Eu visito o Blog da Cidadania todos os dias
Há desonestos em todos os setores da sociedade. Há médicos que
molestam sexualmente as suas pacientes, há advogados que prestam
serviços a criminosos, há policiais que cometem crimes, há padres que
praticam pedofilia e, claro, há jornalistas que só opinam o que o patrão
manda… Por que, então, não haveria políticos que roubam dinheiro
público?
A discussão que setores da imprensa desencadearam por conta do
aumento dos salários dos políticos detentores de mandatos eletivos
ignora (propositalmente) a inegável premissa do primeiro parágrafo e
tenta pintar toda a classe política como corrupta, incompetente e
abusadora dos privilégios dos cargos públicos.
A desqualificação generalista da classe política foi incutida pela
“grande” imprensa nas mentes de expressiva parcela da sociedade ao longo
da história da República. A tática é oriunda das elucubrações da ponta
superior da pirâmide social e visa impedir que oportunidades se
redistribuam em um dos dez países em que são mais concentradas.
Cabe reproduzir interessante observação do leitor Marcos Inácio Fernandes sobre post anterior
que versou sobre o mesmo tema que será tratado neste post. Marcos bem
lembrou que o parlamento remunerado foi uma conquista dos trabalhadores
no âmbito do Movimento Cartista do século XIX, na Inglaterra,
desencadeado, por sua vez, no âmbito da Revolução Industrial.
O Movimento Cartista (1837-1848) foi organizado pela “Associação dos Operários“,
que exigia melhores condições de trabalho, pedindo limitação de oito
horas para a jornada laboral, regulamentação do trabalho feminino,
extinção do trabalho infantil, folga semanal e salário mínimo, entre
outros.
Mas talvez a parte mais relevante do movimento tenha sido a luta por
direitos políticos como o estabelecimento do sufrágio universal e o fim
do voto censitário, que só delegava direito de voto a quem se
enquadrasse em um perfil que englobava gênero, renda, religião e outros
valores que nada têm que ver com o direito de votar e ser votado.
No âmbito dos direitos políticos, a fim de que qualquer cidadão
pudesse disputar um mandato eletivo, logrou-se estabelecer remuneração
aos que chegassem a cargos públicos pelo voto, sobretudo como
parlamentares. Foi a fórmula encontrada para impedir que só os ricos
exercessem o poder.
Diante do fato consumado de que qualquer um pode se eleger e ser pago
para exercer mandato eletivo, os que prefeririam que o país fosse
administrado pelo topo da pirâmide social vêm tratando de criminalizar o
uso de dinheiro público para permitir que até o cidadão mais humilde
possa se eleger vereador, deputado, senador, prefeito, governador e até
presidente da República.
Diante de argumentações racionais sobre as razões da elite midiática
para enfraquecer a classe política e, assim, mantê-la refém de seus
desejos, impérios de comunicação que pretendem governar o país através
de notas e “informações” manipuladas vieram agora com certas comparações
sobre o salário dos parlamentares brasileiros e os de países ricos, que
ganham menos do que os nossos.
O primeiro sintoma de má fé dessa campanha difamatória e generalista
contra a classe política reside no uso da correlação entre o PIB per
capita e o novo salário de deputado. Comparam países ricos – em que o
PIB per capita é maior – com o Brasil – que devido à sua enorme
população tem uma correlação bem mais modesta do PIB per capita – sem
explicar nada.
Países que têm algumas poucas dezenas de milhões de habitantes e alto
desenvolvimento industrial , como no caso da Inglaterra, obviamente que
têm uma correlação mais alta entre PIB per capita e salário de
parlamentares do que um país semi-industrializado que tem duas centenas
de milhões de habitantes, como é o Brasil.
Em países ricos, que têm sociedade educada, digno padrão médio de
vida e leis que valem para todos, a corrupção é muito mais difícil de
ocorrer porque a imprensa não cai matando só em cima dos políticos
corruptos, como no Brasil, mas também em cima dos corruptores, que em
países como o nosso são deixados em paz por serem grandes anunciantes.
Pagar bem ao político brasileiro, portanto, é imperativo. Em um país
como este, um cidadão como o autor deste texto teria dificuldade de se
eleger e, assim, deixar a sua atividade profissional – comércio exterior
– de lado para se dedicar ao serviço público devido ao fato de que se
depois de um mandato de quatro anos não fosse reeleito teria que
recomeçar a vida do zero, pois se afastar de sua profissão por tanto
tempo o deixaria fora do mercado.
A intenção da criminalização da classe política é justamente essa.
Baixos salários favorecem a imprensa de propriedade de grupos econômicos
que precisam justamente de uma classe política mal-paga e, assim,
suscetível a corrupção e a coação por meio de ameaça de denúncias no
noticiário.
Não que altos salários sejam garantia de que um deputado, por
exemplo, não irá se corromper. Como já foi dito, há políticos,
advogados, médicos e até jornalistas corruptos, para os quais dinheiro
nunca é demais. Daí a dizer que todos eles se corromperão pelo que fazem
alguns, é outra história – é má fé.
Alguém já viu uma campanha da mídia dessa envergadura contra o
salário de juízes, por exemplo? São os salários mais altos, aos quais
acabam de ser equiparados os salários dos parlamentares e chefes do
Executivo. Mas o senso comum diz que juízes devem ser bem pagos para não
tomarem decisões movidos por propinas oferecidas pelos que serão
julgados.
Aí ninguém contesta o argumento, pois é óbvio que juiz mal pago – ou
melhor, que não seja muito bem pago – certamente correria maior risco de
se vender, até por conta do poder que tem para fazê-lo sem ser
descoberto. Mas a mídia não gosta muito de brigar com juízes, pois
precisa deles o tempo todo. E muito menos com corruptores-anunciantes.
O Ornitorrinco pede a palavra para dizer que começou um texto, hoje pela manhã, para falar a respeito desse tema, o aumento dos salários dos deputados, mas não conseguiu desenvolver algo que o agradasse. Mais tarde, navegando, descobriu que Eduardo Guimarães - um dos blogueiros indispensáveis, meus caros, acreditem - matou a cobra, extraiu o veneno e mostrou o pau. Com a licença de Eduardo, este Ornitorrinco acrescenta que, sem política não há democracia, que política é tudo.
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