Eu visito Gilson Sampaio todos os dias
O Ornitorrinco pede a palavra para dizer que enquanto alguns tucanos depenados e sua imprensa de esgoto tratam de bater em Lula e no seu governo dia sim outro também, nós, que a exemplo de Gilson Sampaio, estamos sempre com a cabeça para fora da manada, matamos a cobra, extraimos o veneno e mostramos o pauzão invencível das forças populares e progressistas do Brasil. E tenho dito.
Wanderley Guilherme dos Santos
Um desigual – No poder o ex-operário realizou a maior ruptura nos últimos 80 anos da República
O
balanço de Lula contraria os tradicionais compassos das transações
correntes, balança comercial, taxas de câmbio e rubricas aparentadas.
São números relevantes, sem dúvida, mas tratados com interessada
subserviência, servem como disfarces da realidade – ora apresentando
como diferentes entidades semelhantes, ora pretendendo ser iguais a água
e a vinho. Uma variação anual positiva de 6% do PIB, por exemplo, não
quer dizer que o número total de pares de sapatos produzidos no ano foi
de 6% superior ao total produzido nos 12 meses anteriores, ou do total
de geladeiras, aspirinas, preservativos e tudo mais. Alguns números
reais corresponderiam a bem mais do que à porcentagem registrada, outros
a bem menos, e ainda outros a exatos 6%, sem mencionar os números
novidadeiros. Uns pelos outros é que desembocam nessa média. Trivial,
mas fácil de esquecer e dócil a interpretações marotas.
O
economista Fernando Augusto Mansor, do Ipea, calculou a taxa de
variação do PIB brasileiro dividido pela população (PIB per capita) nos
últimos 60 anos, subdividindo o período por 14 mandatos presidenciais,
acabados ou interrompidos, ditatoriais ou eleitos – de Getúlio
Vargas?Café Filho a Lula I e II. Vista de longe, parece que a história
econômica do país reprisa sequências de picos e vales de crescimento,
variando não mais do que o maior ou menor intervalo de tempo entre uma
escalada e uma queda. Uma rotina, quase. E nada melhor que uma rotina
para sugerir aos candidatos a cientistas da economia a existência de uma
“lei da natureza”. Daí a se imaginar que abundância e escassez caem do
céu e que todas as abundâncias se parecem não toma além de dois passos.
Mais
um passo e alcançamos a tese rústica de que o governo Lula representou
um prolongamento de governos anteriores, no que estes apresentaram de
positivo, acrescido de bonançosos ventos internacionais. Virtude e acaso
encarnados em sujeitos distintos, operando em tempos sucessivos, a tese
excitaria o falecido Maquiavel. Pace Niccolo, a história não é bem
essa.
O crescimento de 4,9%, em média, dos
prometidos 50 anos em 5 do Plano de Metas de Juscelino Kubitschek
(1956-1960), único presidente progressista eleito a concluir mandato
antes do golpe militar de 1964, e o melhor a partir de então entre os de
inspiração liberal, em nada se parece aos 4,1% do Segundo Plano
Nacional de Desenvolvimento, de Ernesto Geisel, cerca de 20 anos depois
(1974-1978). Mais 30 anos passados, os modestos 3,5 de Lula II, em novo
governo progressista legitimamente eleito, embora apontando ligeiro
declive diante do pico JK, representaram a mais espetacular ruptura das
últimas oito décadas da República. Mas a interpretação reduzida a
números não ultrapassa o registro de que houve 0,8 ponto percentual de
diferença entre o PIB per capita de JK e o de Geisel, e que o de Lula
ficou atrás de ambos ( o modus faciendi democrático desaparece nos
números). Em outras palavras, quem só vê porcentagens significantes não
enxerga o conteúdo sendo significado, ignorando que, na economia,
importante é o que está dentro dela, estúpido! - diriam os suecos.
