este órgão não conseguiu endereçar de maneira efetiva este conflito. Vimos membros deste Conselho deliberarem e agirem com atraso enquanto civis morrem.

Estamos perplexos com a disposição dos Estados Unidos de usar seus poderes como membro permanente do Conselho para obstruir os esforços para a adoção da mais evidente das resoluções: uma pedindo um cessar-fogo imediato e sustentado.

Por três vezes este Conselho teve a oportunidade de votar por um cessar-fogo que é tão desesperadamente necessário, e por três vezes os Estados Unidos usaram seu poder de veto, mais recentemente na última terça-feira.

Uma nova proposta de resolução feita pelos Estados Unidos pede de maneira ostensiva por um cessar-fogo. Apesar disso, ela é no mínimo falaciosa.

Este Conselho deveria rejeitar qualquer resolução que obstrua ainda mais os esforços humanitários no terreno e leve este Conselho a endossar de maneira tácita a violência contínua e as atrocidades em massa em Gaza.

A população de Gaza precisa de um cessar-fogo não quando seja “viável” mas agora. Eles precisam de um cessar-fogo sustentado, não “um período temporário de calma”. Qualquer coisa que fique aquém disso é negligência grosseira.

A proteção de civis em Gaza não pode estar condicionada a resoluções deste Conselho que instrumentalizem o humanitarismo para ocultar objetivos políticos.

A proteção de civis, de infraestrutura civil, de trabalhadores da saúde e de instalações de saúde recai, antes de mais nada, sobre as partes envolvidas no conflito.

Mas é também uma responsabilidade coletiva, uma responsabilidade que recai sobre este Conselho e seus membros individuais, como aderentes à Convenção de Genebra.

As consequências de deixar que o Direito Humanitário Internacional torne-se letra morta repercutirão muito além de Gaza. Isto será um fardo duradouro em nossa consciência coletiva. Não se trata apenas de inação política, tornou-se cumplicidade política.

Há dois dias, uma equipe de MSF e suas famílias foram atacados e pessoas morreram em um lugar onde havia sido dito a elas que estaria protegido.

Hoje, nosso pessoal está de volta ao trabalho, arriscando mais uma vez a vida pelos pacientes.

O que vocês estão dispostos a arriscar?

Nós exigimos as proteções prometidas sob o Direito Humanitário Internacional.

Exigimos um cessar-fogo de ambas as partes.

Exigimos que haja espaço para transformar a ilusão da assistência em assistência realmente significativa.

O que vocês farão para que isso seja possível?

Muito obrigado, Senhora Presidente.

XXX---XXX

Palavra do Ornitorrinco Ateu: Ah, dirão os nazi-sionistas que estão a praticar - há quase 80 anos - genocídio contra o povo palestino, ah, dirão, isso é antissemitismo.

terça-feira, 20 de fevereiro de 2024

Nove judeus sobreviventes do Holocausto comparam políticas de Netanyahu às dos nazistas

Publicado por Diário do Centro do Mundo

Atualizado em 20 de fevereiro de 2024, 11:45 h

Um dos aspectos mais preocupantes da definição de antissemitismo da Aliança Internacional para a Memória do Holocausto é a sua sugestão de que “fazer comparações entre a política israelense contemporânea e a dos nazistas” é necessariamente antissemita. Por vezes, tais comparações podem ser grosseiras e equivocadas. Mas em muitos casos, mesmo quando contestamos a conclusão, parece absurdo atribuí-la ao antissemitismo.

Aqui publicamos relatos de nove sobreviventes do Holocausto que se opõem às políticas israelenses históricas e recentes, em alguns casos ligando-as às dos nazistas. Num caso, o autor – novamente, um sobrevivente do Holocausto (Rudolf Vrba) – compara as principais políticas do movimento sionista durante a guerra às dos nazistas.

