Alguns de nossos alunos ficaram confusos sobre qual posição
adotar a respeito da chamada “Marcha Contra a Corrupção”, patrocinada e
incentivada por nossos aliados, e realizada no dia 7 de setembro.
* * * * *
O blogueiro da “Veja”, Reinaldo Azevedo, comemorando a adesão ao seu lema pelos participantes da marcha:
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A confusão procede: uma ação mais incisiva contra a corrupção poderia
chegar a setores nada recomendáveis. Mesmo a aparentemente inócua (para
o “nosso lado”) CPI da Corrupção, apoiada por eminentes oposicionistas,
…
… poderia ser desvirtuada pela convocação de notórios corruptores,
colocando em risco alguns dos principais financiadores do “nosso lado”.
Vamos, então, aos esclarecimentos necessários.
Primeiro, consideramos infeliz a escolha do nome “Marcha”. Civil não
faz marcha: faz passeata. A palavra “marcha” lembra um tempo que a
maioria da população preferiria esquecer, embora muitos dos nossos
colegas sonhem com a volta dos valores e das práticas daquela época
sombria.
Segundo, precisamos explicar por que uma marcha contra a corrupção
feita em São Paulo não trouxe nenhuma lembrança dos mais notórios casos
de corrupção verificados naquela cidade e naquele Estado – a saber,
nenhuma faixa sobre:
. O escândalo internacional da Alstom.
. O caso do Rouboanel (denominação criada pelos próprios paulistanos).
. Os postos de arrecadação política dos pedágios.
. As fraudes comprovadas na construção das linhas do metrô.
. A famosa Cratera do Metrô.
. O Caso Paulo Preto.
. Os casos dos parentes do governador Alckmin.
. O aparelhamento de órgãos estatais com políticos do PSDB e do DEM derrotados em outros Estados.
. O caso do Rouboanel (denominação criada pelos próprios paulistanos).
. Os postos de arrecadação política dos pedágios.
. As fraudes comprovadas na construção das linhas do metrô.
. A famosa Cratera do Metrô.
. O Caso Paulo Preto.
. Os casos dos parentes do governador Alckmin.
. O aparelhamento de órgãos estatais com políticos do PSDB e do DEM derrotados em outros Estados.
E muitos outros mais.
A explicação é simples. Para todo o Brasil, São Paulo é o símbolo nacional da impunidade, na luta contra a corrupção.
Tanto a Câmara Municipal quanto a Assembleia Estadual barram, por ordem
do Executivo, qualquer tentativa de apuração de irregularidades e de
desvio de verbas.
No Estado, governado pelo PSDB desde 1995, nenhuma CPI investigativa
foi instaurada pelos legisladores. Mais de 70 pedidos de investigação
repousam nas lixeiras da Casa.
Em nossas marchas, você jamais verá um cartaz desses tendo São Paulo como alvo.
(E se você estranhou a presença de faixas contra o prefeito Gilberto
Kassab na Marcha, e também a denúncia do “Estado de S. Paulo” sobre uma
concorrência fraudada, feita no dia seguinte, saiba que o prefeito se
tornou um inimigo político de José Serra. A crítica, antes proibida,
agora está liberada.)
Em São Paulo nada se investiga, nada se pune. Não faria sentido o
“nosso lado” apoiar uma marcha que fizesse denúncias contra nossos mais
ilustres políticos. Nesse Estado e em todo o País, o foco deve ser o
mesmo de sempre: o Governo Federal e os políticos do grupo que
substituiu nosso grupo de aliados em Brasília.
Terceiro, façamos uma breve e didática análise do processo da
corrupção para que você entenda o sentido desse movimento em nossa luta
pelo poder.
O processo da corrupção
A corrupção é um processo, e como todo processo ela se desenvolve por
fases. Didaticamente, a prática desse processo desenvolve-se deste
modo.
1. A intenção de corromper.
Alguém tem a ideia de lucrar, de maneira ilícita, com uma oportunidade: um amigo bem colocado na estrutura do poder, uma concorrência pública, uma verba recém-aprovada. No processo, esta é a fase “Luzinha acesa sobre a cabeça”.
