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Tucano eleito terá de dar conta de verbas federais que, sob a jestão tucana, sumiram |
Quando assumir, pela terceira vez, o governo do estado de São
Paulo em 1º de janeiro de 2011, o tucano Geraldo Alckmin terá que
prestar contas de um sumiço milionário de recursos federais do
Ministério da Saúde dimensionado, em março passado, pelo Departamento
Nacional de Auditoria do Sistema Único de Saúde (Denasus). O dinheiro,
quase 400 milhões de reais, deveria ter sido usado para garantir
remédios de graça para 40 milhões de cidadãos, mas desapareceu na
contabilidade dos governos do PSDB nos últimos 10 anos. Por recomendação
dos auditores, com base na lei, o governo paulista terá que explicar
onde foram parar essas verbas do SUS e, em seguida, ressarcir a União
pelo prejuízo.
O relatório do Denasus foi feito a partir de auditorias realizadas em
21 estados. Na contabilidade que vai de janeiro de 1999 e junho de
2009. Por insuficiência de técnicos, restam ainda seis estados a serem
auditados. O número de auditores-farmacêuticos do País, os únicos
credenciados para esse tipo de fiscalização, não chega a 20. Nesse caso,
eles focaram apenas a área de Assistência Farmacêutica Básica, uma das
de maior impacto social do SUS. A auditoria foi pedida pelo Departamento
de Assistência Farmacêutica (DAF), ligado à Secretaria de Ciência e
Tecnologia do Ministério da Saúde, para verificar denúncias de desvios
de repasses de recursos do SUS para compra e distribuição de
medicamentos nos sistemas estaduais de saúde.
O caso de São Paulo não tem parâmetro em nenhuma das demais 20
unidades da federação analisadas pelo Denasus até março de 2010, data de
fechamento do relatório final. Depois de vasculhar todas as nuances do
modelo de gestão de saúde estadual no setor de medicamentos, os
analistas demoraram 10 meses para fechar o texto. No fim das contas, os
auditores conseguiram construir um retrato bem acabado do modo tucano de
gerenciar a saúde pública, inclusive durante o mandato de José Serra,
candidato do PSDB à presidência. No todo, o período analisado atinge os
governos de Mário Covas (primeiro ano do segundo mandato, até ele
falecer, em março de 2001); dois governos de Geraldo Alckmin (de março
de 2001 a março de 2006, quando ele renunciou para ser candidato a
presidente); o breve período de Cláudio Lembo, do DEM (até janeiro de
2007); e a gestão de Serra, até março de 2010, um mês antes de ele
renunciar para disputar a eleição.
Ao se debruçarem sobre as contas da Secretaria Estadual de Saúde, os
auditores descobriram um rombo formidável no setor de medicamentos: 350
milhões de reais repassados pelo SUS para o programa de assistência
farmacêutica básica no estado simplesmente desapareceram. O dinheiro
deveria ter sido usado para garantir aos usuários potenciais do SUS
acesso gratuito a remédios, sobretudo os mais caros, destinados a
tratamentos de doenças crônicas e terminais. É um buraco e tanto, mas
não é o único.
A avaliação dos auditores detectou, ainda, uma malandragem contábil
que permitiu ao governo paulista internalizar 44 milhões de reais do SUS
nas contas como se fossem recursos estaduais. Ou seja, pegaram dinheiro
repassado pelo governo federal para comprar remédios e misturaram com
as receitas estaduais numa conta única da Secretaria de Fazenda, de
forma ilegal. A Constituição Federal determina que para gerenciar
dinheiro do SUS os estados abram uma conta específica, de movimentação
transparente e facilmente auditável, de modo a garantir a plena
fiscalização do Ministério da Saúde e da sociedade. Em São Paulo essa
regra não foi seguida. O Denasus constatou que os recursos federais do
SUS continuam movimentados na Conta Única do Estado. Os valores são
transferidos imediatamente depois de depositados pelo ministério e pelo
Fundo Nacional de Saúde (FNS), por meio de Transferência Eletrônica de
Dados (TED).
