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Antonina, Litoral do Paraná, Palestine
Petroleiro aposentado e petista no exílio, usuário dos óculos de pangloss, da gloriosa pomada belladona, da emulsão scott e das pílulas do doutor ross, considero o suflê de chuchu apenas vã tentativa de assar o ar e, erguido em retumbante sucesso físico, descobri que uma batata distraída não passa de um tubérculo desatento. Entre sinos bimbalhantes, pássaros pipilantes, vereadores esotéricos, profetas do passado e áulicos feitos na china, persigo o consenso alegórico e meus dias escorrem em relativo sossego. Comendo minhas goiabinhas regulamentares, busco a tranqüilidade siamesa e quero ser presidente por um dia para assim entender as aflições das camadas menos favorecidas pelas propinas democráticas.

quarta-feira, 7 de setembro de 2011

No Dia da Pátria, homenagem a um dos heróis do povo brasileiro

Eu visito o Náufrago da Utopia todos os dias

Capitão Carlos Lamarca, brasileiro de valor, herói do nosso povo assassinado pelos milicões abjetos da ditadura militar.

Duas efemérides se misturaram hoje na minha mente: o Dia da Pátria e o 40º aniversário da execução de Carlos Lamarca, capturado com vida e abatido friamente pela repressão ditatorial no sertão baiano, em 17 de setembro de 1971.
O que há, ainda, para se dizer sobre Lamarca, o personagem brasileiro mais próximo de Che Guevara, por suas opções na vida e pela forma como encontrou a morte?
Foi, acima de tudo, um homem que não se conformou com as injustiças do seu tempo e considerou ter o dever pessoal de lutar contra elas, arriscando tudo e pagando um preço altíssimo pela opção que fez.
Teve grandes acertos e cometeu grandes erros, inevitáveis numa luta travada com tamanha desigualdade de forças e em circunstâncias tão dramáticas.
Mas, nunca impôs a ninguém sacrifícios que ele mesmo não fizesse. Chegava a ser comovente seu zelo com os companheiros - via-se como responsável pelo destino de cada um dos quadros da Organização e, quando ocorria uma baixa, deixava transparecer pesar comparável ao de quem acaba de perder um ente querido.
Dos seus melhores momentos, dois me sensibilizaram particularmente.
Logo depois do Congresso de Mongaguá (abril/1969), quando a VPR saía de uma temporada de luta interna e de quedas, o caixa estava a zero e a rede de militantes, clandestinos em sua maioria, carecia desesperadamente de dinheiro para manter as respectivas fachadas - qualquer anomalia, mesmo um atraso no pagamento de aluguel, poderia atrair atenções indesejáveis.
Mas, o chamado grupo tático fora o setor mais golpeado pela investida repressiva. Então, quando se planejou a expropriação simultânea de dois bancos vizinhos, na zona Leste paulistana, o pessoal experiente que sobrara não bastava para levá-la a cabo.
Eu e os sete companheiros secundaristas que acabáramos de ingressar na Organização fomos todos escalados - na enésima hora, entretanto, chegou a notícia de que o Comando me designara para criar e coordenar um setor de Inteligência, então fiquei de fora.
Lamarca, procuradíssimo pelos órgãos repressivos, fez questão de estar lá para proteger os recrutas no seu batismo de fogo. Os outros quatro comandantes tudo fizeram para convencê-lo a não expôr-se, em nome da sua importância para a revolução. Em vão. A lealdade para com a tropa nele falava mais alto.
Depois de muita discussão, chegou-se a uma solução de compromisso: ele não entraria nas agências bancárias, mas ficaria observando à distância, pronto para intervir caso houvesse necessidade.
Houve: um guarda de trânsito, alertado por transeunte, postou-se na porta de um dos bancos, arma na mão, pronto para atingir o primeiro que saísse.
Lamarca, que tomava café num bar a 40 metros de distância, só teve tempo de apanhar seu .38 de competições na bolsa capanga, mirar e desferir um tiro dificílimo - tão prodigioso que, no mesmo dia, a ditadura já percebeu quem fora o autor. Só um atirador de elite seria capaz de acertar.
Segundo o Darcy Rodrigues, foi a vida dele que o Lamarca salvou. O próprio, contudo, contou-nos que seria um dos novatos o primeiro a sair.
Como resultado, a repressão teve pretexto para fazer de Lamarca o inimigo público nº 1 - e, claro, o fez. A imagem dele foi difundida à exaustão, obrigando-o a redobrar cuidados e até a submeter-se a uma cirurgia plástica. Sem chiar: considerou seu ato mais do que justificado, e justo o preço pago.
Também teve de brigar muito com os demais dirigentes e militantes, para salvar a vida do embaixador suíço Giovanni Butcher, quando a ditadura se recusou a libertar alguns dos prisioneiros pedidos em troca dele e ainda anunciou que o Eduardo Leite (Bacuri) morrera ao tentar fugir.
Dá para qualquer um imaginar a indignação consequente - afinal, as (dantescas) circunstâncias reais da morte do Bacuri eram por eles conhecidas.
Mesmo assim Lamarca não arredou pé, usando até o limite sua autoridade para evitar que a VPR desse aos inimigos o monumental trunfo que as Brigadas Vermelhas mais tarde dariam, ao executarem Aldo Moro.
O episódio foi tão traumático que ele acabou deixando a VPR.
E, no MR-8, novamente divergiu da maioria dos companheiros - quanto à sua salvação.
Pressionaram-no muito para que saísse do Brasil, preservando-se para etapas posteriores da luta, pois em 1971 nada mais havia a se fazer. Tornara-se um matadouro.
Conhecendo-o como conheci, tenho a certeza absoluta de que não perseverou por acreditar numa reviravolta milagrosa, mas sim pela incapacidade de conciliar a idéia de fuga com a morte e o sofrimento de tantos militantes. Fez questão de compartilhar até o fim o destino dos companheiros, honrando a promessa, tantas vezes repetida, de vencer ou morrer.
Doeu - e como! - vermos os militares exibindo seu cadáver como troféu, da forma mais primária e repulsiva.
Mas, ele havia conquistado plenamente o direito de desconsiderar fatores políticos e tomar, como homem, a decisão sobre como queria morrer.
Merece nosso máximo respeito e admiração.
Celso Lungaretti
No Náufrago da Utopia

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