1. “Algum tempo depois [de 1956], ouvi uma notícia sobre israelenses conduzindo palestinos para assentamentos. Eu simplesmente não conseguia acreditar nisso. Os israelenses também não eram judeus? Não tínhamos nós – eles – acabado de sobreviver ao maior pogrom da nossa história? Não foram os campos [de concentração] – muitas vezes chamados eufemisticamente de ‘campos de colonização’ pelos nazistas – a principal característica deste pogrom? Como poderiam os judeus, em qualquer medida, fazer aos outros o que lhes foi feito? Como poderiam estes judeus israelenses oprimir e aprisionar outras pessoas? Na minha imaginação, os judeus em Israel eram socialistas e pessoas que distinguiam o certo do errado. Isto estava claramente incorreto. Eu me senti decepcionada, como se estivesse sendo roubada de uma parte do que eu pensava ser minha herança.

Devo dizer ao governo israelense, que afirma falar em nome de todos os judeus, que não fala por mim. Não ficarei calada face à tentativa de aniquilação dos palestinianos; a venda de armas a regimes repressivos em todo o mundo; a tentativa de abafar as críticas a Israel nos meios de comunicação de todo o mundo; ou o torcer a lógica para obter concessões econômicas dos países ocidentais. É claro que a posição geopolítica de Israel tem uma influência maior neste momento. Não permitirei que a confusão dos termos ‘antissemita’ e ‘antissionista’ permaneça incólume.” (Marika Sherwood, ‘Como me tornei uma judia anti-Israel’, Monitor do Oriente Médio, 03/07/18. Historiadora húngara, é sobrevivente do gueto de Budapeste)

2. “Israel, para sobreviver, tem de renunciar ao desejo de dominação e então será um lugar muito melhor também para os judeus. A analogia imediata que muitas pessoas estão a fazer em Israel é a Alemanha. Não só a Alemanha de Hitler e dos nazistas, mas o Império alemão, cujo intuito era dominar a Europa. O que aconteceu no Japão depois do ataque à China é que eles queriam dominar uma enorme área da Ásia. Quando a Alemanha e o Japão renunciaram ao desejo de dominação, tornaram-se sociedades muito mais agradáveis para os próprios japoneses e alemães. Gostaria de ver Israel, ao renunciar ao desejo de dominação, incluindo a dominação dos palestinos, tornar-se um lugar muito mais agradável para os israelenses viverem.” (Dr. Israel Shahak, Middle East Policy Journal, verão de 1989. Shahak foi um sobrevivente do gueto de Varsóvia e do campo de concentração de Bergen-Belsen)

3. “Sinto-me magoado com os paralelos que observo entre as minhas experiências na Alemanha antes de 1939 e as sofridas pelos palestinos hoje. Não posso deixar de ouvir ecos do mito nazista de ‘sangue e solo’ na retórica do fundamentalismo dos colonos que reivindica um direito sagrado a todas as terras da Judeia e da Samaria bíblicas. As diversas formas de punição coletiva impostas ao povo palestino – guetização forçada atrás de um “muro de segurança”; a demolição de casas e a destruição de campos; o bombardeio de escolas, mesquitas e edifícios governamentais; um bloqueio económico que priva as pessoas de água, alimentos, medicamentos, educação e das necessidades básicas para uma sobrevivência digna – obrigam-me a recordar as privações e humilhações que experimentei na minha juventude. Este processo de opressão que já dura um século significa um sofrimento inimaginável para os palestinos.” (Hajo Meyer, ‘Uma Tradição Ética Traída’, Huffington Post, 27/01/10. É sobrevivente de Auschwitz)

4. “Como um jovem judeu que cresceu em Budapeste, uma criança sobrevivente do genocídio nazista, fui durante anos assombrado por uma questão que ressoava no meu cérebro com tanta força que por vezes a minha cabeça girava: ‘Como foi possível? Como o mundo pôde ter permitido que tais horrores acontecessem?’

Era uma pergunta de uma criança ingênua. Eu sei mais agora: essa é a realidade. Seja no Vietnã, em Ruanda ou na Síria, a humanidade mantém-se ali, quer de forma cúmplice, quer inconscientemente, quer impotente, como sempre faz. Hoje em Gaza encontramos formas de justificar o bombardeio de hospitais, o aniquilamento de famílias no jantar, o assassinato de adolescentes jogando bola na praia…

Não há como compreender Gaza fora do contexto – foguetes do Hamas ou ataques terroristas injustificáveis contra civis – e esse contexto é a mais longa operação de limpeza étnica em curso nos séculos recentes e atuais, a tentativa em curso de destruir a nacionalidade palestina.

