Mensalão: a voz das provas
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De Janio de Freitas (Folha de São Paulo de hoje)
A voz das provas
Relator Joaquim Barbosa se expandiu em imputações compostas só de palavras; tem sido um comportamento reiterado
Foi uma das coincidências de tipo raro, por sua oportunidade
milimétrica e preciosa. Várias peculiaridades do julgamento no STF,
ontem, foram antecedidos pela manchete ao pé da página A6 da Folha de
domingo, título de uma entrevista com o eminente jurista alemão Claus
Roxin: "Participação no comando de esquema tem de ser provada".
O subtítulo realçava tratar-se de "um dos responsáveis por teoria
citada no julgamento do STF", o "domínio do fato". A expressão refere-se
ao conhecimento de uma ocorrência, em princípio criminosa, por alguém
com posição de realce nas circunstâncias do ocorrido. É um fator
fundamental na condenação de José Dirceu, por ocupar o Gabinete Civil na
época do esquema Valério/PT.
As jornalistas Cristina Grillo e
Denise Menchen perguntaram ao jurista alemão se "o dever de conhecer os
atos de um subordinado não implica corresponsabilidade". Claus Roxin: "A
posição hierárquica não fundamenta, sob nenhuma circunstância, o
domínio do fato. O mero ter que saber não basta". E citou, como exemplo,
a condenação do ex-presidente peruano Alberto Fujimori, na qual a
teoria do "domínio do fato" foi aplicada com a exigência de provas
(existentes) do seu comprometimento nos crimes. A teoria de Roxin foi
adotada, entre outros, pelo Tribunal Penal Internacional.
Tanto
na exposição em que pediu a condenação de José Dirceu como agora no
caótico arranjo de fixação das penas, o relator Joaquim Barbosa se
expandiu em imputações compostas só de palavras, sem provas. E, em
muitos casos, sem sequer a possibilidade de se serem encontradas. Tem
sido o comportamento reiterado em relação à quase totalidade dos réus.
Em um dos muitos exemplos que fundamentaram a definição de pena, foi
José Dirceu quem "negociou com os bancos os empréstimos". Se assim foi, é
preciso reconsiderar a peça de acusação e dispensar Marcos Valério de
boa parte dos 40 anos a que está condenado. A alternativa é impossível:
seria apresentar alguma comprovação de que os empréstimos bancários
tiveram outro negociador -o que não existiu segundo a própria denúncia.
Outro exemplo: a repetida acusação de que José Dirceu pôs "em risco o
regime democrático". O regime não sofreu risco algum, em tempo algum
desde que o então presidente José Sarney conseguiu neutralizar os
saudosos infiltrados no Ministério da Defesa, no Gabinete Militar e no
SNI do seu governo. A atribuição de tanto poder a José Dirceu seria até
risível, pelo descontrole da deformação, não servisse para encaminhar os
votos dos seguidores de Joaquim Barbosa.
Mais um exemplo, só
como atestado do método geral. Sobre Simone Vasconcelos foi onerada com a
acusação de que "atuou intensamente", fórmula, aliás, repetida de réu
em réu. Era uma funcionária da agência de Marcos Valério, por ele
mandada levar pacotes com dinheiro a vários dos também processados. Não
há prova de que soubesse o motivo real das entregas, mesmo admitindo
desde a CPI, com seus depoimentos de sinceridade incomum no caso,
suspeitar de motivo imoral. Passou de portadora eventual a membro de
quadrilha e condenada nessa condição.
Ignoro se alguém imaginou
absolvições de acusados de mensalão. Não faltam otimistas, nem mal
informados. Mas até entre os mais entusiastas de condenações crescem o
reconhecimento crítico do descritério dominante, na decisão das
condenações, e o mal-estar com o destempero do relator Joaquim Barbosa.
Nada disso "tonifica" o Supremo, como disse ontem seu presidente Ayres
Britto. Decepciona e deprecia-o -o que é péssimo para dentro e para fora
do país.
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