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ar
Publicado em 13 de julho 2009
Ateus, saiam do armário! Ateísmo e falsas simetrias
Ateus, saiam do armário! Ateísmo e falsas simetrias
O Biscoito Fino e a Massa combate
as falsas simetrias desde outubro de 2004. Outro dia, numa mesa de bar, tive
que ouvir a velha história de que “machismo” e “feminismo” são duas coisas
idênticas; de que as mulheres deveriam abandonar essa história de feminismo
porque ... afinal de contas, somos todos seres humanos! Uma amiga querida,
feminista, encarregou-se de explicar o óbvio: que o machismo é a justificativa
ideológica de uma opressão milenar, que subjuga as mulheres, relega-as à
condição de serventes, e que o feminismo representa a luta por uma sociedade em
que todos tenhamos os mesmos direitos - uma sociedade em que as mulheres
possam, por exemplo, legislar sobre seu próprio útero. Daí, a conversa da nossa
interlocutora descambou para a discussão do racismo, onde ela de novo repetia a
ladainha de que uma camisa 100% negro e uma camisa 100% branco representavam
coisas igualmente reprováveis, como se não tivesse havido aquele pequeno
detalhe chamado escravidão.
Está em curso uma perigosa
tendência a silenciar os ateus. O argumento – calhorda,
cafajeste, ignorante – é que cada vez que um ateu sai do armário, se assume
como tal e começa, a partir dali, a articular publicamente suas razões para ser
ateu, ele está repetindo, mimetizando, reproduzindo a doutrinação evangélica
com a qual somos bombardeados todos os dias. Cada vez que os ateus começamos a
falar publicamente sobre essa mais óbvia e razoável das escolhas vem alguém nos
acusar de ... estar querendo evangelizar os outros!
Dá pra imaginar uma simetria mais
falsa?
Uma pesquisa recente, da Fundação Perseu Abramo,
mostra que os ateus representamos o grupo social mais discriminado socialmente.
Mais que negros, mulheres, travestis, gays, lésbicas. Mais, até mesmo, que
transsexuais. Eu não estou dizendo que a discriminação cotidiana que sofre, por
exemplo, um ateu branco, é comparável à que sofre um negro de qualquer crença.
Não é. Não é, em primeiro lugar, porque ser negro e, até certo ponto, ser gay,
são coisas impossíveis de se esconder. Ser ateu, não. Mas se você perguntar a
um brasileiro em qual membro de grupo social ele não aceitaria votar de jeito
nenhum, os ateus estamos, disparados, em primeiro lugar. Vivemos ainda nesse
estranho regime que associa a moralidade à crença religiosa, como se existisse
alguma relação entre religiosidade e comportamento moral, como se não
soubéssemos nada sobre a lambança feita pelos padres com as crianças e adolescentes
– para não falar dos séculos de lambança obscurantista e anticientífica
promovida pelas religiões.
A crítica que ouço por aí a Richard Dawkins – que ele está liderando um
movimento ateu que tem caráter evangelizante, doutrinador, e que portanto ele
acaba se parecendo a um crente – é de uma burrice digna de um cristão. Nós
passamos séculos em que os ateus não tínhamos sequer o direito de falar na
esfera pública enquanto tais. Nós vivemos num mundo onde professores são despedidos por serem ateus; adolescentes
recebem suspensão na escola por serem ateus; políticos que se declaram ateus
têm pouquíssimas chances de serem eleitos. Essa mais
razoável e óbvia das conclusões filosóficas – a de que o mundo não foi criado
por nenhum ser onipotente – ainda é motivo de perseguição severa para qualquer
um que a abrace.
Apesar do caráter laico da
República Federativa do Brasil, garantido na nossa constituição, as religiões
ainda gozam desses estranhos privilégios: não pagam impostos, por exemplo. A
pior parte é que elas podem dar palpite em absolutamente tudo - desde o
currículo escolar até o útero alheio - mas, no momento em que são questionadas,
o debate é silenciado com aquele mais cretino dos argumentos, ah, tem que
respeitar minha religião.
Entendam o ponto de vista d' O
Biscoito Fino e a Massa sobre isso: tem que respeitar religião porra nenhuma.
Tem que acabar com essa história de que, todas vezes que apontamos a misoginia,
a homofobia, os estupros de crianças, a guerra anticiência, os
séculos de lambança obscurantista, sempre aparece alguém para dizer "ah,
tem que respeitar minha religião".
Ideias não foram feitas para
serem "respeitadas". Ideias foram feitas para serem debatidas,
questionadas, copiadas, circuladas, disseminadas, combatidas e defendidas,
parodiadas e criticadas. De preferência com argumentos. Seres humanos merecem
respeito. Pregação contra o que seres humanos são, por sua própria essência e
identidade (gênero, raça, orientação sexual) não pode ser confundida com sátira
antirreligiosa. A maioria dos carolas adora confundir sátira antirreligiosa com
ataque misógino ou homofóbico. Não entendem que sua superstição é, essa sim,
uma opção.
As três famílias que chamo de
minhas – a sanguínea, a de meu amor e a da mãe de meus filhos, todas elas
majoritamente católicas – são testemunhas de que jamais invadi um ritual
religioso deles para fazer sátira, questionar o que quer que seja ou tentar
converter quem quer que seja. O ritual acontece no espaço privado – que é onde
ele tem o direito constitucional de acontecer – sem que eu jamais o
desrespeite. Mas isso não é porque eu “respeito a religião”. Isso é porque eu os
respeito, como pessoas. Tenho a opção de acompanhar o ritual em silêncio ou
afastar-me porque, afinal de contas, são três famílias maravilhosas.
Entendam: o debate na esfera
pública são outros quinhentos. E, neste debate,nós chegamos para ficar.Ateus,saiam
do armário. Sem medo. É muito melhor.
O Beato Rosnento pede a palavra
para dizer que obviamente concorda com o texto claríssimo de Idelber Avelar e aproveita para deixar sua máxima para esta terça-feira: meus irmãos, comigo é só love, o
resto é gospel-gosmento.
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