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Antonina, Litoral do Paraná, Palestine
Petroleiro aposentado e petista no exílio, usuário dos óculos de pangloss, da gloriosa pomada belladona, da emulsão scott e das pílulas do doutor ross, considero o suflê de chuchu apenas vã tentativa de assar o ar e, erguido em retumbante sucesso físico, descobri que uma batata distraída não passa de um tubérculo desatento. Entre sinos bimbalhantes, pássaros pipilantes, vereadores esotéricos, profetas do passado e áulicos feitos na china, persigo o consenso alegórico e meus dias escorrem em relativo sossego. Comendo minhas goiabinhas regulamentares, busco a tranqüilidade siamesa e quero ser presidente por um dia para assim entender as aflições das camadas menos favorecidas pelas propinas democráticas.

domingo, 29 de setembro de 2013

Ele tem uma gata gorda que gosta de tomar banho de sol debaixo do abajur

Copiei do meu indispensável amigo Walter Silva
(Sabem delicadeza? É isso, meninos e meninas)


Existiu uma época diferente de hoje. Um tempo num mundo que guardava um lugar para pessoas que variavam de gênero; um lugar onde inclusive se celebrava a existência de tais pessoas, acredite.
Um tempo que falava do espanto da gente comum de um modo mais tranqüilo; tocar simplesmente a cabeça de alguém que trazia as marcas do que transcende as fronteiras de gênero e sexualidade era um gesto benéfico e poderoso de muito significado. O tempo da antiga e dourada Babilônia, o tempo de Asushunamir, o/a resplandecente, aquela/e que foi criado pelo deus da lua para resgatar a deusa do amor aprisionada no submundo, uma missão essencial; Asushunamir, o/a salvador/a transgênero/a, quem se lembrará dele/a? Esta era também a época de Hastíín Klah, uma pessoa "dois espíritos" navajo, não variante de gênero; pois embora ele se vestisse com roupas masculinas, havia nele uma gentileza tão profunda quanto a brisa suave da primavera.
O povo Navajo o considerou alguém "dois espíritos" (uma combinação cultural de homem e mulher) porque ele era romanticamente interessado em homens, e porque ajudava sua mãe na tecelagem (um ofício do gênero feminino), mas ele manteve uma identidade masculina.
O mundo mudou, e os tempos atuais lançaram uma sombra sobre as trans*pessoas. Geralmente quando se mencionam as dificuldades espantosas as quais uma trans*pessoa está submetida compulsoriamente desde o nascimento, pensa-se mais em termos binários; é uma mulher cuja identidade de gênero não é reconhecida, é um homem cuja identidade de gênero não é legitimada.
Mas isto é somente a ponta do iceberg.
Debaixo d'água existe muita dor, muito gelo, muito mais solidão. Por exemplo, eu conheci há alguns meses uma pessoa; a pessoinha mais doce e mais interessante que eu já vi.
Ele tem a voz rouca e preguiçosa ao telefone e quando se zanga ele se zanga pra valer. Ele tem uma gata gorda que gosta de tomar banho de sol debaixo do abajur.
Ele adora jogar esses joguinhos virtuais de guerra; é louco por suas tropas e fica muito desanimado quando elas sofrem uma baixa. Mas ele é também um mestre de caminhos ancestrais; ele é ótimo terapeuta e alguém cuja identidade de gênero é fluida, não binária.
É muito complicado tentar definir ele com ajuda de rótulos; você sabe, rótulos são como um lar para algumas pessoas. Um local para descansar, se reconhecer e sentir-se seguro. Mas para outras pessoas, o rótulo é uma prisão, um local de opressão e exclusão. Similarmente, cheguei à conclusão de que buscar uma classificação para ele é como espetar uma borboleta no alfinete; o significado de se ter asas está no vôo.
Ele é uma ótima pessoa, cheia de qualidades, pronto para fazer deste um mundo melhor para todos. Entretanto, ele é constantemente golpeado e açoitado terrivelmente por todos ao seu redor, inclusive por mim mesmo.
Eu sou testemunha da luta encarniçada dele; há momentos em que ele me confessa em lágrimas e cheio de dor, que já não sente desejo de continuar.
E o que dizer? Sinto-me impotente, impotente demais. Por isso, por ele, faço agora a única coisa que posso efetivamente fazer.
Eu não vim para falar pelas pessoas trans*. O maior benefício que eu lhes ofereço agora é justamente não tentar fazer isso. Eu vim falar para as pessoas que não são trans*.
Por favor parem de dizer às pessoas trans* quem elas são, de onde elas vêm, quem elas deveriam ser, como elas devem se sentir, o que é necessário para ser uma trans* pessoa.
Nós podemos ajudar sim; basta ouvir o que elas têm a nos contar.

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