Desculpe o tratamento informal, meu velho, mas você está
meio desmoralizado depois do fiasco do dia 21 de maio, e a culpa é toda sua:
durante anos um engenheiro americano maluco, o que me parece exemplo claro de
tripla redundância, proclamou que você acabaria com o mundo 7 mil anos depois
do dilúvio e você, ó, já cansado com estas previsões que nunca se concretizam, de
saco divinamente cheio e por pura preguiça não tomou nenhuma providência,
deixou o velhote doido falando as bobagens todas, e nada aconteceu. Sim, o
mundo está meio acabado, como sempre, mas ainda dá pro gasto.
Chame aí o papa e mande o Bento Alemão XVI fazer um
pronunciamento qualquer explicando o que deu errado, usando aquele linguajar
maroto da transcendência e dos seus desígnios insondáveis e tudo ficará melhor na
sua biografia. A safada da santa madre e genocida igreja católica tem muita
experiência acumulada nesta área da propaganda enganosa, e você sabe disso, não
é mesmo?
Não vou tripudiar sobre o seu mais recente fiasco,
meu bom e cansado velhote, quero é falar e, ao final, pedir sua atenção para um
amigo muito especial. Por uns poucos minutos deixe de lado a gritaria dos
evangélicos – como você aguenta? – e trate de ouvir este ateu boquirroto e inofensivo,
muito menos danoso que padres, bispos, pastores, missionários e profetas de
araque que estão a enganar incautos aqui nos andares de baixo. Isso, sente
naquela sua poltrona divina favorita, revestida com o couro daquela cobra que
começou o furdunço todo, e peça a um dos seus querubins uma boa dose de cognac,
francês naturalmente que, se até eu sei o que é bom, imagine você, que criou
tudo o que é bom. Vamos lá?
Ontem, 22 de maio, domingo, desde muito cedo estivemos
fora de Antonina, e regressamos lá pelas oito da noite, todos nós varados de
fome e fomos direto para a Casa Verde, parecíamos um destacamento de Átila, e
queremos comer, e querermos comer, e queremos comer!
André – atenção para este nome, ó deus desatento –
abre logo um largo e acolhedor sorriso, e nos desarma e nos acalma, e nos faz
sentar (ele aprendeu estas técnicas diabólicas todas, no bom sentido, no
Sebrae) e nos garante, modos suaves mas firmes, não apenas um pouco de comida,
mas sobretudo boa comida, ó glória, ó menezes! E anota os pedidos todos, e
conversamos animados e ele nos informa que a Casa Verde será, as partir de
julho, também uma galeria de exposições, tudo isso em parceria com uma agência
muito chique de Curitiba, o nome me escapa em cristo, acho que é o vinhote que
estou a bebericar, mas esta é uma baita notícia.
E os pratos são servidos e os hunos começamos a
comer, e resolvo pedir uma taça de vinho e, André, que já fez o Caminho de
Santiago da Compostela duas vezes, creio, e quer repetir a caminhada, me
surpreende, me encanta: abre logo uma garrafa de Alexander Red, um vinho grego,
tinto seco, combinação de uvas Cabernet Sauvignon e Xinómavro, esta típica e
exclusiva da Grécia, da região da Macedônia onde nasceu Alexandre, o Grande.
Para você que, dizem, criou todas as coisas, uva
grega Xinómavro não é nenhuma novidade, mas para este Ornitorrinco meio bugre,
que jamais havia tomado um vinho grego, porra, ó aleluia, foi o máximo. Pois o André,
ó deus que está a pestanejar, abriu e dividiu comigo uma garrafa de um vinho
tinto grego, feito com uma uva da qual jamais eu ouvira falar, e abriu e
dividiu pelo simples e definitivo prazer de dividir uma garrafa de vinho com um
amigo. Um vinho divino, e isso não tem nada a ver com você, velhote preguiçoso,
não seja metido.
Dito isso e benedito aquilo, com fulcro na
legislação aplicável e considerando que seus lamentáveis intermediários garantem,
em seu nome, que este nosso mundo vai
acabar, espero de você, deus phodão, que:
1. Retire-se, aposente-se, dispense seus
intermediários apatifados, e vá para alguma praia do Nordeste curtir o sol e
bebericar alguma cachaçinha da boa;
2. Se não houver mesmo escapatória, no dia do fim do
mundo trate de fraudar a licitação de modo que a Casa Verde e o André
permaneçam intactos, desde que, aqui e ali, abram uns vinhotes para os amigos.
Sim, convidaremos você, deus, não se preocupe, mas as passagens e a hospedagem
serão por sua conta, que a vida permanecerá sendo dura.
3. Não se iluda com meu conversê malemolente porque,
para interceder por um amigo eu até finjo que acredito em você. Por falar
nisso, você realmente acredita em deus?
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