Copiei de Meus Contos, Teus Poemas
A
gente vem pela vida, desde criança, aprendendo e desaprendendo,
apegando-se e abandonando coisas e pessoas, com um sentimento de
eternidade, como se a vida estivesse ali para te servir, por séculos.
Mesmo quando atingimos aquela idade em que as pessoas passam
espontaneamente a nos chamar de senhor@s (no princípio é um choque),
creditamos à boa educação que alguns pais ainda dão aos seus rebentos.
Fazemos de tudo para permanecer "pertencendo": dietas e plásticas,
ginásticas e yôga, estudamos a história da arte e uma nova língua,
mudamos de parceir@s e até prestamos vestibular e nos enfiamos no
ambiente acadêmico para dar nossos pitacos e contar a história como ela
realmente se passou. Nossas idéias, principalmente gente como eu, de
esquerda, precisam ser defendidas com sangue, suor e lágrimas, para que
nossos ídolos sejam preservados e cultuados. E participamos dos
movimentos sociais e dos grandes acontecimentos do país e do mundo,
virtual e real. Minha geração não deixa a peteca cair, um ditado da
época do Getúlio, que a gente cita como se o tempo não tivesse passado.
Então, um dia, você se abaixa para pegar um(a) neto(a) e não consegue
mais se levantar. Fica feito uma múmia engessada por dias e às vezes
meses. Foi só um mau jeito, você se convence, e volta a agitar suas
bandeiras, até que percebe que existem furos na sua memória.Não sabe o
que já fez, teima com outras pessoas porque "eu não disse isso". Não fui
eu quem colocou o telefone na geladeira. Não fui eu quem queimou o
feijão, o arroz, pôs fogo na casa de madeira. E alguém comenta que você
está fazendo muita confusão, anda muito brav@, perde as estribeiras e
desacata o gerente do banco. Que "se você não tivesse se oferecido
para..." teria sido melhor, alguém faria direito aquela coisa e não
teria dado tanto trabalho". Você chora, cai das nuvens, esperneia,
porque o teu sentimento de eternidade está sendo posto em cheque. Afinal
você decide encarar um espelho, coisa que não faz há alguns anos, e
percebe as bochechas flácidas e o belo sorriso amarelado pelo tempo.O
cabelo branco tingido teimando em se despentear, como uma Ofélia
enlouquecida. A crueldade das crianças e jovens, a impaciência dos
filhos e filhas, genros e noras, diante da surdez progressiva a (ou o)
faz ter pena de si e julgar-se enfim uma coisa prestes a se extinguir.
Mas o que fazer com o sentimento de eternidade, você que tem vários
deuses e não acredita em nenhum deles? dentro de você aquela menina
tímida, metida, topetuda, escritora de histórias inverossímeis e leitora
ávida de tudo que lhe caiu às mãos ainda se agita. Não quer dizer
adeus. Continua a se abaixar para cavar a terra com uma pazinha de
brinquedo para plantar suas sementes em solo nem sempre fértil. Chora
nos cantos e finge que não chorou quando lhe indagam da cor dos olhos,
você que nunca fumou maconha e em quem ninguém acredita mais. Restam as
aquarelas e os contos, ou qualquer coisa só sua, coisas que você não
mudou durante toda a sua vida, que @ definem para você mesm@. Porque a vida é assim mesmo, pra todo mundo.
(Sonia Fernandes do Nascimento)
(Sonia Fernandes do Nascimento)
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