Eu visito o Luis Nassif todos os dias
O Brasil Visto de Fora - Marcos Coimbra
Passamos um pedaço
da semana ocupados com um assunto menos importante que parece. Foi
suscitado pelo correspondente do jornal espanhol El País, em artigo em
que discorria sobre sua dificuldade de entender por que os brasileiros
não ficam “indignados” com o Brasil. Em especial, por que não saem às
ruas para protestar contra a falta de ética e a corrupção.
O texto foi
republicado por O Globo, três semanas depois de ter saído na Espanha.
Parece que a direção do jornal carioca ficou indignada com a falta de
repercussão do texto original. Resolveu traduzi-lo e mandou fazer
reportagem de capa a respeito do tema.
O
autor, Juan Arias, deve ter ficado satisfeito com a deferência de seus
colegas. Voltou à discussão na terça feira, dessa feita em matéria
intitulada “A imprensa se converte no paladino contra a corrupção no
Brasil”. Titulo tão surpreendente para quem conhece as corporações da
mídia brasileira que só pode ser explicado como retribuição ao destaque
que recebera.
Suas ideias foram
encaixadas no modelo de interpretação de nossa realidade que é típico
das redações dos grandes jornais. Nele, tudo é explicado a partir de uma
premissa: os males do Brasil são culpa de Lula e do PT.
É fácil interpretar
nossa realidade política e social sabendo, de antemão, a resposta a
todas as perguntas. Qualquer coisa pode ser assim compreendida,
incluindo a “apatia da sociedade” que não se indigna e não reage contra
tudo de errado que existe.
Como afirmou o
editorial de O Globo: “O fenômeno da inapetência política diante do
assalto aos cofres abastecidos pelos pesados impostos pagos pelo
contribuinte tem múltiplas raízes. A mais profunda deriva da
bem-sucedida execução de um projeto de cooptação com dinheiro
público...(através de organizações) convertidas em correias de
transmissão do lulopetismo”.
O engraçado no
raciocínio é que a “raiz profunda” da pequena disposição contestatória
da população teria nascido outro dia. Se foi obra do “lulopetismo”, é de
imaginar que, antes que Lula chegasse ao poder, o problema inexistisse.
Na visão singela do
editorialista, talvez fossemos, até 2002, uma sociedade de ampla
participação popular, onde o povo vigiava os políticos e só tínhamos a
corrupção que passava despercebida. Foi quando veio Lula e estragou
tudo.
Não parece que Juan
Arias concordaria com uma tese tão superficial. Seu texto não atribuía
ao “lulopetismo” a responsabilidade pela situação que o deixava
perplexo. O que discutia eram os traços gerais de nosso sistema
político, em nada circunscritos a um partido ou governante. A
“indignação” que cobrava não seria do povo contra o governo federal, mas
também o Congresso, a política nos estados e nos municípios.
O texto tratava
Dilma de maneira peculiar. Para ele, “(...) curiosamente, a mais
irritada com o ataque dos políticos aos cofres públicos parece ser a
primeira presidente mulher”. Ou seja, apesar da lamentada ausência do
“povo nas ruas”, ela seria “indignada” o suficiente para não aceitar a
corrupção e estaria dando mostras disso no modo como enfrentou os casos
Palocci e Alfredo Nascimento.
Nem se precisa dizer
que essa avaliação esteve totalmente ausente nas repercussões do texto
no Globo. Admiti-la implicaria abrir mão do modelo em que o
“lulopetismo” é o grande culpado.
O assunto acabou
fazendo um percurso curioso. Primeiro, um correspondente estrangeiro
escreveu um artigo com o olhar característico de quem vê de fora nossos
problemas. Daí, achando que era instrumental, um jornal local o
importou, adaptando-o à sua visão.
Foi buscar lá fora
argumentos que referendavam suas ideias e lhes davam certo ar
cosmopolita, mesmo algumas que o texto inicial não subscrevia. Terminou
como se o El País condenasse o “lulopetismo”.
Não era isso, mas quem se importa? Em redações como a desse jornal, a única coisa relevante é combater.
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