Alguém tem a ideia de lucrar, de maneira ilícita, com uma oportunidade: um amigo bem colocado na estrutura do poder, uma concorrência pública, uma verba recém-aprovada. No processo, esta é a fase “Luzinha acesa sobre a cabeça”.
2. A iniciativa de corromper.
Essa pessoa (ou esse grupo empresarial, como uma empreiteira, um banco, uma holding) toma a iniciativa de buscar ativamente esse benefício. A corrupção deixa de ser subjetiva e passa ao plano objetivo, da realidade, do comportamento. No processo, esta é a fase “Tô chegando”.
Essa pessoa (ou esse grupo empresarial, como uma empreiteira, um banco, uma holding) toma a iniciativa de buscar ativamente esse benefício. A corrupção deixa de ser subjetiva e passa ao plano objetivo, da realidade, do comportamento. No processo, esta é a fase “Tô chegando”.
3. A proposta de corrupção.
O agente da corrupção faz a proposta à pessoa certa, diretamente ou, na maoria dos casos, por meio de um representante. Essa é a função clássica dos lobistas, profissionais especializados em cor… convencer uma outra pessoa sobre as vantagens mútuas de um negócio ilícito. No processo, esta é a fase “Vamos lucrar?”.
O agente da corrupção faz a proposta à pessoa certa, diretamente ou, na maoria dos casos, por meio de um representante. Essa é a função clássica dos lobistas, profissionais especializados em cor… convencer uma outra pessoa sobre as vantagens mútuas de um negócio ilícito. No processo, esta é a fase “Vamos lucrar?”.
Você já pensou por que quase não se encontram reportagens sobre
lobistas na imprensa, essa categoria de profissionais sombrios que
infesta as casas legislativas e que promove animadas festas noturnas nas
quais…? Bem, você sabe.
4. A aceitação da proposta.
O alvo do corruptor aceita a proposta. No processo, esta é a fase “Oba!”.
O alvo do corruptor aceita a proposta. No processo, esta é a fase “Oba!”.
5. O fechamento do trato.
As duas partes chegam a um acordo, mutuamente benéfico. No processo, esta é a fase “Unidos venceremos”.
As duas partes chegam a um acordo, mutuamente benéfico. No processo, esta é a fase “Unidos venceremos”.
6. O primeiro pagamento.
Em certos casos, um primeiro pagamento consolida o acordo e garante ao corrupto um ganho concreto, mesmo que o resultado futuro não seja o pretendido por ambas as partes. No processo, esta é a fase “Te paguei em confiança. Olha lá, heim?”.
Em certos casos, um primeiro pagamento consolida o acordo e garante ao corrupto um ganho concreto, mesmo que o resultado futuro não seja o pretendido por ambas as partes. No processo, esta é a fase “Te paguei em confiança. Olha lá, heim?”.
7. O cumprimento do acordo.
O corrupto cumpre o acordo: o negócio ilícito é afinal realizado. Um benefício é concedido a uma pessoa ou empresa, uma concorrência é fraudada, uma verba é destinada a quem não a merece. No processo, esta é a fase “Gostou do resultado?”.
O corrupto cumpre o acordo: o negócio ilícito é afinal realizado. Um benefício é concedido a uma pessoa ou empresa, uma concorrência é fraudada, uma verba é destinada a quem não a merece. No processo, esta é a fase “Gostou do resultado?”.
8. O pagamento final.
O corruptor, que tinha iniciado o processo, põe um termo a ele ao fazer o pagamento do serviço prestado. No processo, esta é a fase “Unidos, vencemos”.
O corruptor, que tinha iniciado o processo, põe um termo a ele ao fazer o pagamento do serviço prestado. No processo, esta é a fase “Unidos, vencemos”.