Os palestinos usam túneis? O mesmo fizeram meus heróis, os combatentes mal armados do Gueto de Varsóvia. Ao contrário de Israel, os palestinos não têm helicópteros Apache, drones guiados, caças a jato com bombas, artilharia guiada por laser. Num desafio impotente, disparam foguetes ineptos, causando terror a israelenses inocentes, mas raramente causando danos físicos. Com um desequilíbrio de poder tão grosseiro, não há equivalência de culpabilidade…

E o que devemos fazer, nós, pessoas comuns? Oro para que possamos ouvir nossos corações. O meu coração diz que ‘nunca mais’ não é um slogan tribal, que o assassinato dos meus avós em Auschwitz não justifica a contínua expropriação dos palestinos, que a justiça, a verdade e a paz não são prerrogativas tribais. Que o direito de Israel se defender, não valida os assassinatos em massa.” (Gabor Mate, ‘O belo sonho de Israel tornou-se um pesadelo’, Toronto Star, 22/07/14. Mate é um sobrevivente do gueto de Budapeste)

5. “A esquerda já não é capaz de superar o ultranacionalismo tóxico que cresceu aqui [em Israel], o tipo cuja tendência europeia quase eliminou a maioria do povo judeu. As entrevistas que Ravit Hecht, do Haaretz, manteve com [os políticos israelenses de direita] Smotrich e Zohar (3 de dezembro de 2016 e 28 de outubro de 2017) deveriam ser amplamente divulgadas em todos os meios de comunicação em Israel e em todo o mundo judaico. Em ambos, vemos não apenas um crescente fascismo israelense, mas também um racismo semelhante ao nazismo nas suas fases iniciais.

Como toda ideologia, a teoria racial nazista desenvolveu-se ao longo dos anos. No início, apenas privou os judeus dos seus direitos civis e humanos. É possível que sem a Segunda Guerra Mundial o ‘problema judaico’ só tivesse terminado com a expulsão ‘voluntária’ dos judeus das terras do Reich. Afinal, a maior parte dos judeus da Áustria e da Alemanha conseguiram sair a tempo. É possível que este seja o futuro que os palestinos enfrentam.” (Zeev Sternhell, ‘Opinion in Israel, Growing Fascism and a Racism Akin to Early Nazism’, Haaretz, 19/01/18. Sternhell é um sobrevivente do gueto de Przemysl, na Polônia)

6. “O movimento sionista da Europa desempenhou um papel muito importante no extermínio em massa de judeus. Na verdade, acredito que sem a cooperação dos sionistas teria sido uma tarefa muito mais difícil. [Os sionistas] disseram que não somos checos ou não somos alemães, não somos franceses, somos judeus e devemos, como judeus, voltar ao nosso país, a Israel ou à Palestina e fundar o nosso estado…

Depois vieram as Leis de Nuremberg, emitidas por um estado dito civilizado [a Alemanha nazista], que dizia que os judeus não pertencem à Europa, mas sim à Palestina. Assim, num ponto, o nazismo e o sionismo tinham algo em comum: ambos pregavam que os judeus não pertencem à Europa, mas à Palestina.

Naturalmente, os alemães disseram aos sionistas: ‘Vejam, os judeus podem não confiar em nós, mas confiarão em vocês’, ‘porque os judeus viram que vocês sempre lhes disseram a verdade: que vocês pertencem à Palestina, que vocês são um elemento estranho aqui”. Assim os conselhos judaicos foram escolhidos entre os sionistas bem-reconhecidos na sociedade: grandes advogados, grandes empresários e grandes economistas…

Os alemães e o governo fascista de cada país prometeram-lhes que seriam protegidos de qualquer discriminação porque eles eram necessários para a administração dos assuntos judaicos. Tínhamos aqui uma camarilha sionista reforçada pelo dinheiro de empresários judeus que estariam preparados para acompanhar a discriminação contra as massas da população judaica que não eram ricas nem sionistas.

Portanto, não confiei nos sionistas, pois os considerava fascistas e desde o início os achava criaturas desprezíveis que negociavam com os nazistas e tiravam proveito disso para serem isentos da discriminação praticada contra os outros judeus. Eu não confiava nem nos nazistas e nem nos sionistas, pois ambos tinham algo em comum – me tiraram de casa e deixaram minha família indefesa.

