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Antonina, Litoral do Paraná, Palestine
Petroleiro aposentado e petista no exílio, usuário dos óculos de pangloss, da gloriosa pomada belladona, da emulsão scott e das pílulas do doutor ross, considero o suflê de chuchu apenas vã tentativa de assar o ar e, erguido em retumbante sucesso físico, descobri que uma batata distraída não passa de um tubérculo desatento. Entre sinos bimbalhantes, pássaros pipilantes, vereadores esotéricos, profetas do passado e áulicos feitos na china, persigo o consenso alegórico e meus dias escorrem em relativo sossego. Comendo minhas goiabinhas regulamentares, busco a tranqüilidade siamesa e quero ser presidente por um dia para assim entender as aflições das camadas menos favorecidas pelas propinas democráticas.

sexta-feira, 13 de fevereiro de 2015

Por que não vou postar uma foto da minha barriga em uma campanha contra o aborto

barrigadegravida 

Acordei ontem com a timeline cheia de amigas grávidas. Quanto amor, quanto neném, quanta ocitocina rolando em cada nó dessas redes sociais! Mas, depois de tomar minha pequena grande xícara de café com leite e esfregar os olhos direitinho, comecei a ler as legendas e vi que era uma campanha contra o aborto. Pelo que entendi, funciona assim: você posta uma foto sua grávida e depois desafia uma amiga a fazer o mesmo e assim por diante. A coisa vai virando uma corrente.

Até fui desafiada por algumas amigas (superqueridas, é bom que se diga), mas, em vez de simplesmente ignorar o pedido, resolvi fazer um post explicando com mais detalhes meus motivos para quebrar a corrente. A campanha se diz contra o aborto e pró-vida, mas eu acho que as duas coisas não conversam. Sou sim pró-vida e é justamente por isso que sou a favor da legalização do aborto.

Vamos por partes. Quando dizemos “pró-vida”, estamos falando da vida de quem? Só do bebê? E a vida da mãe? Não conta? O bebê precisa sobreviver e a mulher que se dane. E se esse bebê sobreviver, que tipo de vida ele vai ter? Tudo bem se uma mulher entrar numa clínica num fundo de garagem e ser tratada como uma carne de terceira em um açougue de quinta?

Aí você, defensor da moral e dos bons costumes, vai logo argumentar: “Mas também, quem mandou querer abortar? Merece!” (Ah, a nossa facilidade de identificar quem merece ou não merece algum destino… Quantos deuses, quanta onipotência!)

Olha, gente, o buraco é muito, mas muito, mais embaixo.

Muita gente não entende e pode até despejar um caminhão de acusações e dedos indicadores apontados para a minha cara. Mas SOU A FAVOR DA LEGALIZAÇÃO DO ABORTO.

Aí, algumas pessoas vão me perguntar: “Mas como? Você, que fala tanto dos bebês, de gravidez, de amamentação, de parto natural e todas essas coisas de índio? Mas quanta hipocrisia isso agora, de defender o aborto!”.

Eu explico: eu sou contra o aborto em mim, mas, por uma questão de saúde pública, sou a favor da legalização para quem, por algum motivo (e podem existir vários, diversos, alguns até que a gente nunca imaginou) escolhe esse caminho. Não conheço as histórias de todas as mulheres que fizeram, fazem e farão essa opção. Então, simplesmente não dá para julgar.

Ter um filho é algo que vira sua vida de cabeça para baixo, que muda tudo e que, às vezes, até te sufoca com tanta responsabilidade. Ainda que isso aconteça de maneira planejada, desejada, em um lar cheio de amor, com mãe e pai plenamente absorvidos pela paternidade e dedicados à tarefa de cuidar daquele novo ser, é EXTREMAMENTE difícil. Imagine quando a situação não se parece em nada com isso?

“Ué, mas na hora de fazer foi gostoso”, dirão os puritanos, com dedos em riste. Será que foi mesmo? Em que condições isso aconteceu? Você sabe? E se foi mesmo? Por que ninguém fala isso para o pai?

Quantos pais abortam e ninguém fala nada? É que o aborto do pai é mais fácil e livre de julgamentos. Ele simplesmente vai embora, some e nunca mais olha na cara daquela mulher, com a qual ele gerou um filho. Pronto, abortou. Não vai ser mais pai. A criança e a mulher morreram para ele. Ainda é capaz de receber tapinhas nas costas e ouvir elogios: “Fez bem, amigo, saiu na hora certa”.

Não fiz nenhuma pesquisa, mas não tenho medo de afirmar, mesmo assim, que, pelo menos 9 (se não 10) entre 10 mulheres, que já realizaram um aborto sofreram – e ainda sofrem, ainda que tenha sido há muito tempo – por isso. Ninguém é a favor do aborto dessa maneira, como apontam os tais pró-vida/contra aborto. Ninguém acha legal ou acorda de manhã pensando: “Nossa, que dia maravilhoso. Quer saber? Acho que vou ali fazer um aborto” ou então “Ah, dane-se. Não vou usar camisinha. Daqui a alguns meses faço um aborto e pronto”. É uma decisão trágica, desesperadora e que marca para sempre a vida da mulher.

A diferença é que algumas delas vão de óculos-escuros a clínicas chiques e entregam cheques gordos a recepcionistas bem arrumadas e com brincos de pérolas nos bairros mais ricos das grandes metrópoles. Outras, se submetem aos açougueiros, que mencionei acima. E essas últimas, infelizmente, de maioria negra e pobre, se deitam nestas macas sujas e nunca mais se levantam.

Sou contra o aborto, sim, em mim. Por isso não faço. E se você é contra o aborto também, que ótimo: simplesmente não faça também. Mas sou a favor da legalização do aborto, porque sei que as mulheres que decidem fazer, vão fazer de qualquer maneira. Que pelo menos elas possam fazer isso de maneira segura, sem arriscar a própria vida. Que existam menos Jandiras, menos Cláudias, menos Marias e menos Antônias. Afinal, somos ou não somos a favor da vida?

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