Vi na Revista Fórum e copiei
Uma
bancada teocrática instalou-se no Congresso Nacional, pretendendo impor os
mandamentos de seu Deus a toda a população. O fundamentalismo religioso, com
seus códigos de conduta reacionários, é hoje o maior inimigo político do Estado
Democrático de Direito.
Por Túlio Vianna
A religião é a política realizada
em nome de Deus. O líder religioso, assim como qualquer líder político,
pretende governar o maior número de pessoas possível. Um governo que se faz não
por leis, mas por dogmas.
O monoteísmo é autoritário na sua
essência. Nunca houve plebiscitos e nem mesmo reuniões com representantes
eleitos pelo povo para criar os dogmas de uma religião. Eles são ditados de
cima para baixo, por alguém que fala em nome do próprio Deus e, portanto, é
incontestável, mesmo pela vontade da maioria.
Como os líderes religiosos não
dispõem, nos dias de hoje, de um braço armado para fazer valer suas leis pela
força, precisam convencer seus governados a se sujeitarem às suas normas pelo
proselitismo. E mais: precisam convencer também aqueles que não se sujeitam
àquelas normas, ao menos a respeitá-las.
A fé é a mais autoritária das
ideologias políticas já inventadas. Um instrumento político quase perfeito que
permite ditar normas unilateralmente, governar sem a necessidade de armas e,
ainda por cima, blindar-se de críticas em nome da tolerância religiosa.
Como em toda ideologia, há
aqueles que acreditam piamente nela e lutam para vê-la concretizada e há também
aqueles que simplesmente a tomam como pretexto para satisfazer seus interesses
pessoais. Creiam ou não em sua ideologia e em seus deuses, todos agem
politicamente no sentido de agregar cada vez mais um número maior de seguidores
e de acumular riquezas para sustentar a expansão de sua ideologia e de seu
poder político.
E não há nada de errado, por si
só, em tentar expandir uma religião ou uma ideologia, acumulando patrimônio e
gente disposta a seguir seu código de condutas. É natural que as pessoas se
unam em torno de convicções comuns e a partir daí surjam lideranças políticas.
O problema surge quando estas lideranças reconhecidas dentro de um grupo
resolvem expandir seu poder político para além do grupo, impondo suas normas de
condutas não a quem resolveu por conta própria aderir a elas, mas a quem tem
ideologias e deuses completamente diferentes. Neste ponto, não se trata mais de
uma questão religiosa, mas de uma questão meramente política. A religião só é
religião até ser imposta; depois disso é simplesmente política e pode ser
exercida tanto pela força das armas como pelos votos de uma maioria
fundamentalista. E o uso do nome de Deus para mascarar o exercício deste poder
político é a ferramenta política mais hipócrita que já se inventou, mas tem
funcionado muito bem ao longo da história.
O exemplo mais bem sucedido deste
exercício de poder político em nome de Deus é o da Igreja Católica Apostólica
Romana, que acumulou riquezas e impôs suas normas de condutas para populações
espalhadas por todo o mundo em nome de seu Deus, durante vários séculos. A
Inquisição e a catequização de índios não foram ações religiosas, mas
políticas. E pouco importam as boas ou más intenções daqueles que as
realizaram, o fato é que buscavam com elas impor normas de condutas a
populações que não a aceitaram por livre e espontânea vontade.
O neopentecostalismo e a bancada
teocrática
Na atualidade, o Vaticano perdeu
grande parte de seu poder político na Europa e, mesmo no Brasil, onde sempre
foi muito forte, tem perdido espaço para o neopentecostalismo que, nos últimos
anos, vem acumulando grande poder político e econômico.
Se, por um lado, a ausência da
uma liderança unificada dificulta o exercício do poder político por estas novas
lideranças, por outro, sua ideologia espiritual favorece bastante a acumulação
de riquezas pelos seus pastores. Enquanto a moral católica considera a
temperança, a caridade e a humildade como virtudes, o neopentecostalismo está
fundado na Teologia da Prosperidade e afirma que os verdadeiros fiéis devem
desfrutar de uma excelente situação econômica. Há, é claro, um detalhe: para
que Deus conceda ao fiel as benesses materiais, é preciso que este faça um
pacto com Ele, oferecendo-Lhe toda sorte de oferendas materiais, dentre as
quais se destaca o dízimo. É a chamada Doutrina da Reciprocidade, que
viabilizou todas estas rápidas expansões de igrejas neopentecostais nos últimos
anos.
Escudados na liberdade religiosa,
pastores cobram impostos privados de seus fiéis – o famoso dízimo – e não
precisam pagar qualquer imposto ao Estado, pois a Constituição da República
garante em seu artigo 150, VI, b, a imunidade tributária a templos de qualquer
culto. Verdadeiros impérios econômicos vêm sendo erguidos assim, tal como
ocorreu no passado com a Igreja Católica. E, tal como ocorreu no passado
também, esse dinheiro vem sendo usado para expandir o poder político dos
líderes desta Igreja, seja por meio da aquisição de meios de comunicações
(inclusive de redes de televisão), seja pelo financiamento de campanhas para
cargos públicos destes líderes que cada vez mais vêm ocupando cargos,
especialmente no Parlamento brasileiro.