Por
exemplo: dentro da taxa média de crescimento do PIB per capita de Lula
II faltam números satisfatórios de aeroportos, rodovias, ferrovias e
portos, justamente o que existe em abundância embutido nas taxas dos
anos JK. Os “50 anos” recuperados “em 5” de Juscelino chegaram por via
aérea ou recebidos em terminais rodoviários construídos às dezenas,
acompanhando o ritmo de conclusão das estradas interestaduais planejadas
pelos técnicos do então BNDE. Nada a lembrar o irritante
congestionamento atual de aeroportos e estradas, invadidos por
passageiros de primeira ou segunda viagem e por motoristas calouros em
fins de semana fora da cidade onde moram. Sem esquecer o crescente tempo
de espera para desembarque das mercadorias importadas nos portos
nacionais. Muitas das quais enviadas da China, com a qual – ninguém
podia imaginar – praticamente não falávamos nos anos 50 do século XX.
Enfim, os itens em atraso na composição do PIB de Lula I e II fizeram a
glória do desfile do PIB estilo JK nos sorridentes anos dourados de
meados do século passado. É bem verdade que nem todos sorriam, faltavam
os dentes, mas isso fica para depois.
Segundo os
conservadores, ou bem o Brasil crescia ou evitava a inflação. Escolha
difícil, à falta de terceira opção, e JK, apoiado pelo País inteiro,
escolheu crescer, enquanto outros, antes e depois dele, preferiram a
estagnação. Perfilhou, inclusive, o desafio de transferir a capital da
cidade do Rio de Janeiro para o Planalto Central. (Corre a lenda de que o
escritor carioca, católico e engenheiro por formação Gustavo Corção –
1896-1978 -, autor do célebre romance Lições de Abismo, apostou contra a
viabilidade civilizatória de Brasília, assegurando que ela não teria
condições de se comunicar nem telefonicamente com o resto do Brasil.
Perdeu a aposta, é claro, e provavelmente teria apostado também contra a
invenção do celular, jamais imaginando que tal artefato, se existisse,
viesse a estar ao alcance de mais da metade da população brasileira em
2010 – cerca de 100 milhões de assinantes – quatro vezes superior ao
número de celulares em circulação em 2003. Esta referência parentética
destinou-se a ilustrar, com um item que de conspícuo transformou-se em
básico, a rápida evolução recente do consumo em todas as rubricas
típicas, como fogão, geladeira, televisão etc., consignadas pelos
balanços usuais.)
Pois a tese da improbabilidade
de crescimento econômico sem inflação era outro dos dogmas do período
JK, adotado por todos os governos posteriores, o mesmo que se brandia à
véspera do primeiro mandato de Lula. A ver as experiências históricas.
As
entranhas do PIB juscelinista deram ganho de causa aos conservadores.
As taxas de crescimento anual da economia foram exuberantes: 1956 = 3,2;
1957 = 8,1; 1958 = 7,7; 1959 = 5,6; 1960 = 9,7. E não seria impróprio
atribuir ao carry-over do período juscelinista parte da saborosa taxa de
10,3, em 1961, já no mandato de Jânio Quadros (Conjuntura Econômica,
1972, Separata: 25 anos de Economia Brasileira, Estatísticas Básicas –
FGV). Em contraposição, o índice de preços saiu de um patamar de aumento
já elevado de 12,4%, em 1955, avançando a 24,4%, em 1956, e terminando o
ano de 1959 com 39,5%, recorde desde o restabelecimento da democracia
em 1945. Como de costume, o decreto 39.604-A, de 14 de julho de 1956,
concedeu adicional de salário somente aos trabalhadores da indústria.
Mais usual ainda, não houve reajuste salarial em 1957 ou em 1958
(Ibre/FGV, Índice de Preços Selecionados – Variações Anuais, 1946/1980).
A decomposição pelo avesso compromete um pouco o brilho do desempenho agregado dos indicadores econômicos de JK.
