Tenho um bando de primos completamente dispensáveis, o Xaulo, o Vaulo, o Maulo, o Raulo, dentre outros. Agora, primo phodão mesmo é o Nelio Sprea. Leiam e apreceiam, pois.
Copiei do FB de Nelio Sprea
Muitas são as versões sobre o ocorrido e sobre tudo o que se deu de lá pra cá. Algumas descem macio, outras arranham ao deslizar.
É possível que predominem entre nós as narrativas mais processadas, pré cozidas, bem embaladas, que tendem a descer macio, riacho goela abaixo. Já não importa tanto a forma e o conteúdo do alimento que desce, mas sim o quanto nossa goela está amaciada para receber o que apetece.
Desculpe, não quero de modo algum generalizar. Falo por mim, desconheço você que me lê. É que minha goela sempre tendeu a preferir deslizar estômago adentro os mesmos tipos de alimento que a modelaram. A cada novidade estranha ao meu costume alimentar, me arranho todo.
Apesar disso, nos últimos dias andei em busca de alimento novo. Entre leituras lá e cá, assisti a série “O Mecanismo”, dirigida pelo José Padilha. E fui à estreia do documentário “O Processo”, de Maria Augusta Ramos. Duas experiências distintas, que vale comentar.
A série “O Mecanismo” apresenta uma narrativa que tende a descer macio. É bem produzida, cheia de sacadas criativas, didática e perspicaz no modo como conduz o telespectador a acolher a trama que, apesar de ficcional, tem a pretensão de nos revelar a tal suposta verdade dos fatos. Instigante, sem provocar ranhuras na goela, a obra nos oferece um tipo de alimento já conhecido, um tanto quanto processado e já antes embalado pelos grandes veículos de comunicação. Por isso, ela desliza bem e entra no estômago já digerida. Assim me senti ao longo dos episódios: um espectador confortável, sem sustos, sem esforços. Série light de ingerir, dessas que descem redonda, sobretudo em goelas como a minha, amaciada pelo excesso de alimento processado, iludida por embalagens robustas e convincentes.
Por outro lado, assistir a estreia do documentário “O Processo” me fez engasgar. Senti a goela arranhando do início ao fim. Fiquei até rouco. Alimento menos processado, menos embalado, mais bruto. Talvez uma obra de arte, talvez um documento histórico de peso. Provavelmente os dois. Saí foi zonzo. Nutrientes novos, texturas novas, embalagem desconhecida. Deleite estético. Uma história já bastante noticiada, mas agora apresentada de um modo que não se vê nos meios de comunicação dominantes. Uma história desembalada.
“O Mecanismo” está disponível no Netflix aos assinantes. “O Processo” foi exibido ontem na Mostra de Cinema pela Democracia, evento que acontece na praça Santos Andrade, palco histórico de lutas sociais em Curitiba. O primeiro será de imediato mais difundido e celebrado. O segundo se tornará com o tempo um marco na arte do documentário. Ambos tem um potencial fabuloso para acionar reflexões e podem alimentar o debate sobre nossa atual democracia. Mas o segundo inevitavelmente alcançará um status diferenciado e se tornará fonte indispensável para as próximas gerações começarem a compreender o ocorrido e tudo o que se deu de lá pra cá.
Premiado em festivais internacionais (Festival de Berlim / Festival Suíço Visions du Réel) e com sucesso de crítica já se consolidando, ainda assim, "O Processo" merece aqui todo reforço na divulgação. É que o gênero documentário é bem pouco popular no Brasil. Ainda mais quando apresenta algo assim tão propenso a gerar ranhuras em amaciadas goelas. Além disso, por contrariar a versão dominante e acachapante dos grandes grupos de comunicação, o documentário encontrará fortes resistências para se difundir em grande escala.
Então, com a goela arranhada, sugiro aos curiosos que chegaram até aqui na leitura deste texto que vejam o documentário “O Processo”. É um alimento e tanto. Quem não puder ir à Mostra de Cinema pela Democracia, evento que exibe o filme até o dia 06 na capital, tome nota que no dia 17 de maio o filme estreará nos cinemas. Vale a pena.
