Vi e, na mão leve, surrupiei do Polaco Doido
Por Flávio Gomes, em seu blog no iG
SÃO PAULO (antes que seja tarde) – Semanas atrás a Audi me convidou para andar com alguns carros na pista da Fazenda Capuava,
em Indaiatuba. Dirigi um TTS, um RS5 e um R8. São supercarros,
velocíssimos, muito potentes, têm um torque inacreditável, freiam
absurdamente. São carros de corrida vendidos para “civis”. Só dá para
entender tudo que eles fazem numa pista. Só.
Já tinha guiado carros rápidos, principalmente na Europa. Uma vez o
Zé Mariante, colega que cobria F-1, ganhou num sorteio um Porsche para
ficar durante um fim de semana de corrida em Hockenheim. Numa autobahn
qualquer, em trecho com velocidade liberada, chegamos a 240 km/h. Com
segurança, mas com o cu na mão. Poucos segundos, só para bater recorde
pessoal, e depois velocidade normal.
Por quê? Por que somos bundões? Não. Porque não somos treinados para
guiar a 240 km/h. As noções de espaço e tempo são diferentes de qualquer
coisa que tenhamos experimentado com rodas e volante em nossas vidas
pregressas. Distâncias de frenagem, reações nas curvas, mudança de
faixa, tudo fica diferente. Eu fiz autoescola de Fusca. Meu primeiro
carro foi um Gol a ar 1.6. Como posso me achar preparado para acelerar
um Porsche a mais de 200 km/h?
Tenho muitas multas. A imensa maioria de estacionamento sem cartão da
Zona Azul, rodízio (uma estupidez, porque tenho carros com vários
finais de placa) e celular. Por excesso de velocidade, a última foi por
passar a 64 km/h numa ponte onde o limite era de 60 km/h. Sou um bom
motorista, minha chance de fazer merda é muito pequena, mas meio burro.
Não aprendemos a dirigir nas velocidades que esses novos supercarros
atingem, entre outras coisas porque elas não são permitidas no Brasil. A
100 km/h as pessoas já se embananam todas. O que se faz de cagada no
trânsito brasileiro é algo monumental. Todos se acham grandes
motoristas. Quando enfiam 150 ou 180 km/h numa estrada reta, se acham
pilotos, também. São uns babacas.
A imensa maioria dos motoristas brasileiros não tem a menor noção de
nada, porque não se ensina a dirigir no Brasil. Se ensina a tirar carta
de motorista, o que é bem diferente. São muito comuns as legiões de
idiotas que pegam suas motos importadas e saem a quase 300 km/h pelas
estradas paulistas e sei lá mais onde. Adoro quando um desses toma um
tombo e vira carne moída.
O Brasil vive um momento econômico de prosperidade e fartura. Com ele
começaram a ser importadas supermáquinas como os Audi citados, e mais
Lamborghinis, Ferraris, Camaros, Mustangs, Porsches, Corvettes, Vipers e
a puta que o pariu. Tudo com 300, 400, 500 cavalos. Começo a ter
saudades das carroças lerdas do Collor. Eram inofensivas. Esses novos
símbolos de riqueza e virilidade estão caindo nas mãos de outra legião
de idiotas, a dos filhinhos-de-papai de pinto pequeno que acham que vão
comer meninas de unhas vermelhas com seus carrões.
Eles saem nas baladas, bebem, enchem a cara de energético com uísque,
tomam todo tipo de bola e saem pela madrugada, ou pela manhã, porque é
cada vez mais normal balada acabar em horário comercial, armados para
destruir as vidas de outras pessoas que não têm supermáquinas, que
trabalham e pegam ônibus ao amanhecer, ou estão na rua de madrugada para
fazer entregas, ou estão voltando para casa.
Os casos recentes são numerosos. Teve o cara do Porsche que matou a
menina numa Tucson no Itaim, o doido do ABC de cuecas com um Camaro
preto, o deputadinho assassino do Paraná, a bonitinha da Land Rover na
Vila Madalena, o carniceiro das bicicletas em Porto Alegre, e agora esse fedelho de 19 anos
num Camaro vermelho que bateu em não sei quantos carros, feriu seis
pessoas, um deles com 90% do corpo queimado dentro de uma Chana, ou
Towner, uma dessas, que estava indo ao trabalho na Zona Norte. Aconteceu
pela manhã. O moleque de 19 anos tinha saído de uma balada às 6 da
matina. (a foto abaixo é de Mário Ângelo, da Agência Estado)
Ninguém se fode verdadeiramente quando causa esses acidentes. É uma
distorção das leis brasileiras, que deveriam enjaular essa gente e
cobrar de suas famílias indenizações milionárias para as vítimas. Se o
papi desse moleque tivesse de vender sua casa no Jardim Acapulco, ou o
apartamento de vinte zilhões na Vila Nova Conceição, para pagar as
vítimas, no dia seguinte todos os papis milionários trocariam os
supercarros de seus molequinhos por Celtas e Corsas.
(Os papis merecem um parágrafo à parte. Como é que alguém dá de
presente para um menino de 18 ou 19 anos um Camaro de sei lá quantas
centenas de mil reais? Porra, ninguém sabe o que é ter alguma
dificuldade na porra da vida? Começar por baixo? Andar de ônibus de vez
em quando? Ter um primeiro carrinho pequeno, modesto, baratinho? Cuidar
dele, lavar aos sábados, passar uma cerinha? Será que um idiota de 40 e
poucos anos, os da minha geração que hoje são pais, não percebe que um
menino de 20 não tem a menor capacidade mental para dirigir um carro
desses? Será que um idiota da minha geração não percebe que dar um
Camaro para um moleque de 20 anos é estragar sua vida, criar um monstro?
Será que um idiota da minha geração não percebe que se seu filho sai de
casa à noite e volta ao amanhecer está fazendo merda em algum canto? E
que a chance de fazer uma merda enorme com um carro de 500 cavalos é
ainda maior? Minha geração é uma bosta.)
Mas enquanto isso não acontecer, enquanto não esfolarem as finanças
dos papais de filhinhos que saem matando por aí, as autoridades de
trânsito do Brasil poderiam fazer alguma coisa imediata. Como, por
exemplo, exigir uma carteira de motorista especial para dirigir carros
com mais de 100 (eram 200 no texto original, acabei de baixar) cavalos
de potência. Exigir dos compradores desses automóveis que só servem para
exibição de masculinidade exames psicotécnicos, atestados de
bom-comportamento, histórico escolar, idade mínima. Além de cursos de
direção, se possível caríssimos, e prestação de serviços voluntários em
hospitais que atendem vítimas de acidentes por seis meses antes de
sentar a bunda num negócio desses e colocá-lo nas ruas.
Moro ao lado de uma das avenidas mais movimentadas de São Paulo, num
trecho sem radares. Da minha janela, de madrugada, vejo verdadeiros
animais motorizados compensando as diminutas dimensões de seus falos
enfiando o pé no acelerador desses carros, ou torcendo o pulso na
manopla direita de motocicletas suicidas.
Torço para que todos morram fritos e esquartejados, o que acontece às
vezes com os motoqueiros, mas menos com os outros protegidos por
airbags e bons advogados. Esses não morrem, matam.
Um comentário:
Cequinel.
Como o Flávio, eu também concordo com a teoria de que:
Quem gosta de carro possante, ou tem o pinto pequeno, ou não sabe bricar com o bigulin!
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