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Antonina, Litoral do Paraná, Palestine
Petroleiro aposentado e petista no exílio, usuário dos óculos de pangloss, da gloriosa pomada belladona, da emulsão scott e das pílulas do doutor ross, considero o suflê de chuchu apenas vã tentativa de assar o ar e, erguido em retumbante sucesso físico, descobri que uma batata distraída não passa de um tubérculo desatento. Entre sinos bimbalhantes, pássaros pipilantes, vereadores esotéricos, profetas do passado e áulicos feitos na china, persigo o consenso alegórico e meus dias escorrem em relativo sossego. Comendo minhas goiabinhas regulamentares, busco a tranqüilidade siamesa e quero ser presidente por um dia para assim entender as aflições das camadas menos favorecidas pelas propinas democráticas.

segunda-feira, 20 de fevereiro de 2012

O pior de cada um de nós

Aqui, no Bule Voador, o café é sempre fumegante e forte
Autor: Camilo Gomes Jr.
Também publicado em: A Voz da Espécie
Algumas ideias podem fazer despertar o que há de pior em nós.
Numa de suas obras, Nietzsche escreveu: “nada percebemos de injusto, quando a diferença entre nós e outro ser é muito grande, e matamos um mosquito, por exemplo, sem qualquer remorso” (Humano, demasiado humano. São Paulo: Companhia das Letras, 2005, p. 63). Nesse conciso pensamento, podemos encontrar a descrição precisa de um traço humano, demasiado humano, que ao mesmo tempo revela muito do que há de pior nos indivíduos de nossa espécie. Sem dúvida, é um fato bem intrigante que a imensa maioria das pessoas em todo o planeta não hesitaria um segundo sequer antes de esmagar uma formiga (sobretudo, se esta lhes houvesse picado) ou uma barata avistada a passear por sobre as panelas e alimentos em sua cozinha, ao passo que um número menor de pessoas seria capaz de matar um cão com a mesma consciência tranquila, sendo ainda menos numeroso o conjunto daqueles dispostos a matar um chimpanzé, sem remorso algum, pelos motivos mais banais que justificam nossos atos de inseticídio.
Essa distinção intuitiva que fazemos entre seres vivos menos e mais próximos de nós na árvore evolutiva, que parece gerar essa instintiva reação de repulsa por matar um chimpanzé que normalmente não sentimos diante de uma barata, pode ser contudo reprogramada de diversas outras maneiras. Como? Ora, pela adesão intelectual a alguma ideia. Ideias que povoam a cultura à nossa volta podem recondicionar muitas de nossas respostas instintivas e psicológicas a estímulos externos. Por isso, quase todo vegetariano e grande parte daqueles que mantêm uma dieta carnívora têm reações praticamente opostas diante da cena de um boi sendo abatido num matadouro. Uma ideia é um vírus, que, quando infecta nossas mentes, via de regra nos subjuga — visto que nos livrarmos de ideias das quais nos convencemos não é um feito menos prodigioso do que escalar o Everest. (Como bom mineiro, sempre gostei de frango com quiabo, bifes de boi acebolados e feijão tropeiro com muito torresmo e linguiça suína. Porém, outro dia vi na TV uns coreanos comendo carne de cachorro frita. A sensação de nojo foi imediata. Mas… como pode? Por que não sinto o mesmo diante de um cheiroso pernil de porco? A resposta não é senão o tabu — um tipo de ideia que nos é inculcada acerca do que é e do que não é permitido, segundo determinado código de valores numa dada cultura.)
