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Antonina, Litoral do Paraná, Palestine
Petroleiro aposentado e petista no exílio, usuário dos óculos de pangloss, da gloriosa pomada belladona, da emulsão scott e das pílulas do doutor ross, considero o suflê de chuchu apenas vã tentativa de assar o ar e, erguido em retumbante sucesso físico, descobri que uma batata distraída não passa de um tubérculo desatento. Entre sinos bimbalhantes, pássaros pipilantes, vereadores esotéricos, profetas do passado e áulicos feitos na china, persigo o consenso alegórico e meus dias escorrem em relativo sossego. Comendo minhas goiabinhas regulamentares, busco a tranqüilidade siamesa e quero ser presidente por um dia para assim entender as aflições das camadas menos favorecidas pelas propinas democráticas.

domingo, 23 de agosto de 2015

Somos todos lombrosianos

Copiei de Empório do Direito

Luis Carlos Valois

A história conta que foi um discípulo de Lombroso quem apelidou as ideias iluministas de garantias do cidadão contra o Estado de teoria clássica para, assim, diferenciá-las da ciência que seu mestre inaugurava com muito orgulho, a antropologia criminal ou, mais genericamente, o positivismo criminológico.

Nascia a primeira teoria de defesa social da modernidade, onde o criminoso era um anormal e as garantias comuns a qualquer cidadão não se aplicariam a ele, um doente, estranho, que deveria ser afastado da sociedade até que critérios, na época cheios de pretensões científicas, indicassem que ele estava apto a retornar ao convívio social.

O tempo passou e as teses lombrosianas a respeito do tamanho do crânio ou da orelha do criminoso perderam forças e chegaram ao extremo oposto da fama que obtiveram na época (fim do século XVIII e início do século XIX), ou seja, alcançaram a pecha popular do ridículo. O adjetivo lombrosiano, quase um xingamento, é esclarecedor nesse ponto.

Outras teses surgiram embaladas pela ideia inicial de Lombroso, o correcionalismo alemão e espanhol, o penitenciarismo inglês e norte americano, e, por fim, a nova defesa social de Marc Ancel e Gramatica, baseadas sempre na concepção de cura do diferente, o criminoso.  Muitas conexões existem entre tais ideias, mas o mais relevante é o fato de que na execução da pena os direitos e garantias do cidadão nunca foram observados a contento.

Por outro lado, as ideias tidas como clássicas ganharam terreno no Direito Penal: finalismo, causalismo, garantismo penal, imputação objetiva, tipicidade conglobante etc. É inumerável a quantidade de teorias sobre o crime, para a tipificação de uma conduta, para se aplicar ou não uma pena, mas após a entrada em uma penitenciária daquele que em tese teria cometido o tal fato típico, acabou o Estado de Direito.

Impressionam a pompa do poder judiciário, as luzes do Ministério Público, e o teatro de um julgamento. Fala-se do contraditório, da ampla defesa, anula-se uma prova e convalidam-se outras tantas. O dolo eventual é diferente da culpa consciente, não podemos esquecer. O rito processual não pode ser quebrado, há que se respeitar o devido processo legal. E por aí vai, mas quando o ser humano tão protegido por tantas regras se vê preso, o que ele menos vê é o cumprimento de qualquer regra.

Aliás, a regra é a violação. Celas escuras e sem ventilação, contra a norma legal. Ausência de trabalho, devidamente previsto e exigido em lei. Carência em todas as demais assistências igualmente obrigatórias por parte do Estado, conforme estabelecido pela Lei de Execução Penal. Além de inúmeras outras violações, sem se falar das mortes, doenças, torturas e agressões originadas do meio prisional.

Em suma: toda prisão é ilegal. Contudo, continuamos fazendo de conta que não percebemos esse estado de coisas e mantemos esses cidadãos presos ilegalmente. Por quê? Porque cometeram um ilícito, são perigosos. Todas as garantias e teses que dão ares de ciência ao direito penal são esquecidas em nome dessa periculosidade que se forma com a entrada na prisão. O Estado de Direito ficou do lado de fora e, na verdade, somos todos lombrosianos.

Luís Carlos Valois é Juiz da Vara de Execuções Penais do Amazonas, mestre e doutorando em Direito Penal pela Universidade de São Paulo, membro do Conselho Nacional de Política Criminal e Penitenciária, membro da Associação de Juízes para a Democracia – AJD, e membro da Law EnforcementAgainstProhibition (Associação de Agentes da Lei contra a Proibição) – LEAP.

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