O
oposto se dá com as taxas agregadas de aumento do PIB per capita de
Lula I e II. Se mais modestas, elas revelam, contudo, a falsificação da
tese hegemônica de que vigoroso crescimento econômico seria incompatível
com taxas inflacionárias cadentes. Manutenção do poder de compra dos
salários, então, segundo a ortodoxia republicana, nem pensar, sendo
ademais delirante a hipótese de que, no Brasil, a economia suportaria
aumentos reais na renda dos assalariados. Tentativas anteriores teriam
conduzido o País ao limite da anarquia política e à desorganização das
contas públicas (fortíssimos indícios, de acordo com as mesmas fontes
midiáticas conservadoras e seus conselheiros, de planos sindicalistas
revolucionários). Como se vê, não é tanto a história que se repete
quanto à natureza e origem dos obstáculos que dificultam a sua
progressão.
A avalanche de indicadores positivos durante o governo Lula soterrou o pessimismo.
A
retomada do crescimento econômico veio acompanhada de inflação cadente e
sob controle, acrescida de inédito aumento na massa de rendimento do
trabalho. Em particular, o salário mínimo real dos empregados formais
aumentou em 54%, entre 2002 e 2010, estendendo-se o número de
trabalhadores com carteira assinada a mais da metade da população
economicamente ocupada (Dieese: Política de Valorização do Salário
Mínimo, in: Nota Técnica n˚ 86, São Paulo, 2010). Foram mais 15 milhões
de brasileiros a obter empregos com direitos trabalhistas reconhecidos
(Caged, novembro 2010). Naturalmente, também cresceu o número de
assistidos pelo sistema da Previdência Social. A curva do desemprego,
outro fantasma da excessiva prudência conservadora, apresentou uma
evolução favorável, com taxas cadentes desde 2005 até o recorde
favorável de 2010, quando a taxa de desocupação foi reduzida a 5,9% da
população economicamente ativa.
Vale registrar
que o desmonte das hipóteses econômicas sombrias se processou com
crescente e pacífica participação nos assuntos públicos por parte de
todos que o desejaram. Não houve qualquer repressão oficial a movimentos
populares, opiniões ou manifestações políticas. Nenhum grupo social
popular ou conservador teve cerceados ou amputados direitos de expressão
pública. Ao contrário, entre 2003 e 2009, foram promovidas 59
conferências nacionais sobre os mais variados temas, com o envolvimento
de mais de 4 milhões de pessoas, ademais da criação ou reorganização de
18 conselhos para tratamento de problemas históricos da população
(Secretaria de Comunicação Social da Presidência da República, Caderno
Destaques, novembro/dezembro 2009, Brasília).
Ao
contrário da anarquia prevista, a substituição de um sistema de valores
e de práticas de perfil tradicionalmente elitista por uma orientação de
governo comprometido com a promoção econômica, social e cultural da
vasta maioria de trabalhadores brasileiros, em particular de suas
camadas mais pobres, inaugurou um clima de temperatura política
tolerante e cooperativa. São os extremos de dogmático espectro
ideológico que, hoje, lastimam a redução na intensidade dos conflitos
que, preveniam, seriam atiçados pelo governo Lula da Silva. O absoluto
respeito por parte do Executivo às regras do jogo e às demais
instituições do País – judiciárias, legislativas, estaduais – é um dos
aspectos incluídos no reconhecimento que a população dispensou ao
governo, em porcentagens acima até mesmo do apoio eleitoral que deu.
A
comoção que acompanhou a transmissão da faixa presidencial à presidenta
eleita, Dilma Rousseff, bem como a despedida do presidente Lula da
Silva, testemunha a extensão de seu sucesso, excepcional contradita às
suspeitas que cercaram sua posse em janeiro de 2003.
Crescer
economicamente, administrando a inflação com racionalidade, promovendo a
criação de empregos e a valorização real da renda dos trabalhadores não
é equação a ser resolvida em demonstrações doutorandas, mas pelo
compromisso axiomático do governo com a justiça social e com o progresso
material e soberano do País.