Enfim, ideias são perigosas, poderíamos dizer sem muito exagerar. Elas têm o poder de controlar nossas vidas. Por isso, uma postura cética, pela qual busquemos sempre submeter as ideias que mais peso têm sobre nossas vidas a seguros testes de validade disponíveis, é algo tão precioso para a espécie humana. Porém, para nossa infelicidade, apenas muito recentemente em nossa história isso se tornou uma prática entre nós e, o que é ainda pior, uma prática não adotada pela imensa maioria dos 7 bilhões de pessoas que hoje povoam a superfície da Terra. A maioria ainda mantém como verdades absolutas suas ideias pessoais sobre crenças religiosas, sobre a sexualidade, sobre os papéis sociais, sobre os papéis sociofamiliares de cada gênero, sobre a melhor ideologia política, a filosofia mais adequada à vida moderna etc. O maior problema disso, como eu já disse, é que não somos donos de nenhuma dessas ideias; elas é que se fazem donas de nós. Num mundo superpopuloso, onde tantos abraçam cegamente as mais conflitantes visões, o preconceito, o racismo, a misoginia, a impunidade dos pares e a condenação dos diferentes, dentre tantos outros males sociais, revelam-se apenas consequências previsíveis dessa postura acrítica e crédula. Infelizmente.
Já escrevi um texto (“Nós e o resto: por que os humanos não se veem como iguais“) em que discorri sobre a história evolutiva de nossas visões sectárias, das tribos de ontem às classes sociais que fingem coexistir em paz no espaço urbano hodierno. E enfatizo que é importante ter em mente que as ideias têm um poder perturbador: o de transformarem nos insetos desprezíveis de que Nietzsche falava outros membros de nossa própria espécie, outros humanos como nós mesmos. Ideias podem transformar uma pessoa numa barata esmagável sem a menor sombra de remorso. O holocausto dos judeus sob o nazismo é um exemplo emblemático disso. Outro triste exemplo, bem mais corriqueiro, o Brasil inteiro pôde testemunhar recentemente.
No início deste mês (fevereiro de 2012), na Ilha do Governador, no Rio de Janeiro, cinco jovens resolveram se divertir importunando um pobre mendigo na rua — e não sejamos hipócritas; isso infelizmente não é novidade: como sabemos, este é o mesmo país onde alguns jovens, filhos de famílias ricas e importantes, queimaram vivo, “por diversão”, um índio que dormia num ponto de ônibus em Brasília e se justificaram dizendo que não sabiam que era um índio, que haviam pensado que era um mendigo. (Sim, essa sensível justificativa consta dos depoimentos tomados.) Dessa vez, contudo, dois jovens que presenciaram a agressão ao mendigo resolveram interferir. Resultado: conforme depoimento de Kleber Carlos Silva, um dos rapazes que intervieram, enquanto um sexto agressor se juntou ao grupo dos importunadores de mendigos e segurou Kleber, os outros espancaram violentamente seu amigo, o estudante Vítor Suarez Cunha, de 21 anos. Vítor levou vários chutes na face e na cabeça e teve de ser submetido a uma cirurgia em que 63 pinos e 8 placas de titânio foram implantados em seu rosto e crânio.
Segundo o delegado encarregado do caso, embora o grupo contasse mesmo seis jovens, apenas cinco dos suspeitos teriam participado da agressão; o outro apenas teria assistido a tudo, sem se envolver diretamente, por isso este foi ouvido na delegacia e, depois, liberado. Dos que a polícia considera terem tido participação ativa, o único que ainda não havia sido preso apresentou-se na tarde de quarta-feira, 8 de fevereiro, acompanhado de seu advogado. Além disso, um outro fato que chamou a atenção foi o de que esse mesmo grupo, segundo consta, não é estreante na arte de agredir covardemente os mais fracos. Depois da divulgação da notícia de que haviam sido presos, outras pessoas apareceram denunciando abusos sofridos por parte de alguns dos rapazes detidos.
A agressão contra Vítor e seu amigo pode-se entender (eu disse entender, de um ponto de vista objetivo, não justificar), quando se leva em conta o histórico violento de jovens que integram um grupo com um típico perfil de gangue. Ao defenderem o mendigo, Vítor e Kleber se intrometeram no que não lhes dizia respeito, e isso não podia ficar barato. A agressão condiz com o comportamento troglodítico padrão desses grupos, sempre propensos a responder com violência, de forma inconsequente. Mas o que me assusta acima de tudo é o início dessa confusão, que acabou de modo tão trágico para os dois únicos jovens que tiveram uma atitude solidária. O que me causa arrepios é pensar no porquê de um mendigo ser escolhido gratuitamente para servir ao sádico divertimento de um grupo de jovens que claramente não se guiam por uma moral fundada numa sólida base humanitária.