Como sempre, os novos líderes
espirituais afirmam que todos estes investimentos materiais têm como único e
exclusivo objetivo a expansão da palavra do Deus deles e de seu código moral,
que, como em toda boa religião monoteísta, deve ser universalizado para o “bem
de todos”. Ainda que se admita, porém, que não haja interesses pessoais por
trás da expansão destes impérios da fé, fato é que o seu principal objetivo
declarado é a expansão de seu poder político, açambarcando a cada dia um número
maior de fiéis e impondo seu código de condutas a um maior número de pessoas.
Mesmo que para isso precise passar por cima do Estado Democrático de Direito
que, ao contrário do monoteísmo, não impõe normas unilateralmente e pressupõe o
respeito à pluralidade de opiniões.
Do ponto de vista exclusivamente
político, o Estado Democrático de Direito é o maior entrave à expansão do
império econômico e político das igrejas neopentescostais e de seus bispos. Não
é à toa que cada vez mais eles têm buscado conquistar cadeiras do Parlamento. E
a bancada teocrática tem se tornado a cada dia uma das principais forças
políticas de nosso Congresso, restringindo os direitos fundamentais de quem não
acredita em seu Deus em prol da expansão política e econômica de seu império.
A teocracia é incompatível com o
Estado Democrático de Direito, dado o autoritarismo inerente ao monoteísmo. Não
se realizam votações para saber se é da vontade de Deus receber dízimos ou
condenar os homossexuais a passarem a eternidade no inferno. São seres humanos
que afirmam isso e que impõem aos outros a palavra de Deus que eles próprios
escreveram. E estas são ações políticas e como tais devem ser tratadas.
E é por isso que o Estado
Democrático de Direito é, por sua própria natureza, laico. Porque é impossível
ser democrático e monoteísta ao mesmo tempo. Assim como é impossível ser
candidato a um cargo público e bispo, pastor ou padre ao mesmo tempo. Há um evidente
conflito de interesses entre aquele que fala em nome de seu Deus e aquele que
pretende falar em nome do povo em meio ao qual nem todos acreditam em seu Deus.
Para minimizar esta
incompatibilidade é necessário, ao menos, que se exija que bispos, padres,
pastores e outros clérigos se licenciem de suas atividades sacerdotais um ano
antes de se candidatarem a cargos públicos. Restrição semelhante já é aplicada
pela lei complementar 64/90 a magistrados, diretores de sindicatos e outros
cargos públicos, tendo em vista a incompatibilidade de suas funções com uma
campanha eleitoral, e poderia perfeitamente ser aplicada também aos sacerdotes
de qualquer crença. Projeto de lei neste sentido foi apresentado pela deputada
Denise Frossard (PSDB-RJ) na Câmara dos Deputados em 2004 (PLP 216/2004), mas
foi arquivado em 2007, pois ainda se encontrava em tramitação no fim da 52ª
legislatura e não houve pedido de desarquivamento na legislatura seguinte.
Uma outra iniciativa necessária é
limitar a transmissão de programas religiosos em rádios e televisões para no
máximo uma hora diária, tal como foi proposto em 1999 (PLS 299/99) pelo senador
Antero Paes de Barros (PSDB-MT). A Constituição da República é explícita em seu
artigo 221, ao determinar que a programação das emissoras de rádio e televisão
terá, por preferência, finalidades educativas, artísticas, culturais e
informativas. É inconcebível que, no Estado laico, concessões públicas de rádio
e TV sejam usadas, como são nos dias de hoje, em prol do proselitismo religioso
que não raras vezes passa boa parte do tempo solicitando doações financeiras a
seus fieis. Um autêntico merchandising da fé, patrocinado pelo Estado que, por
definição constitucional, é laico.
Lamentavelmente, porém, há pouca
vontade e coragem política dos parlamentares brasileiros de desafiar o poder
político e econômico do novo e do velho clero. A esquerda tem sido bastante
leniente com as violações do Estado laico e as poucas inciativas para amenizar
o problema, como se viu, por mais paradoxal que seja, partiram do conservador
PSDB.
O Brasil precisa urgentemente de
uma bancada secular no Congresso Nacional para fazer frente à bancada
teocrática (que prefere ser chamada de evangélica). Os valores democráticos da
laicidade precisam ser reafirmados por parlamentares que não temam desafiar o
crescente fundamentalismo religioso que a cada dia ganha espaço na política
brasileira. Não se trata de um combate a qualquer religião, mas à política
realizada em nome de Deus e que pretende impor seus códigos de condutas
conservadores a toda uma população.
A luta pela efetivação do Estado
laico é a luta pela democracia. Por leis que sejam ditadas não de cima para
baixo por uma autoridade que fala em nome de Deus, mas construídas a partir do
diálogo plural e com respeito aos direitos fundamentais. E isto, deus
monoteísta nenhum poderá conceder, pois seus mandamentos são – por definição –
mandamentos.
Monoteísmo e democracia são
ideologias políticas antagônicas. É esta a grande cruzada da religião contra o
Estado.
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O Ornitorrinco Escatológico (aqui) disse, permitam-me a falta de modéstia, a mesmíssima coisa, sintentizando que essa tropa de atrasados autoritários e perigosos quer, ao fim e ao cabo, enfiar em nossos rabos a tranqueirada toda que sua fé obtusa produz.´
Houve quem torcesse o nariz.
Fodam-se e considerem-se, pois, avisados. Mais uma vez avisados, é bom frisar.
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