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Antonina, Litoral do Paraná, Palestine
Petroleiro aposentado e petista no exílio, usuário dos óculos de pangloss, da gloriosa pomada belladona, da emulsão scott e das pílulas do doutor ross, considero o suflê de chuchu apenas vã tentativa de assar o ar e, erguido em retumbante sucesso físico, descobri que uma batata distraída não passa de um tubérculo desatento. Entre sinos bimbalhantes, pássaros pipilantes, vereadores esotéricos, profetas do passado e áulicos feitos na china, persigo o consenso alegórico e meus dias escorrem em relativo sossego. Comendo minhas goiabinhas regulamentares, busco a tranqüilidade siamesa e quero ser presidente por um dia para assim entender as aflições das camadas menos favorecidas pelas propinas democráticas.

domingo, 18 de março de 2018

Brasil nunca esteve preparado para a criminalização das drogas

Copiei do Justificando

Como se vê, Luis Carlos Valois é um
dos mais horrrorrrozzzos
juízes brasileiros!

Uma das alegações mais estranhas de quem teima em se colocar contra a legalização e consequente regulamentação das drogas, é a de que o Brasil não está preparado para a descriminalização. É como se o Brasil tivesse estado preparado para a criminalização, que é muito mais grave e prejudicial às liberdades, à vida, e aos demais direitos das pessoas.

Aliás, o Brasil nunca se fez essa pergunta, se estava preparado para criminalizar. Criminalizou tais drogas, que antes vendiam na farmácia, a mando dos EUA, submisso como em muitas outras áreas.

A história do Brasil nos congressos e convenções sobre drogas é de total vassalagem, aceitando a proibição mesmo sem qualquer estudo científico indicando esse caminho como o correto, e procurei demonstrar isso no meu livro “O direito penal da guerra às drogas” (2016).

Mas voltemos ao argumento de que o Brasil não está preparado para a proibição. Argumento estranho, que parece indicar que a descriminalização irá ocasionar o aumento do consumo.

Ora, será que alguém, sinceramente falando, conhece alguma pessoa que está esperando a descriminalização das drogas para fumar um baseado? O consumo aumentou justamente depois da proibição.

A saúde pública arca com os danos do cigarro, do álcool e das demais drogas, mas não é a proibição ou a descriminalização que vai diminuir isso, mas a educação, a orientação e o fim da hipocrisia, que a proibição enaltece, favorece e fortalece.

Aliás, os danos causados pelas drogas proibidas são causados principalmente pela proibição, que permite tais drogas sejam vendidas misturadas com qualquer sujeira, sem informação do conteúdo, do nível e da intensidade da substância a ser consumida.

Vários casos de overdose se dão simplesmente porque o usuário troca de traficante, principalmente porque o anterior foi preso ou morreu, e o novo, querendo ganhar mercado, aumenta a dose do produto sem informar.

Sempre vai haver drogas
Se levarmos em consideração que sempre vai haver drogas no mundo, e que não há uma solução definitiva para os problemas causáveis pelo uso indevido de algumas, talvez o Brasil esteja muito mais preparado – apesar de não estar preparado para quase nada – para a descriminalização do que para manter essa criminalização hipócrita e irracional. Nesse campo então, no campo da irracionalidade, somos campeões.

A prisão, onde se coloca o comerciante dessas substâncias – que chamamos de traficante para não percebermos a semelhança entre os seus comércios e os pontos de venda da Ambev ou da Souza Cruz, por exemplo – a prisão onde colocamos essas varejistas está cheia de drogas.

Sim, a prisão está cheia de drogas
E não adianta dizer que é a prisão brasileira, que há droga porque é ruim a administração. Drogas estão em todos os cantos, esquinas, escritórios, consultórios, gabinetes, corredores, salas, drogas estão também nas celas. 

A hipocrisia tem como base a cegueira seletiva e prazerosa de não ver o que não agrada ao hipócrita.