Os jovens, o núcleo da resistência, têm sempre entre 16 e 30 anos. Todo soldado sabe que eles são os melhores para lutar. Fiquei espantado com o fato de os sionistas, que fingiam ser os protetores dos judeus, deixarem os jovens serem levados para os campos de concentração. Eles poderiam proteger suas famílias nas cidades.” (Rudolph Vrba, ‘Entrevista de história oral com Rudolf Vrba’, Série de TV World at War, 1972. Rudolf Vrba foi um sobrevivente de Majdanek e Auschwitz. Ele escapou de Auschwitz em 1944 para alertar os judeus da Hungria sobre o extermínio nazista. Tragicamente, alguns líderes sionistas tinham outras ideias.)

6B. “Eu sou judeu. Apesar disso – na verdade, por causa disso – acuso certos líderes judeus de um dos feitos mais horríveis da guerra. Este grupo de traidores sabia o que acontecia nas câmaras de gás de Hitler e comprou sua salvação com o silêncio. Um deles era o Dr. [Rudolf] Kastner, líder do conselho que falava em nome dos judeus na Hungria.

Enquanto eu era o prisioneiro número 44070 em Auschwitz – o número ainda está no meu braço – compilei as estatísticas dos extermínios. Levei essas estatísticas comigo quando fugi em 1944 e pude avisar com três semanas de antecedência aos líderes sionistas húngaros que Eichmann planejava enviar um milhão de judeus para as câmaras de gás. (…) Kastner foi até Eichmann e disse-lhe: ‘Conheço seus planos; poupe alguns judeus de minha escolha e ficarei quieto.’

Eichmann não apenas concordou, mas vestiu Kastner com uniforme da SS e o levou a Belsen para localizar alguns de seus amigos. Essa sórdida negociação não acabou aí. Kastner pagou a Eichmann vários milhares de dólares. Com esta pequena fortuna, Eichmann conseguiu fugir para a Argentina.” (Rudolf Vrba, Daily Herald, fevereiro de 1961 (citado em Ben Hecht, Perfidy, 1962, p. 231)

6C. “Porque é que o Dr Kastner traiu o seu povo quando poderia ter salvado muitos deles, dando-lhes uma oportunidade de lutar, uma oportunidade de promover a segunda ‘[revolta] de Varsóvia’, tão temida por Eichmann? Será, portanto, que o sentimento derrotista do Dr Kastner foi reforçado pela memória das palavras usadas por Chaim Weizmann, primeiro presidente de Israel, quando discursou numa convenção sionista em Londres em 1937?

Disse Weizmann: “Eu falei à Real Comissão Britânica que as esperanças dos seis milhões de judeus da Europa estavam centradas na emigração. Perguntaram-me: ‘Você pode trazer seis milhões de judeus para a Palestina?’ Eu respondi: ‘Não.’ Eles são a reserva econômica e moral da Europa e só uma parte sobreviverá.

‘Só uma parcela sobreviverá’. Será que Kastner, tal como Hitler, acreditava numa raça superior, uma nação judaica criada da elite, para a elite e por membros da elite? Assim ele interpretou o sombrio discurso de Weizmann? Se sim, quem selecionou o pó para formar o monte de poeira moral e econômica a rumar para a terra prometida? [Minha família] presumivelmente, formou a poeira que seria varrida para os fornos pelos nazistas que usaram líderes judeus como vassouras…” (Dr. Rudolf Vrba, Eu escapei de Auschwitz, 2002)

7. “[Durante a guerra] nunca passou pela nossa cabeça que os sionistas estavam deliberadamente passivos em relação à destruição física dos judeus, como uma justificativa extra para a fundação do Estado de Israel… Mas hoje, historiadores reconhecidos falam em voz alta sobre a forma como alguns dos sionistas exploraram politicamente o Holocausto! … [O primeiro-ministro] Ben Gurion acreditava que quanto pior for para os judeus na Europa, melhor para Israel. Ben Gurion lavou as mãos em relação à diáspora. Numa conferência do partido Mapai, em dezembro de 1942, ele disse que a tragédia dos judeus europeus não lhes ‘preocupava diretamente’. Estas foram as palavras de um líder que estava disposto a sacrificar as vidas de milhões de judeus pela ideia de um Estado judeu. Não estou dizendo que ele poderia ter salvado milhares de pessoas, mas poderia ter lutado por essas milhares de pessoas e ele não fez isso. Não sei se isso foi deliberado.” (Dr. Marek Edelman, 2016. Edelman foi um sobrevivente e comandante da revolta do Gueto de Varsóvia)

