Eu visito o Blog da Cidadania todos os dias
O Ornitorrinco pede a palavra para dizer que:
1. Eduardo Guimarães é um dos mais argutos e certeiros blogueiros que frequento, e a coisa começa bem pelo fato que ele, não filiado ao PT, defende de peito aberto o governo Lula, e fez campanha desabrida pela eleição de Dilma. Resulta que, para mim, quando ele resolve dar um pau no governo Dilma, bem, tenho que prestar sempre muita atenção no que ele diz.
2. Não se alegrem com isso, viuvinhas sem-porvir. Cacarejem e depositem seus ovinhos estéreis no lado direito da vidinha pragmática e sem riscos, e chamem o Jabor, o Reinaldo e os estropícios todos que o esgoto midiático paga para que as luzes sejam apagadas, para que janelas e portas sejam fechadas.
"Antes de tudo, quero esclarecer uma coisa: considero que devem ser respeitadas todas as posições das pessoas que lutaram pelo projeto político que venceu a eleição presidencial do ano passado, sejam elas contra ou a favor do que vai se tornando um divisor de águas da política nacional, o armistício da presidenta Dilma com a oposição e a mídia.
Devido ao meu ativismo político, muitos, erroneamente, consideram-me
um radical – o que nunca fui. Radicalizei com a mídia, chegando a
promover atos públicos e ações na Justiça contra ela, só depois de, por
anos, ter tentado, vez após outra, dialogar com os que passaram os oito
anos do governo Lula tentando sabotá-lo.
Não me verão, portanto, xingando companheiros de luta que não viram
nada de mais na aproximação de Dilma com a oposição e a mídia, que
culminou com a participação dela na festa de 80 anos da Folha. Até
porque, essas pessoas podem estar certas e eu, que como tantos outros
companheiros considero um escândalo o que está acontecendo, posso estar
errado.
Todavia, não posso me furtar a dizer o que penso. Até porque, se for
aceitar patrulhamento é melhor parar com o blog. No momento em que tiver
que escrever aquilo em que não acredito terei me tornado igual àqueles
que critico, os paus-mandados da imprensa assumidamente golpista.
Já provei, aqui, que posso ser convencido a mudar de opinião se me
mostrarem que estou errado. Para isso, no entanto, preciso de
argumentos. E os que tenho recebido a favor da presença de Dilma no dito
“rega-bofe” do principal braço do PIG na imprensa escrita e da relação
dela com o resto dessa imprensa, não me convenceram nem um pouco.
Dizem, por exemplo, que ir à festa da Folha ou ao programa das
garotas-propaganda do Cansei Ana Maria Braga e Hebe Camargo seria
“estratégia” de Dilma. Mas que estratégia é essa? Seria, dizem, para não
fazer desfeita se recusando a prestigiar os convites. Então pergunto:
como o governo Dilma irá propor uma “ley de medios” se não quer
contrariar o PIG?
Outros dizem que Dilma foi à festa da Folha para dar um “tapa de luva
de pelica” no PIG. Minha dúvida: se foi isso o que aconteceu, por que o
jornal não foi ao ataque nos dias seguintes e, ao invés disso, vem
aumentando a intensidade dos elogios à presidenta? Ou será que o
Otavinho não entendeu o “tapa” que teria levado?
Outra comparação imprópria é sobre o início dos governos Lula e
Dilma. Quando Lula assumiu a Presidência, em 2003, o país estava
arrebentado. A inflação e o desemprego estavam em dois dígitos e havia
uma fuga de capitais que se estendia desde o primeiro ano do segundo
mandato de FHC. O ex-presidente não podia reagir à altura às acusações
de que era ele o causador do desastre que herdou do antecessor.
Ainda assim, Lula dava as suas estocadas, como no caso da Herança
Maldita ou sobre o que os seus antecessores deixaram de fazer. Pouco
mais adiante, há alguns anos, em entrevista à revista Piauí desancou a
mídia tucana dizendo que não a lia e que jamais precisara almoçar com
donos de jornais.