No Canadá, estudos da década de 1990 indicavam que 40% dos presos faziam uso de drogas nas prisões, com 11 % fazendo uso de drogas injetáveis. Na Austrália, na mesma época, 75% dos presos reportavam já ter feito uso de drogas injetáveis pelo menos uma vez enquanto encarcerados (JÜRGENS, 2000, p. 3).

Na Áustria, 20% dos presos estariam fazendo uso de drogas injetáveis na prisão (SPIRIG, 2002, p. 24). Para a ONU, no ano de 2013, na Europa, o uso de drogas entre presos, injetáveis e não injetáveis, variou entre 4 a 56% da população carcerária, com 11 países reportando o uso acima de 20%. (United Nations Office on Drugs and Crime. Word Drug Report, 2014, p. 13).

Todos os dados apenas ilustrativos, visto que qualquer estudo sobre drogas em prisões se dá sobre um objeto de pesquisa clandestino, passível de punição o usuário e dificilmente reconhecido pela administração, mesmo que seja a própria administração a facilitar a entrada dessas drogas.

Aliás, muitas pessoas chegam na prisão sem nunca terem usado drogas e na prisão têm o primeiro contato.

Na Rússia, um estudo indicou que 13% dos presos que fazem uso de drogas injetáveis começou a prática justamente na prisão. Na Europa como um todo, a porcentagem de presos que iniciam esse tipo de uso de droga na prisão gira em torno de 2 a 24% (STERN, 2006, p. 142).

Sobre tais fatos, acho que, no Brasil, não há necessidade de convencer as pessoas que pensam não estar preparado o país para a descriminalização por causa dos hospitais, pois elas devem saber que nossas prisões também não estão – nem nunca estiveram – preparadas para muita coisa.

Nem falarei da minha experiência de encontrar drogas nas prisões. Deixo com Dráuzio Varella, que nos conta a experiência de ter conhecido usuários de álcool, maconha, cocaína e crack no interior das prisões brasileiras, além de ter sentido, em visita a estabelecimento penal de Nova York, que presos fumavam maconha (1999, p. 136).

Conta também, o médico brasileiro, que em uma prisão-modelo de Estocolmo (vejam bem: prisão modelo de Estocolmo), vigiada por 350 funcionários, invariavelmente presos eram flagrados, nos exames de laboratório aos quais eram obrigados, tendo usado algum tipo de droga (Idem).

Assim, não pode haver maior irracionalidade do que encarcerar uma pessoa que estava vendendo uma substância em um local onde vende essa substância.

O Estado, as instituições, seus funcionários, perdem legitimidade, perdem poder – inclusive de comunicação – quando suas atividades estão baseadas na mais pura irracionalidade.

Nem falaremos da centralização e da estrutura que a reunião desses varejistas na penitenciária proporciona. O pequeno comerciante, aquele que não vai participar dessas reuniões, deve ficar assustado ao ver a droga que o levou ao cárcere sendo vendida na prisão e, pior, normalmente mais cara, devido aos custos da logística.

Luís Carlos Valois é Juiz de direito, mestre e doutor em direito penal e criminologia pela Universidade de São Paulo – USP, membro da Associação de Juízes para Democracia – AJD, e porta-voz da Law Enforcement Against Prohibition – LEAP (Agentes da Lei contra a Proibição).

JÜRGENS, Ralf. HIV/AIDS and drug use in prisons: moral and legal responsabilities of prisons, In: Drug use and prisons: an international perspective. New York, EUA: Routlegdge, 2000, p. 1-26.

SPIRIG, Harald. Drugs in prisions: the realities, 2002, p. 24

STERN, Vivien. Creatingcriminals: prisonsandpeople in a Market Society. Nova York, EUA: ZED BOOKS, 2006.

VALOIS, Luís Carlos. O direito penal da guerra às drogas. Belo Horizonte: Editora D’Plácido, 2016.

VARELA, Drauzio. Estação Carandiru. São Paulo: Companhia das Letras, 1999.

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