Repare como esse processo serve para mapear até mesmo uma corrupção
em escala menor, como o suborno de um guarda: pego numa blitz, o
motorista tem ideia de sair-se da enrascada sem pagar a vultosa multa
(1), engata uma conversa inicialmente cautelosa (2) e, percebendo a
receptividade do guarda, faz a proposta (3): uma cerveja caprichada, e
estamos conversados. O policial aceita a proposta (4), os dois combinam
como o pagamento será feito (5), este é realizado (6-8), e o policial
cumpre o acordo de não multar o infrator, em troca de um benefício
ilegal (7).
Qualquer análise racional descobrirá o óbvio: o corruptor está no início, no meio e no fim do processo. Sem ele, não existiria corrupção.
É ele quem toma a iniciativa de corromper, e é ele quem tem o recurso
mais valioso na negociação (o dinheiro), quem estabelece as bases da
proposta e quem faz o pagamento que concretiza a corrupção.
A lei reconhece essa verdade simples ao denominar os crimes como corrupção ativa (o crime do agente, do corruptor) e corrupção passiva (o crime do corrompido, daquele que aceita participar do esquema ilícito).
Reza o ditado: “Corruptos são ervilhas; corruptores são pérolas”. De
um lado, uma multidão disponível e barata; do outro, poucos
endinheirados. Corruptos são substituíveis: se determinado alvo faz jogo
duro, cisma de ser honesto, recusa-se a aceitar propostas mutuamente
vantajosas, basta uma campanha pela imprensa, um lobby num Ministério,
ou mesmo uma ação mais radical, como o assassinato, e está resolvido o
problema eventual. Uma autoridade mais compreensiva assume a função, e
segue o jogo.
Um exemplo: há poucos anos, no Rio de Janeiro, vários responsáveis
pela compra de medicamentos para os hospitais públicos foram alvos de
atentado por se recusarem a fazer o jogo das empresas.
Já os corruptores são poucos e poderosos.
Portanto, um movimento inteligente de combate à corrupção focaria em três medidas básicas:
1. Ataque à causa do problema, ou seja, à fonte da corrupção: o corruptor.
2. Redação de leis inteligentes e ágeis, em que as
penas fossem proporcionais à responsabilidade: no caso, uma pena bem
maior para o corruptor.
3. Punições adicionais que atingissem o “bolso” do corruptor.
Por exemplo, após a condenação, a proibição de realizar, durante 10 anos, outro negócio com o Estado.
Por exemplo, após a condenação, a proibição de realizar, durante 10 anos, outro negócio com o Estado.
No âmbito psicossocial, esse movimento lutaria por uma cena de
impacto: a foto da prisão de um corruptor. Uma situação capaz de
assustar toda a cadeia (opa!) da corrupção.
Tenho certeza de que você se lembrará de uma foto semelhante, que
marcou uma operação da Polícia Federal, há alguns anos (e ele foi
algemado, ainda por cima…), como também se lembrará da reação imediata e
surpreendente das “altas esferas” que tornou impossível repetir esse
procedimento humilhante contra notórios corruptores.
Você já deve ter reparado que os interessados na continuidade do
processo da corrupção e na continuidade dos benefícios financeiros,
políticos e sociais advindos desse processo intuem a importância
primordial de proteger, a qualquer custo, o agente da corrupção: ele é a galinha dos ovos de ouro (e dos relógios, canetas e barras de ouro, das notas verdinhas etc.).
Que fiquem em paz os maiores financiadores da mídia, da política e da advocacia.
Essa atividade de proteção, quando assumida por quem fiscaliza as
ações dos homens públicos (os legisladores e a mídia), gera a situação
de impunidade. Ou seja, paradoxalmente, a atividade de proteção se
manifesta pela inatividade ante a ação criminosa. Basta isso.
Nossa posição quanto ao movimento
Agora você entende por que a nossa Equipe jamais
apoirá uma passeata que tenha como alvo a causa da corrupção. Porque, se
ela for bem-sucedida em seus desdobramentos, esse sucesso representará
um ataque a alguns dos principais anunciantes da mídia, além de
colocá-la na constrangedora obrigação de fazer matérias policiais contra
eles, e de impor um silêncio suspeito ou uma defesa insustentável dos
corruptores aos nossos colunistas.