Comparações entre a presença do ex-presidente no enterro de Roberto
Marinho e a presença de Dilma na festa da Folha tampouco me parecem
fazer sentido. Roberto Marinho faleceu no primeiro ano do primeiro
mandato de Lula, em 2003, ano de “lua de mel” entre o ex-presidente e a
mídia. As relações com ela só se agravaram no início de 2005.
Dilma recebeu um país organizado, com um governo montado em uma
popularidade estratosférica, com uma oposição desarticulada e com
representação parlamentar muito menor, praticamente sem condições de
enfrentar a base governista. Além do que, ela está no poder desde 2003,
enquanto que Lula, naquele ano, mal chegara ao poder.
O que mais tenho ouvido e lido para explicar a postura da presidenta,
repito, são os termos “acho”, “talvez”, “quem sabe”, “pode ser que”
etc., no que diz respeito à razão pela qual não apenas foi à festança da
Folha, mas para explicar outros fatos que sinalizam uma sua vontade de
se “entender” com as forças do atraso neste país.
É possível conseguir suposições para qualquer coisa, nesta vida.
Contudo, essas sobre os motivos da presidenta para, até agora, ter
endurecido com aliados – sindicalistas e PMDB – e amolecido com
adversários – oposição imprensa – não me convencem, até porque são meras
especulações contra fatos concretos.
Quero muito que o governo Dilma dê certo, mas quero deixar claro que
não apoiei as idéias de Lula ou a candidatura de Dilma por causa do
ex-presidente. Apoiei o ex-presidente e a candidata que escolheu pelas
idéias dele e pelo governo que fez. Ou seja, eu jamais apoiaria um
político sem saber por que estou apoiando, e é isso o que estou vendo
acontecer com algumas pessoas respeitáveis.
Uma coisa posso garantir: do lado em que estiver o PIG, não fico nem
que a vaca tussa. Se o governo de Dilma se tornar o queridinho da
imprensa golpista assim como foi o de FHC, vou para a oposição. Porque
essa imprensa é a causa e o efeito de tudo que há de ruim neste país e
representa as oligarquias podres que tornaram o Brasil um dos campeões
de injustiça social.
Neste momento, dois textos da mídia resumem o clima político que vai
se formando. O primeiro, é de Leonardo Attuch, da revista IstoÉ, citado recentemente
neste blog. O segundo, é uma reportagem do jornal O Globo sobre o
derretimento do apoio dos movimentos sociais a Dilma, com o desânimo até
da CUT, aliada desde sempre ao PT.
Leiam, abaixo, os textos. Depois continuo comentando.
—–
Dilma e FHC, tudo a ver
Leonardo Attuch, IstoÉ
Brotou uma faísca entre os dois que pode reaproximar PT e PSDB. Seria bom para o País
Pintou um clima. Ela gosta dele, ele gosta dela. A cena se deu na
Sala São Paulo, na festa de 90 anos do jornal “Folha de São Paulo”.
Do encontro entre Dilma Rousseff e Fernando Henrique Cardoso,
brotou aquela faísca que alguns especialistas definem como paixão.
Sorrisos furtivos, coração acelerado e promessas de encontros futuros.
FHC sugeriu levar a Brasília, ao Palácio do Planalto, um grupo de
velhinhos, conhecido como The Elders, que, além dele, inclui outros
líderes políticos, como Nelson Mandela, Jimmy Carter e Felipe Gonzalez.
Dilma retrucou de imediato: “Vá também sozinho.”
Nos últimos anos, FHC sempre reclamou pelos cantos do seu
sucessor, dizendo que, nesse tempo todo, Lula nunca o convidou para
tomar um café no Palácio do Planalto. E Lula vivia dizendo a
interlocutores que FHC não era confiável. Apostava no seu fracasso para
que um dia voltasse ao poder, carregado nos braços do povo.
Essa relação tensa entre os dois determinou o distanciamento
progressivo entre PT e PSDB, partidos que estiveram juntos em diversos
momentos históricos, mas que migraram para polos opostos. Mas que
antagonismo é esse? Tanto PT quanto PSDB ocupam o campo ideológico da
social-democracia. Ambos têm, entre seus fundadores, pessoas que lutaram
contra a ditadura. No poder, lançaram mão de políticas sociais
compensatórias.