8. Fascista é uma definição que posso usar [para o primeiro-ministro israelense Menachem Begin]. Acho que nem mesmo Begin negaria isso. Ele foi aluno de Jabotinsky, expoente da ala mais à direita do sionismo, que se autodenominava fascista e foi um dos interlocutores de Mussolini. Sim, Begin foi seu pupilo. Essa é a história de Begin… [O Holocausto] é a defesa favorita de Begin. Não permito que ele use o Holocausto para se defender.” (Primo Levi, A Voz da Memória: Entrevistas de Primo Levi, 1961-1987, pp. Levi foi um sobrevivente de Auschwitz)

9. “Como sobrevivente do Holocausto, eu não posso conviver com o fato de Israel estar aprisionando um povo inteiro atrás de cercas. É algo simplesmente imoral. O que aconteceu comigo no Holocausto me assombra todas as noites e espero que não façamos a mesma coisa com nossos vizinhos. … [Comparo] o que passei durante o Holocausto com o que as crianças palestinas sitiadas estão passando.” (Reuben Moscovitz, Haaretz, 28/09/10. Moscovitz é sobrevivente do Holocausto na Romênia)

As palavras apodrecem

Por Luiz Eduardo Soares

Publicado por Diário do Centro do Mundo

Atualizado em 20 de fevereiro de 2024 às 11:50


Palestino tenta socorrer criança ferida após novo bombardeio de Israel em Gaza - Foto: Yasser Qudih

O mais dilacerante sofrimento humano não é nomeável, descritível, muito menos mensurável. Transborda os limites da linguagem e de qualquer medida.

Sua natureza é a incomensurabilidade. Por isso, quando provocado, este sofrimento, por ações alheias evitáveis, não pode ser justificado, não cabe em nenhuma sequência moralmente motivada de atos.

Milhares de crianças mutiladas, membros amputados sem anestesia, espíritos destroçados, seus mundos familiares arruinados, seu espaço devastado, as coisas que as cercam estilhaçadas e calcinadas.

Essas palavras estão vazias, evocam, mas não substituem os corpos empilhados em Gaza, apodrecendo em Gaza: as palavras também apodrecem.

Nenhum sofrimento extremo é comparável a nenhum outro, porque não pode ser partido em unidades, pesado, delimitado, contabilizado, apreendido fora de si mesmo, dado a outrem como um dom, devolvido por seu preço em moeda comum, a moeda que se troca entre mãos hábeis.

O sofrimento excruciante da criança em agonia é um só, um oceano e um deserto, sem começo nem fim: a história interminável do avesso do que gostaríamos de chamar humano.

A criança em pânico, agonizando em Gaza, é a mesma criança em pânico agonizando no campo de concentração nazista. As duas agonias não são comparáveis porque são uma só e a mesma agonia.

Nenhum de nós, nenhuma testemunha tem medida para distinguir, hierarquizar e comparar. Nenhum de nós tem o direito de sugerir que sabe o que é isso de que falamos para velar.


Crianças repousam sobre escombros após ataque israelense no norte da Faixa de Gaza - Foto: Mohammed Salem

Mas temos o dever de nos postar como guardiões da inexpugnabilidade do sofrimento extremo, de sua incomparabilidade, de sua incomensurabilidade, de sua irredutibilidade à linguagem e a toda forma de neutralização.

E temos também o dever de nomear os carniceiros. Os agentes das carnificinas, o governo de Israel e os nazistas, cometeram crimes contra a humanidade e têm de responder perante a história. Seus crimes não são comparáveis. São um só.

XXX---XXX

O Ornitorrinco Ateu - que nunca foi antissemita, seus canalhas! - ao manifestar, de um lado, apoio irrestrito ao Presidente Lula, de outra banda declara mais uma vez que Israel, estado nazi-sionista que há 80 anos massacra o povo palestino é, sim e claramente, um estado genocida.