Essa situação significará também o fim da irrigação dos bolsos dos nossos aliados políticos.
Apoiamos, assim como os principais órgãos da mídia nacional, marchas,
passeatas e campanhas que associem a corrupção ao “outro lado”, visando
desgastar os atuais ocupantes do Governo Federal. E só.
Apoiamos também a posição de nossos aliados do PSDB em São Paulo:
“CPI contra a corrupção em nosso quintal, jamais!” Um partido que dá 16
anos de garantia de impunidade a seus financiadores cria um ambiente
ideal para o fluxo de recursos, das mãos de quem os tem para as de quem
precisa tê-los.
Outro ponto importante: este movimento possui duas vias, uma negativa
e outra positiva. Na via negativa, a do “combate” à corrupção,
procuramos desgastar nossos inimigos políticos: é a via ladeira abaixo.
Na via positiva, a do voto distrital, procuramos criar um caminho para a
volta dos nossos aliados ao poder: é a via ladeira acima.
Você já deve ter reparado na identidade entre os atores políticos:
aqueles que estão à frente do “combate” à corrupção são os mesmos que
defendem o voto distrital.
* * * * *
Acima, imagem do blogue de Reinaldo Azevedo. Abaixo, imagem do site
oficial da campanha (Eu Voto Distrital, antes pertencente à Associação
Comercial de São Paulo, e, depois de denúncia de desocupados na Web,
transferido para Luiz Felipe Charles d’Ávila):
Todos do “nosso lado”.
Abram alas para nosso principal think-tank (e chega daquela gracinha: “mais tank do que think”…).
Nome onipresente no Colóquio: o dono do site “Eu Voto Distrital”.
* * * * *
“Corrupção” e “voto distrital” são as novas palavras de ordem, a
serem usadas liberalmente em colunas, artigos, manchetes. O tema
corrupção irá desgastando o “outro lado”, enquanto o tema voto distrital
irá promovendo o “nosso lado”. Eles descendo, nós subindo.
Apoie o voto distrital, mesmo sem saber como funcionaria essa
novidade. Venda-o como vendemos ao povo o Plano Collor, o programa de
privatizações, o presidente Fernando Henrique Cardoso e a necessidade de
sua reeleição: como a única salvação para o País.
E lembre-se: a manipulação dos movimentos cívicos “espontâneos” (isto
é, incentivados, quando não criados, pela mídia) sempre foi uma das
formas inteligentes de luta pelo poder: sob a fachada de um valor
edificante, as velhas e sórdidas manobras políticas. A juventude ingênua
e bem-intencionada ainda não aprendeu essa verdade – melhor para nós,
porque assim podemos comandá-la com a ajuda de seus ídolos.
* * * * *
Agora, de posse dessas informações esclarecedoras, você tem todos os
elementos necessários para praticar com eficiência o bom e velho jogo da
manipulação jornalística, trazendo mais apoiadores para o “nosso lado”.
Às ruas, portanto, porque 2012 já está chegando, e 2014 (nosso foco
mais importante) poderá nos reservar boas surpresas, depois de 12 anos
sem elas.
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Como as viuvinhas sem-porvir aqui de Antonina estão cansadinhas de saber, o Ornitorrinco é um sujeito de poucas luzes, duas ou três no máximo e, como é próprio, assina, lê e acredita sem reservas nos seguintes períodicos da nossa patriótica imprensa livre, varonil e imparcial: Veja, Época, Istoé, Globo, Folha de São Paulo, Estadão, Gazeta do Povo e o Estado do Paraná, Caras, Contigo e outros títulos menos lidos, mas não menos verdadeiros e, é claro, assiste compungido o jornalismo reconhecidamente isento, imparcial, inodoro e desnatado praticado especialmente pela Rede Globo.
Ah, sim: em verdade o Ornitorrinco que vos fala é anencéfalo.
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