É quando voltamos ao perigo das ideias e do poder que elas têm de transformar homens em insetos desprezíveis. A ideia de que algumas pessoas seriam superiores a outras não é nenhuma desconhecida nossa. Ela acompanha as diversas sociedades humanas desde os primórdios de nossa história. Mesmo em nossos dias, mesmo em nosso país, ela está por aí, por toda parte — e com frequência a expressão dessas ideias discriminadoras entre os melhores e os piores, os mais e os menos, a maioria (autoritária) e a minoria (que deve se manter reprimida) são flagrados nas redes sociais. Não pensem que mendigos servindo de objeto de zoação para jovens sádicos seja aprovado apenas por uma insignificante minoria dos que passam o dia no Twitter, no Facebook ou em redes afins. Indivíduos que se julgam de algum modo superiores a outros pululam nesses sites: inúmeras postagens expressando o que há de pior contra homossexuais, nordestinos, ateus, pobres, mulheres que desfrutam de sua liberdade sexual como querem…
Para citar um caso que chamou minha atenção, no que diz respeito aos jovens que agrediram o mendigo e espancaram o estudante que interferiu, nada menos do que um soldado da Aeronáutica usou seu perfil no Facebook para se manifestar em defesa dos agressores. Para ele, seus “manos” não haviam feito nada de mais. Mas não só isso. Ele criticou a polícia e a Justiça pela prisão dos suspeitos e, quando uma jovem se manifestou, dizendo ser amiga do estudante Vítor e estar horrorizada com a brutalidade do que haviam feito a ele, o soldado Yuri M. Ribeiro respondeu: “Que pena, ninguém mandou seu amigo se meter na briga“. (Na briga? De seis homens jovens e bem nutridos contra um pobre mendigo?) A moça, indignada, se exalta: “Ele foi homem, uma coisa que você pelo jeito não seria na hora“. É então que o soldado deixa sua tréplica mais do que lamentável: “Se eu estivesse na hora, ele não sairia vivo!” (Em minha cabeça, uma pergunta: e esse sujeito é um militar em meu país?) Diante do comportamento de seu soldado e das provas apresentadas contra ele, a FAB acabou expulsando Yuri Ribeiro. Convenhamos, o mínimo que poderia ter feito.
Identificado e encontrado pela polícia, o referido mendigo, por sua vez, agora se recusa a apresentar denúncia. Diz que não se lembra de nada daquela noite. Pode-se entender por quê. Infelizmente, ele sabe que, denunciando ou não, sua vida continuará a ser nas ruas. Nas ruas de um país onde, para muitas pessoas, não há nada de mais em se divertir com um mendigo, mesmo que isso signifique agredi-lo ou atear-lhe fogo. O miserável vítima desses jovens criminosos sabe o que é viver uma vida sob os olhares indiferentes ou enojados de tantos que o enxergam, todos os dias, como um inseto asqueroso. Ele sabe que muitos torcem, calados, para que alguém um dia venha e o esmague, como a uma barata imunda, para que não tenham mais que conviver com sua imagem suja e fétida no ambiente à sua volta.
O mendigo sabe o que é ser sujeito passivo na torturante sintaxe que expressa uma terrível ideia.

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O Serviço de Alto Falantes Ornitorrinco saúda os presentes nesta grandiosa quermesse em louvor a Nossa Senhora da Religiosidade Obtusa e pede ou, mais precisamente, alerta: não se enganem e não subestimem a permanente e odiosa pregação religiosa que transforma o povo LGBTT, meus caros, em baratas imundas que precisam ser eliminadas.

Eu, instado pelo dever incontornável de proteger meu filho mais novo, que não tem do que envergonhar-se, que não vai esconder-se e muito menos anular-se, vou avisando que LGBTT-fobia de origem religiosa tratarei a pontapés, por enquanto metafóricos.

Por enquanto. 

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