Para ser desigual
alguém precisa existir. Parece óbvio, mas, em 2006, de acordo com
projeções do IBGE, 12,6% da população não existia oficialmente. Em 2002,
teriam sido 20,9%. Em Rondônia, o número de nascidos e não registrados
no primeiro ano de vida alcança 40%, recorde nacional, e, no Amapá, 33%
(Secretaria de Comunicação Social, Caderno Destaques, nov/dez 2009). No
total, são pessoas que não dispõem ou dispunham de documento
comprobatório de existência, nascimento, nome ou residência.
Consequentemente, desassistidas de qualquer tipo de política pública ou
direito civil. Para a maioria da população, o acesso a registros tais
como certidão de nascimento, carteira de identidade, CPF e carteira de
trabalho aparece como fatos tão naturais quanto o nascer, crescer e
trabalhar. Não obstante, foi necessário um governo popular se interessar
por essa multidão oficialmente invisível e passar a despender recursos
para trazê-la à luz do dia. Mutirões foram realizados e outros 1.225
previstos para 2010, particularmente na Amazônia Legal e no Nordeste,
para execução do Programa de Ampliação do Acesso à Documentação Civil
Básica. O alvo é o contingente de brasileiros construído de povos
indígenas, quilombolas, ciganos, ribeirinhos, trabalhadores rurais,
moradores de rua, catadores de recicláveis, crianças e idosos em
abrigos, distribuídos em municípios de elevados índices de sub-registro.
É
duvidoso que um item dessa natureza seja facilmente encontrável na
decomposição de qualquer indicador agregado dos governos anteriores,
próximos ou remotos. Mas eles fazem parte do povo de Lula, tanto quanto a
vanguarda operária dos centros industriais das grandes cidades e a
classe média recém-engordada por passageiros vindos das classes D e E.
Na
vasta maioria dos casos, o acesso à documentação representa o ingresso
em alguma ou várias formas reconhecidas de desigualdade. Nada mais fácil
para um brasileiro do que se incorporar a um desequilíbrio social, de
um lado ou de outro: gênero, cor, instrução, renda, idade, geografia de
nascimento e até estética são portais escancarados à estratificação e
discriminação. Entre outros, e crucial, é o portal da Justiça.
A
Justiça é dispendiosa para todas as pessoas e para os pobres em
particular, além de cara, amedronta mais do que apazigua. Ainda agora o
IBGE publicou preciosa pesquisa sobre Características da Vitimização e
do Acesso à Justiça no Brasil (IBGE, 2009), com números sobre violência
contra pessoas e contra a propriedade, repetindo em certa medida
investigação semelhante que realizara em 1988, há 22 anos, portanto.
Entre as infaustas novidades encontram-se as que dizem respeito às
vítimas preferenciais da violência por classe de renda e idade, por
exemplo, e seus algozes. Com base em amostra nacional de 399.387 pessoas
e 153.837 unidades domiciliares distribuídas por todas as unidades da
Federação, os resultados revelam um quadro comparativo ainda
desalentador. Mesmo em casa, não mais do que 78,6% das pessoas se sentem
seguras, porcentagem que cai para alarmantes 52,8% da população quando
estão na cidade, longe de casa e do bairro.
Há
substancial variação regional nesses números, aparecendo a Região Norte
como aquela em que a população se sente menos segura, seja em casa
(71,6%), no bairro (59,8%) ou na cidade (48,2%). Segundo a pesquisa, os
homens sentem-se mais seguros que as mulheres, sem diferença marcante
entre brancos e pardos, nesse item sobre subjetividade, em qualquer dos
locais investigados. Cerca de 8,7 milhões de pessoas, 5,4% da população
residente de 10 anos de idade ou mais, foram vítimas de roubo e/ou furto
no período de 27 de setembro de 2008 e 26 de setembro de 2009, com a
maior incidência ocorrendo com pessoas de 16 a 34 anos de idade. A
violência física caminha na direção inversa à da renda, com a maioria
agredida situando-se na faixa de um quarto do salário mínimo. Os autores
da violência física foram desconhecidos, em 39% dos casos, pessoas
conhecidas em 36,2%, cônjuge ou ex-cônjuge, 12,2%, parentes em 8,1% das
agressões e 4,1% de autoria de policiais ou seguranças privadas. Entre
as mulheres, 25,9% delas foram agredidas por cônjuge ou ex-cônjuge.
