Haroldo Caetano da Silva
Jornal O popular
Haroldo Caetano da Silva é promotor de Justiça em Goiânia – Goiás - haroldocaetano@gmail.com
Jornal O popular
Falar
em direitos humanos é tarefa espinhosa. De imediato vêm à cabeça
comentários que remetem à ideia de que "direitos humanos são direitos de
bandidos". De fato, o discurso dos direitos humanos ganha relevo quando
precedido de situações denotadoras da violência institucional praticada
contra o delinquente. Vale lembrar, entre tantos, o episódio do
massacre praticado no ano de 1992 no presídio do Carandiru, em São
Paulo, em que a atuação da Polícia Militar paulista deixou 111 presos
mortos.
Mas na cultura do medo da sociedade moderna, para o que
contribui sobremaneira boa parte (a parte irresponsável, merece
registro) da mídia, e diante de fatos protagonizados por agentes do
Estado, principalmente policiais, que resultam na morte de delinquentes,
o discurso dos direitos humanos, distorcido e manejado por alguns
apresentadores de televisão, acaba por se identificar no imaginário da
população como um discurso que visa à proteção de criminosos. Daí vem
aquela outra máxima, muito utilizada por políticos em tempos de eleição,
de que "bandido bom é bandido morto". E os direitos humanos dão lugar,
então, ao arbítrio totalitário contra o homem, bastando, para tanto, que
ele seja identificado como delinquente pelo agente do Estado.
Lembro
de situação não tão rara quanto poderia parecer, de pessoas, inclusive
autoridades civis e até mesmo policiais, dessas que questionam os
defensores dos direitos humanos, quando se vêem vitimados pela violência
institucional, seja diretamente ou quando algum amigo ou parente
próximo é espancado ou executado arbitrariamente por ação da polícia ou é
violentado no ambiente das prisões. Normalmente, ao pedir a punição dos
responsáveis, argumentam que seu filho, ou amigo, ou parente próximo,
não era bandido, mas se deixou levar por más companhias, ou que era
apenas usuário de drogas e que não merecia morrer ou sofrer daquela
maneira. Poderíamos traduzir: se não era bandido, era gente. Se era
gente, deveria ver respeitados os seus direitos humanos. Em outras
palavras, poderíamos entender assim o recado: "direitos humanos
realmente não devem existir para bandidos", mas sim para "pessoas", como
meu filho, meu amigo ou meu parente próximo".
E é talvez nesse ponto
que se apresenta a grande contradição na postura dos críticos dos
direitos humanos. Para eles, apenas as pessoas têm tais direitos; o
bandido seria uma outra espécie distinta da humana, alguma coisa
autoconstruída, sem pai nem mãe, brotado da rua ou da favela e, como
tal, desmerecedor de direitos humanos. Tal percepção legitima a violação
dos direitos fundamentais daquele que é suspeito ou acusado da prática
do crime.
Simboliza bem essa coisificação do delinquente, reduzido a
menos que pessoa logo no momento em que se vê suspeito de ilícito penal,
o fato de que ao ser detido pela polícia, é colocado no porta-malas da
viatura, mesmo que esta seja um carro de passeio do tipo popular (Gol,
Palio). Se você algum dia transportar um passageiro no porta-malas do
seu carro e vier a ser barrado em uma blitz, certamente sofrerá severa
multa, além da retenção do veículo e da repreensão da autoridade de
trânsito. Afinal, passageiro deve ser transportado nos bancos do veículo
e fazer uso do cinto de segurança. Entretanto, a regra parece não valer
para a polícia, que transporta diariamente passageiros (coisificados)
em seus mínimos porta-malas. A partir da suspeita da prática criminosa, o
delinquente deixou de ser humano. É coisa. Não se trata de passageiro
da viatura, mas de objeto indesejável, asqueroso até. Eis um primeiro
exemplo que bem demonstra essa cultura arraigada na sociedade brasileira
e que propugna pela desumanização do delinquente.
Se é normal
transportar o delinquente no porta-malas, também o é torturá-lo para a
obtenção de confissão, mantê-lo em prisões imundas e superlotadas ao
extremo, processá-lo sem direito a uma boa defesa (em Goiás sequer há
Defensoria Pública), sujeitá-lo à violência contínua dos espaços
altamente degradados dos cárceres brasileiros, sem alimentação decente,
sem acesso a medicamentos básicos ("não temos nem dipirona" é o que ouço
frequentemente dos diretores de presídios). Enfim, é vista como normal
até mesmo a execução do delinquente, seja de forma sumária ou disfarçada
em pretensas trocas de tiros nem sempre comprovadas. Pois, como na
máxima já citada, "bandido bom é bandido morto"... Desde que não seja o
meu filho. Nem o seu.
Haroldo Caetano da Silva é promotor de Justiça em Goiânia – Goiás - haroldocaetano@gmail.com
O Ornitorrinco pede a palavra para dizer e provocar vocês todos, respeitosamente. Durante quase cinco anos trabalhei como voluntário no Conselho da Comunidade, um grupo de malucos nomeados pelo Juiz de Direito da Comarca que tinha, dentre outras, a tarefa de atender os presos da 7º DRP de Antonina. Vocês que rezam e pedem a clemência divina sabem que a carceragem da 7º DRP tem uns 55 m² e que nesse espaço eu já contei quase 80 presos? É claro que não sabem. A criminalidade a gente resolve prendendo e, principalmente, escondendo o problema de nós todos. Se não vemos os presos, pronto, tudo está solucionado, estamos salvos. Lamento informar, entretanto, que estamos todos metidos nisso até o pescoço. A propósito, pergunte ao seu padre ou ao seu pastor se ele vai até a delegacia para prestar algum tipo de atendimento aos homens e mulheres que estão presos. Se vai, o que duvido, me informem que publico aqui nesta porcaria de blog. Tem um texto da Bíblia que diz mais ou menos assim: lembrem-se de quem está preso, porque eu já estive preso. Foi um tal de jesus quem disse isso. Será que um porqueira de um ateu tem que lembrar vocês, cristãos abnegados, dessas coisas?
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