Em fevereiro, reportagem de CartaCapital demonstrou
que em três dos mais desenvolvidos estados do País, São Paulo, Minas
Gerais e Rio Grande do Sul, todos governados pelo PSDB, e no Distrito
Federal, durante a gestão do DEM, os recursos do SUS foram, ao longo dos
últimos quatro anos, aplicados no mercado financeiro. O fato foi
constatado pelo Denasus após um processo de auditoria em todas as 27
unidades da federação. Trata-se de manobra contábil ilegal para
incrementar programas estaduais de choque de gestão, como manda a
cartilha liberal seguida pelos tucanos e reforçada, agora, na campanha
presidencial. Ao todo, de acordo com os auditores, o prejuízo gerado aos
sistemas de saúde desses estados passava, à época, de 6,5 bilhões de
reais, dos quais mais de 1 bilhão de reais apenas em São Paulo.
Ao analisar as contas paulistas, o Denasus descobriu que somente
entre 2006 e 2009, nos governos de Alckmin e Serra, dos 77,8 milhões de
reais do SUS aplicados no mercado financeiro paulista, 39,1 milhões
deveriam ter sido destinados para programas de assistência farmacêutica –
cerca de 11% do montante apurado, agora, apenas no setor de
medicamentos, pelos auditores do Denasus. Além do dinheiro de remédios
para pacientes pobres, a primeira auditoria descobriu outros desvios de
dinheiro para aplicação no mercado financeiro: 12,2 milhões dos
programas de gestão, 15,7 da vigilância epidemiológica, 7,7 milhões do
combate a DST/Aids e 4,3 milhões da vigilância epidemiológica.
A análise ano a ano dos auditores demonstra ainda uma prática
sistemática de utilização de remédios em desacordo com a Relação
Nacional de Medicamentos Essenciais (Rename) estabelecida pelo
Ministério da Saúde, atualizada anualmente. A lista engloba medicamentos
usados nas doenças mais comuns pelos brasileiros, entre os quais
antibióticos, antiinflamatórios, antiácidos e remédios para dor de
cabeça. Entre 2006 e 2008, por exemplo, dos 178 medicamentos indicados
por um acordo entre a Secretaria de Saúde de São Paulo e o programa de
Assistência Farmacêutica Básica do Ministério da Saúde, 37 (20,7%) não
atendiam à lista da Rename.
Além disso, o Denasus constatou outra falha. Em 2008, durante o
governo Serra, 11,8 milhões do Fundo Nacional de Saúde repassados à
Secretaria de Saúde de São Paulo para a compra de remédios foram
contabilizados como “contrapartida estadual” no acordo de Assistência
Farmacêutica Básica. Ou seja, o governo paulista, depois de jogar o
recurso federal na vala comum da Conta Única do Estado, contabilizou o
dinheiro como oriundo de receitas estaduais, e não como recurso recebido
dos cofres da União.
Apenas em maio, dois meses depois de terminada a auditoria do
Denasus, a Secretaria Estadual de Saúde resolveu se manifestar
oficialmente sobre os itens detectados pelos auditores. Ao todo, o
secretário Luís Roberto Barradas Barata, apontado como responsável
direto pelas irregularidades por que era o gestor do sistema, encaminhou
19 justificativas ao Denasus, mas nenhuma delas foi acatada. “Não houve
alteração no entendimento inicial da equipe, ficando, portanto,
mantidas todas as constatações registradas no relatório final”,
escreveram, na conclusão do trabalho, os auditores-farmacêuticos.
Barata faleceu em 17 de julho passado, dois meses depois de o Denasus
invalidar as justificativas enviadas por ele. Por essa razão, a
discussão entre o Ministério da Saúde e o governo de São Paulo sobre o
sumiço dos 400 milhões de reais devidos ao programa de Assistência
Farmacêutica Básica vai ser retomada somente no próximo ano, de forma
institucional.
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