Sujeitas a várias discriminações, as mulheres e a população não branca
atestam vários dos desequilíbrios sociais praticados pela sociedade, não
obstante a legislação penal existente.
Entre
1988 e 2009, a violência contra a população branca foi reduzida de 64,6%
para 52%, enquanto a população preta ou parda, vitimada, aumentou de
34,9% para 47,1%. O mesmo fenômeno se deu na comparação por gênero: a
porcentagem de homens roubados ou furtados decresceu de 58,3% para
53,1%, enquanto a das mulheres aumentou de 41,7% para 46,9%. As
porcentagens relativas à violência física seguem o mesmo padrão:
enquanto a população branca, em particular a masculina, obteve
acréscimos de segurança, nos últimos 20 anos, a probabilidade de sofrer
agressões corporais aumentou para a população feminina, preta e parda.
Embutido
nesses números está o testemunho da extensão em que níveis de pobreza,
por certo, mas igualmente da aspereza da cultura cívica somam-se para
fabricar uma sociedade ainda predatória e discriminatória. Sua superação
exige largo intervalo de tempo.
Do outro lado
da ponta da prevenção, que claudica, encontra-se a oferta de proteção
jurídica. A nova Lei Orgânica da Defensoria Pública, de outubro de 2009,
ampliou e tornou efetiva a possibilidade de que cidadãos sem capacidade
financeira para a contratação de advogados obtenham condições de trazer
pleitos junto aos tribunais. Entre 2003 e 2008, o número de defensores
públicos passou de 3.250 para 4.525, e o número de atendimentos
jurídicos de 4,5 milhões para 9,6 milhões, um acréscimo de 113% (Fonte:
Ministério da Justiça).
O Programa de Proteção a
Crianças e Adolescentes Ameaçados de Morte, criado em 2003, embora não
implantado ainda em todos os Estados, já atendeu 1.375 crianças e
adolescentes e 2.255 familiares. Diante da incessante fábrica de
desigualdades, discriminações e violência que é a sociedade brasileira,
programas como o (PPCAAM), entre outros, e inovações institucionais como
as Secretarias Especiais da Mulher e da Promoção da Igualdade Racial,
que atuam, sobretudo na reparação de transgressões, não deixarão de
apresentar resultados mais substantivos no longo prazo.
Se
a violência estrutural é difusa e resistente, a redução das carências
iminentes da população pobre – atendimento à saúde e educação – depende
fortemente da disposição e ação governamentais. O número de Farmácias
Populares ara atendimento ao povo de Lula cresceu 1.826%, entre 2004 e
2008, vendendo mensalmente medicamentos a preço de custo a 1 milhão de
pessoas. Outro milhão de pessoas adquire medicamentos, por mês, com
descontos de até 90%.
O Programa Saúde da
Família é conhecido, mas nem tanto o programa Brasil Sorridente, para o
povo malcuidado, tópico embaraçoso para governos de elite. Em 2004,
foram instalados 100 Centros de Especialidades Odontológicas, aumentados
para 771, em 2009. Com 18.650 equipes, atenderam 87 milhões de
brasileiros em 2009 (Ministério da Saúde, Boletim, novembro de 2009).
Programas
para portadores de deficiência física, que alcançam 14% da população do
País, incluíram a adequação de 10.489 escolas, entre 2007 e 2009, para
atendimento especializado (Seesp/MEC). O ProUni, educacional, o Programa
de Agricultura Familiar, produção de alimentos, e o Minha Casa, Minha
Vida, habitacional, somam-se aos referidos para orquestrar o que
constitui o compasso essencial do balanço de Lula. O Programa de
Aceleração do Crescimento (PAC) tem papel destacado na composição do PIB
dos últimos anos, com certeza, assim como as iniciativas nas áreas da
grande agricultura e da exportação. A visibilidade do programa Bolsa
Família e suas dezenas de milhões de famílias recuperadas à miséria a
instala por gravidade no centro da atenção midiática.
