Eu visito Viomundo todos os dias
Eu já havia falado aqui deste grupo de abostadas
senhoras da elite paulista.
Encontrei hoje este belo texto,
que reproduzo por ser
inteiramente pertinente.
Encontrei hoje este belo texto,
que reproduzo por ser
inteiramente pertinente.
Reminiscências de “Casa Grande e Senzala”: carta
aberta ao Grupo Antiterrorismo de babás
por Luana Diana dos Santos*
“A nossa escrevivência não pode ser lida como
história de “ninar os da casa-grande”, e sim para incomodá-los em seus sonos
injustos” (Conceição Evaristo)
Recebo das minhas companheiras, Blogueiras
Feministas, a matéria publicada no site do Estadão no último domingo, 27 de
março – “Mães criam grupo “antiterrorismo” contra empregadas”. De acordo com a
reportagem, um grupo de mulheres da elite paulistana fundou há cinco anos o
GATB – Grupo Antiterrorismo de Babás. No “estatuto” da organização, estão
previstas as medidas a serem tomadas contra os “desaforos” de babás, faxineiras
e empregadas domésticas.
Para as senhoras do GATB, a exigência de direitos
trabalhistas nos quais toda trabalhadora ou trabalhador tem direito, não passam
de petulância e falta de educação. Eis aqui, o depoimento de uma das
integrantes do Grupo:
“Minha babá veio com uma história sem pé nem
cabeça, de que eu estou devendo todos os feriados em dinheiro, porque existe
uma lei agora, onde ela tem esse direito. Estou meio tonta com a atitude,
decepcionada com a falta de educação e gratidão por tudo que já fiz por ela,
mas gostaria de saber se sou obrigada a pagar. Quando achamos que estamos com
uma babá ótima, lá vêm as bombas!”
Com o intuito de contribuir para que não haja
quaisquer dúvidas entre as senhoras do GATB, dirijo algumas palavras a elas:
Caríssimas,
Acredito que as senhoras, representantes da alta
sociedade paulistana, possuam um nível de conhecimento elevadíssimo. Em meio
aos chás da tarde, às compras nos shoppings e às fofoquinhas básicas, tenho
certeza que em algum momento vocês devam se lembrar que a escravidão acabou. Já
se vão quase 123 anos da Abolição, não é mesmo?!
Infelizmente, o 13 de maio não foi capaz de
sepultar o passado escravista do nosso país. As reminiscências desse período
estão presentes por todos os lados. Na violência policial contra a população
negra, na morosidade em relação a implementação do sistema de cotas no ensino
superior, na precariedade do acesso aos serviços básicos garantidos pelo
Governo. O trabalho doméstico também é parte desse processo histórico de
invisibilidade e desrespeito às afro-brasileiras.
Recentemente, o IPEA, a Secretaria Especial de
Políticas para as Mulheres e a UNIFEM realizaram em conjunto um estudo sobre o
trabalho doméstico remunerado. Os dados obtidos, certamente são imperceptíveis
para muitas de vocês: a maioria das empregadas são negras, recebem baixa
remuneração, e somente 25% possui registro em carteira, o que revela o aspecto
discriminatório existente nesse tipo de ocupação.
Ao menor sinal de dúvidas quanto a obrigatoriedade
ou não do pagamento dos dias de trabalho exercidos em feriados, sugiro-lhes
algo bem simples: basta lembrar que empregada doméstica também é gente. Por que
as mulheres que lavam, passam, cozinham e cuidam de toda limpeza de suas casas
devem receber um tratamento diferenciado dos demais trabalhadores? Para que não
fique qualquer tipo de incerteza, em 2006, por meio das pressões dos movimentos
sociais, entrou em vigor a Lei 11.324, que garante às domésticas piso salarial,
férias de 30 dias, folgas semanais e licença-maternidade. As senhoras estão
agindo conforme determina a lei?
Não levem para o lado pessoal as reclamações de
suas funcionárias. Na adolescência, fui empregada doméstica, babá e faxineira.
Conheço de perto os motivos de tantos descontentamentos. Trabalhei numa casa
imensa. Imagino que seja bem parecida com a de vocês. Era tanta coisa para
lavar que meus pés racharam ao ponto de minar sangue. Sentia uma dor enorme.
Mal conseguia calçar sapatos. E não foi só isso. Fui acusada de um crime que
não cometi: minha patroa disse que eu havia comido as maçãs que estavam na
geladeira. Sem direito a defesa, recebi a sentença: vigilância extrema durante
as 10 horas de trabalho. Chorava pelos cantos. Um choro de raiva, ódio e
revolta. Em pouco tempo, minhas lágrimas deram lugar a convicção de que não
ficaria me submetendo a esse tipo de humilhação.
O que vocês entendem como ingratidão e arrogância,
nada mais é que um ato de insubordinação. Assim como as senhoras não esqueceram
as lições deixadas pelas sinhás da Casa Grande, também aprendemos a lutar e a
resistir como as negras das senzalas. Estou certa que as mulheres que lhes
prestam serviços não precisam da compaixão e da piedade das senhoras. Elas
querem somente um salário digno, condições justas de trabalho e o direito de
almejar uma vida melhor.
Espero ter contribuído de alguma forma. Na verdade,
mais do que por fim às suas dúvidas, queria ensiná-las a tratar com respeito e
dignidade essas mulheres que muitas vezes são responsáveis pela educação de
seus filhos e filhas. Gostaria de extirpar todo esse racismo que existe dentro
de vocês. Tarefa mais difícil do que limpar vidros sem deixar manchas. Como
disse a Dra. Fátima Oliveira, “a superação do racismo exige uma faxina ética”.
Pelo visto, não é todo mundo que está disposto a fazê-lo. É mais fácil empurrar
a sujeira para o quartinho de empregada.
*Luana Diana dos Santos é Historiadora e Professora da Rede Estadual de
Ensino de Minas Gerais.
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