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Copiei do FB de Nelio Sprea
Muitas são as versões sobre o ocorrido e sobre tudo o que se deu de lá pra cá. Algumas descem macio, outras arranham ao deslizar.
É possível que predominem entre nós as narrativas mais processadas, pré cozidas, bem embaladas, que tendem a descer macio, riacho goela abaixo. Já não importa tanto a forma e o conteúdo do alimento que desce, mas sim o quanto nossa goela está amaciada para receber o que apetece.
Desculpe, não quero de modo algum generalizar. Falo por mim, desconheço você que me lê. É que minha goela sempre tendeu a preferir deslizar estômago adentro os mesmos tipos de alimento que a modelaram. A cada novidade estranha ao meu costume alimentar, me arranho todo.
Apesar disso, nos últimos dias andei em busca de alimento novo. Entre leituras lá e cá, assisti a série “O Mecanismo”, dirigida pelo José Padilha. E fui à estreia do documentário “O Processo”, de Maria Augusta Ramos. Duas experiências distintas, que vale comentar.
A série “O Mecanismo” apresenta uma narrativa que tende a descer macio. É bem produzida, cheia de sacadas criativas, didática e perspicaz no modo como conduz o telespectador a acolher a trama que, apesar de ficcional, tem a pretensão de nos revelar a tal suposta verdade dos fatos. Instigante, sem provocar ranhuras na goela, a obra nos oferece um tipo de alimento já conhecido, um tanto quanto processado e já antes embalado pelos grandes veículos de comunicação. Por isso, ela desliza bem e entra no estômago já digerida. Assim me senti ao longo dos episódios: um espectador confortável, sem sustos, sem esforços. Série light de ingerir, dessas que descem redonda, sobretudo em goelas como a minha, amaciada pelo excesso de alimento processado, iludida por embalagens robustas e convincentes.
Por outro lado, assistir a estreia do documentário “O Processo” me fez engasgar. Senti a goela arranhando do início ao fim. Fiquei até rouco. Alimento menos processado, menos embalado, mais bruto. Talvez uma obra de arte, talvez um documento histórico de peso. Provavelmente os dois. Saí foi zonzo. Nutrientes novos, texturas novas, embalagem desconhecida. Deleite estético. Uma história já bastante noticiada, mas agora apresentada de um modo que não se vê nos meios de comunicação dominantes. Uma história desembalada.
“O Mecanismo” está disponível no Netflix aos assinantes. “O Processo” foi exibido ontem na Mostra de Cinema pela Democracia, evento que acontece na praça Santos Andrade, palco histórico de lutas sociais em Curitiba. O primeiro será de imediato mais difundido e celebrado. O segundo se tornará com o tempo um marco na arte do documentário. Ambos tem um potencial fabuloso para acionar reflexões e podem alimentar o debate sobre nossa atual democracia. Mas o segundo inevitavelmente alcançará um status diferenciado e se tornará fonte indispensável para as próximas gerações começarem a compreender o ocorrido e tudo o que se deu de lá pra cá.
Premiado em festivais internacionais (Festival de Berlim / Festival Suíço Visions du Réel) e com sucesso de crítica já se consolidando, ainda assim, "O Processo" merece aqui todo reforço na divulgação. É que o gênero documentário é bem pouco popular no Brasil. Ainda mais quando apresenta algo assim tão propenso a gerar ranhuras em amaciadas goelas. Além disso, por contrariar a versão dominante e acachapante dos grandes grupos de comunicação, o documentário encontrará fortes resistências para se difundir em grande escala.
Então, com a goela arranhada, sugiro aos curiosos que chegaram até aqui na leitura deste texto que vejam o documentário “O Processo”. É um alimento e tanto. Quem não puder ir à Mostra de Cinema pela Democracia, evento que exibe o filme até o dia 06 na capital, tome nota que no dia 17 de maio o filme estreará nos cinemas. Vale a pena.
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