Mas
o pernóstico debate sobre atribuído assistencialismo do programa ofusca
o princípio ordenador das prioridades do governo e o sentido histórico
dos dois mandatos do presidente Lula da Silva. Crescimento econômico,
inflação sobre controle, expansão do emprego e redução das desigualdades
sociais são metas compatíveis, sim, entre si e com a democracia, desde
que o governante adote políticas em harmonia com a agenda preferencial
do povo – isto é, do povo de Lula.
O Longo Ciclo Vargas (de 1930 a 2014)
Um estancieiro gaúcho; um operário pernambucano e uma militante política mineira
A
Inglaterra inaugurou a modernidade liderando a primeira Revolução
Industrial entre 1780 e 1820. Quarenta anos. Mas o pioneiro ciclo de
modernização só se encerrou no início do século XX, com o amadurecimento
de um sistema público de seguridade social e a universalização do
direito de voto masculino e feminino em 1924. Nessa cronologia, o Brasil
ainda teria um crédito de 20 ou 30 anos à disposição.
Os
primeiros países modernos contaram com duas vantagens históricas. A
primeira, conferida pela originalidade, foi a de estabelecer velocidade e
conteúdo da própria “modernidade” sem competidor à frente. Qualquer
avanço material, tecnológico, cultural, era, por definição, “progresso”.
Aos emergentes, contudo, foi imposta a necessidade de descontar o
atraso, além de crescer, visto que a tese da convergência civilizatória
mundial se revelou ideológica. Em acréscimo, esta a segunda vantagem, os
países modernos da primeira onda foram dispensados de sobrepujar a
oposição interna de grupos que preferiam a estagnação ou a subordinação a
estratégias de outras nações.
No Brasil,
ademais dos percalços de governos conservadores, o caminho da
modernização enfrentou interesses que, congregados, levaram um
presidente legitimamente eleito ao suicídio, em 1954, tentaram impedir a
posse de outro, em 1955, e interromperam, pela força das armas, o
mandato de um terceiro em 1964.
O governo do
presidente Luiz Inácio Lula da Silva foi o primeiro efetivamente popular
na história da República a terminar pacificamente não um, mas dois
mandatos, eleger uma sucessora e transmitir o cargo. Retrospectivamente,
registre-se que os dois principais momentos de avanço dos direitos da
população pobre do País ocorreram sob regimes autoritários: a
Consolidação das Leis do Trabalho, sob o Estado Novo de Getúlio Vargas
(1937-1945), e a criação do Fundo de Amparo ao Trabalhador Rural,
durante a ditadura militar do general Emílio Garrastazu Médici
(1970-1974).
O governo Lula avançou na
reformulação da estrutura econômica do País, na indústria, na
agricultura e nos serviços, revelou inédita independência na
administração dos constrangimentos de crises externas (2008-2009) e
alterou a agenda de prioridades nacionais. O resgate de mais de 20
milhões de pobres e o anúncio do programa para a erradicação da miséria
extrema, com o governo de Dilma Rousseff, além da desejável e
indispensável capacidade de produção autônoma de conhecimento e
tecnologia, indicam o término do ciclo de ajustamento do País à
modernidade.
É bem possível que a travessia
iniciada por um estancieiro gaúcho, que pouco se ausentava do palácio de
governo instalado em uma cidade marítima do Sudeste, esteja sendo
encerrada por um ex-metalúrgico paulista, migrante nordestino, associado
a uma mulher, ex-presa política de origem mineira. Tão Brasil.
Extraído da Revista CartaCapital n˚629
autor: Wanderley Guilherme dos Santos
enviado por Jotamorim
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