Acertaram de maneiras parecidas, assumindo compromissos com a
estabilidade, e também erraram de modo semelhante – quase sempre,
escolhendo vencedores na economia. Na prática, os petistas deveriam ter
mais afinidades com os tucanos do que com as velhas e novas oligarquias
do PMDB. Assim como o PSDB deveria estar mais próximo do PT do que do
DEM.
Essa aproximação seria benéfica para o País e tem defensores no
núcleo duro do governo Dilma. Um deles, o ministro Antônio Palocci, da
Casa Civil, que sempre reconheceu méritos no governo FHC.
Ao mesmo tempo, boa parte do PSDB – José Serra talvez seja a
única exceção – gostaria de aderir a um governo que deve passar quatro
anos com crescimento próximo a 5%. No fim, pode ser bom também para os
dois.
A presidenta Dilma, mulher livre, carrega, com todo o respeito,
um quê de Ruth Cardoso. E FHC, viúvo boa-pinta, que também anda com
saudades da piscina aquecida do Palácio da Alvorada, daria um ótimo
primeiro-marido. Só vai ser difícil administrar as crises de ciúme de
Lula.
—–
Esquerda petista critica ajuste e juros altos
Silvia Amorim, O Globo
O descontentamento de setores do PT e entidades historicamente
ligadas ao partido com o início do governo da presidente Dilma Rousseff
começa a sair dos bastidores e pautar o discurso da militância mais à
esquerda.
O foco de insatisfação é a área econômica, precisamente o corte de gastos para 2011 e a previsão de alta dos juros.
A Coordenação dos Movimentos Sociais, ligada à Central Única dos
Trabalhadores, aprovou documento em que diz que as ações adotadas nos
dois meses de governo “seguem num caminho diferente do apontado pelas
urnas” e promete uma “jornada unificada de lutas” no primeiro semestre,
em defesa de mudanças na política econômica.
Trechos do documento estavam até ontem no site da CUT. “As ações
implantadas nesse início de mandato pela equipe econômica sob
justificativas do controle da inflação e das contas públicas seguem num
caminho diferente do apontado pelas urnas e reproduzem a pauta imposta
pelos interesses do setor financeiro, sustentadas no Banco Central”, diz
o texto, que ataca “o aumento dos juros, o congelamento das
contratações públicas, o contingenciamento de R$ 50 bilhões e o pouco
diálogo no debate sobre o reajuste do salário mínimo”.
Cerca de 80 dirigentes de entidades sindicais de 11 estados
participaram do encontro. O presidente da CUT, Artur Henrique,
classificou como retrocesso o corte de R$ 50 bilhões.
—–
Sobre a previsão do presidente da CUT de que a “lua de mel” de Dilma
com a mídia durará apenas seis meses, talvez ele esteja enganado. Pode
durar muito mais. Para isso, basta que ela não contrarie o PIG. Mas como
promover a distribuição de renda que os patrões do mesmo PIG rejeitam
sem contrariá-los? Só aderindo aos seus desejos…
Tudo se resume a uma questão de fé, pois é a mais pura fé no
intangível o que tem sido dado como argumento para justificar essa
aproximação do governo Dilma com a direita golpista. “Acho”, “talvez”,
“quem sabe”, “pode ser”… É fé, não é razão.
A fé é ilimitada, ou não é fé. Acreditar no intangível quando os
fatos mostram o contrário, é fé, messianismo. Se essa crença tiver algum
limite, aí deixa de ser fé e passa a ser confiança.
Que alguns tenham confiança maior do que a minha, acho perfeitamente
justificável – mesmo sendo eu o blogueiro que tantos, durante os últimos
anos, disseram que era mais petista do que qualquer filiado de
carteirinha ao PT.
Então, qual é o limite da sua fé? Você aceitaria, por exemplo, que o
governo Dilma desistisse da “ley de médios”? Sim, porque se não dá para a
presidenta rejeitar convite para participar da festa decenal da Folha
para “não parecer vingativa”, como ela fará para propor uma lei que essa
mesma mídia não aceita sequer analisar?
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