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Antonina, Litoral do Paraná, Palestine
Petroleiro aposentado e petista no exílio, usuário dos óculos de pangloss, da gloriosa pomada belladona, da emulsão scott e das pílulas do doutor ross, considero o suflê de chuchu apenas vã tentativa de assar o ar e, erguido em retumbante sucesso físico, descobri que uma batata distraída não passa de um tubérculo desatento. Entre sinos bimbalhantes, pássaros pipilantes, vereadores esotéricos, profetas do passado e áulicos feitos na china, persigo o consenso alegórico e meus dias escorrem em relativo sossego. Comendo minhas goiabinhas regulamentares, busco a tranqüilidade siamesa e quero ser presidente por um dia para assim entender as aflições das camadas menos favorecidas pelas propinas democráticas.

sexta-feira, 2 de maio de 2014

Desmontando a farsa do mensalão

Copiei de Sul21

20% jurídico. Tudo isso?

Repercutiu enormemente a fala do ex-Presidente Lula em entrevista à televisão portuguesa sobre o julgamento do mensalão: 80% político, 20% jurídico. Alguns dos ministros do STF reagiram furibundos e a mídia nativa desqualificou como sempre. Prestem atenção, porém. Lula nunca fala sem uma boa razão.

Por coincidência, semana passada houve um belo debate realizado na OAB/RS, sobre o julgamento da AP 470, organizado pelos movimentos sindical e estudantil, sob a coordenação do jovem Ramiro Castro, diretor da UNE no Rio Grande do Sul. Além da presença de um especialista em mídia, o blogueiro Eduardo Guimarães, que analisou a imprensa e sua pressão, e de um sociólogo, o sindicalista e diretor da Cut Júlio Turra, que discorreu sobre as implicações com os movimentos sociais, o destaque foram os dois advogados presentes e suas considerações técnicas sobre o processo.

Ricardo Cunha Martins, notável criminalista gaúcho e professor universitário, acentuou 3 pontos centrais:

– O STF tinha jurisprudência consolidada sobre sua incompetência em julgar os réus sem foro privilegiado. Levou ao debate 17 (!) precedentes, inclusive um de Joaquim Barbosa meses antes da AP 470. E depois deste caso, ao julgar o chamado "Mensalão tucano", voltou ao desdobramento, enviando os réus sem foro privilegiado à primeira instância. Em outras palavras, o julgamento conjunto dos 40 réus, dos quais só 3 tinham foro privilegiado, foi a única exceção da História do STF. Trata-se de uma enorme quebra do direito de defesa.

– A Teoria do Domínio do fato, de origem alemã, não dispensa a prova cabal da participação direta daquele apontado como líder. Assim, a famosa frase da Min. Rosa Weber (Condeno José Dirceu sem provas porque me autoriza a literatura jurídica) não só não é verdade como consagra a perseguição a que foi submetido o líder petista. Poucos dias depois, ao julgar outro rumoroso caso com meandros políticos, o processo de corrupção contra o ex-Presidente Collor, o STF mais uma vez reverteu sua jurisprudência e absolveu-o por "falta de provas", sem sequer examinar a possibilidade de aplicar a "teoria do domínio do fato" da forma como aplicou a José Dirceu.

– E, por fim, o exame da aplicação de agravantes das penas demonstra que estas foram elevadas entre 63 e 73%. Trata-se de um aumento artificial das penas para evitar a prescrição ou mudar seu regime de cumprimento. A média de elevação de penas por agravantes mal chega a 25%. Aliás, no julgamento dos embargos infringentes, o próprio Min. Joaquim Barbosa confirmou que agiu desta forma por estes exatos motivos. Um absurdo contra os mais elementares direitos humanos, que igualmente comprova  a perseguição aos réus.

O outro advogado presente ao debate, Sávio Lobato, que atuou no processo como defensor do réu Henrique Pizolatto, acrescentou mais algumas questões:

– O Fundo Visanet é formado por R$ 0,01 de cada compra que efetuamos com o cartão Visa. Não há um só centavo de dinheiro público investido e o Banco do Brasil nunca aportou um único real neste Fundo. Com isto, cai a tese do "dinheiro público" o que liquida com os crimes contra a administração pública e corrupção e simplesmente derruba o processo todo.

– Estas alegações estão provadas com perícias técnicas, existentes no famoso Inquérito 2474. Este tem mais de 100 volumes e ocupa uma sala inteira no STF, mas o Min. Joaquim Barbosa impediu que viesse aos autos da AP 470. Nestas perícias se comprova, também, que o dinheiro (73 milhões) não poderia ter sido desviado porque foi aplicado em publicidade do cartão Visa.

– Provavelmente ciente da fragilidade da natureza "pública" do dinheiro do Fundo Visanet, o acórdão consagra, também, a natureza "pública" do chamado Bônus de Volume, o BV. O BV é o câncer da publicidade brasileira e foi inventado pela Rede Globo para subornar as agências de publicidade. Significa que quando é colocada uma verba publicitária num veículo de comunicação, este devolve o equivalente a 20% como BV à agência. Isto faz com que a agência queira sempre, independentemente da necessidade do cliente, anunciar naquele veiculo, para beneficiar-se do dinheiro do BV. Pois bem, o STF decretou que o BV pertence à empresa anunciante. Assim, o dinheiro que era da agência de Marcos Valério passou a ser do Banco do Brasil e sua legítima aplicação para o que quisesse o publicitário passou a ser crime de corrupção. Imagino uma roda de publicitários tomando um uisquinho na "happy hour" e dizendo: O Joaquim disse que o BV pertence à empresa anunciante! E caindo, todos, na gargalhada: quáquáquáquá. Mas há pessoas presas com base nesta bobagem.

– O indiciamento de Henrique Pizolatto e mais 3 diretores do Fundo Visanet foi pedido desde a CPI dos Correios. Pizolatto, o único petista, foi incluído como réu do mensalão, e os três outros, ligados ao PSDB, tiveram um processo contra si aberto numa vara crime do Rio de Janeiro. Isto rompe com o básico princípio de direito penal de que os réus acusados do mesmo fato devem ser julgados conjuntamente. Tal anula todo o processo em relação a Pizolatto e como isto leva a que não exista mais o "dinheiro público", liquida toda a ação. Avisados da existência desta outra ação, os ministros do STF simplesmente ignoraram.

O ex-Presidente Lula é hoje o latino-americano de maior prestígio internacional. Não há, certamente, nenhum outro líder nos ditos países emergentes que tenha maior credibilidade na opinião pública mundial. Lula, aliás, deu esta entrevista pouco depois de receber seu 27º título de Doutor Honoris Causa, uma marca invejável sob qualquer critério. 

Assim, frente a todos estes abusos e ilegalidades verificados no julgamento, me parece que Lula está a preparar o terreno da disputa nas cortes internacionais de direitos humanos. O julgamento do mensalão causou enormes prejuízos políticos ao PT e afastou-o de amplos setores de classe média. Mas não foi a bala de prata que destruiria o Partido. Encerrado, a luta petista agora é por desmoralizar tecnicamente o julgamento, amplificando todos estes abusos e ilegalidades. E certamente será muito importante para isto uma condenação internacional por uma corte de direitos humanos. E é isto que enfurece nossa mídia cabocla e os ministros cujas biografias , caso tal aconteça, virarão pó na História.
De toda sorte, a declaração de Lula mostrou seu respeito por nossa Suprema Corte. Nem com toda boa vontade consigo chegar a 20% jurídicos.

Antônio Escosteguy Castro é advogado.

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